Domingo à tarde é uma rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da Liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, histórias de vida e futebol.

A Camacha insiste, de forma porventura ousada, em provar que a qualidade não caminha de mãos dadas com a idade. A formação insular concluiu a edição do Campeonato de Portugal na melhor classificação de sempre neste novo formato, 3.º lugar na Série A da fase de manutenção. No comando técnico Pedro Andrade que é, por estes dias, o mais jovem treinador dos campeonatos nacionais com apenas 27 anos. Admirador de Leonardo Jardim, este madeirense de gema, ambiciona subir a pulso no futebol, chegar a outros patamares e quiçá, repetir algumas das façanhas de um dos seus ídolos.  

O convite para treinar a Camacha surge após três épocas na sombra dos técnicos principais do emblema insular. A saída do treinador principal precipitou a aposta no jovem madeirense, completamente sem experiência, como técnico principal a nível sénior.

«O mister José Barros saiu para o Mónaco no início da época, foi integrar a equipa técnica do mister Leonardo Jardim. A Camacha tem por tradição promover os adjuntos e de apostar em treinadores sem olhar para o Bilhete de Identidade. Aconteceu isso anteriormente com o Leonardo [Jardim] e aconteceu comigo. A Direção teve a coragem de apostar num treinador jovem e que nunca tinha treinado ninguém. Enquanto treinador, realço a coragem da Direção por me ter dado a oportunidade», conta à MF Total.

Contudo, a carreira de Pedro Andrade não começa por cima. É necessário recuar no tempo para encontrar os primeiros passos do caminho rumo à afirmação no Campeonato de Portugal. Natural de São Gonçalo, Funchal, o seu percurso segue a lógica natural de quem entra no mundo do futebol. Faz currículo em vários clubes da Madeira e chega mesmo a atingir patamares profissionais, aquando da sua estada na equipa técnica do União da Madeira. Segue-se o convite da Camacha, clube ao qual chega como treinador adjunto.

«Desde muito jovem que sempre tive o sonho de ser treinador, em vez de jogador. Gostava de perceber como é que as coisas eram feitas. Apesar de ter jogado durante alguns anos, optei depois por seguir a carreira de treinador. Licenciei-me em Educação Física na Universidade da Madeira e iniciei o meu percurso de forma normal, digamos. Comecei por treinar petizes [sub-10 e sub-11], orientei os sub-17 no União da Madeira. Depois cheguei mesmo a colaborar com a equipa principal.»,recorda.

No final da época 2010/11 o profissionalismo deixa de ser uma realidade.
Atualmente, os dias de Pedro Andrade são divididos entre o Ginásio de São Martinho, no Funchal, e o relvado do estádio da Camacha, lugar onde assume o papel de treinador mais jovem dos campeonatos nacionais.

«Durante o dia trabalho no Ginásio de São Martinho. É um dos três ginásios que fazem parte de um projeto subsidiado pelo Governo da Madeira, que tem como foco principal colocar as pessoas mais idosas a fazerem exercício físico. Existem também jogadores da Camacha que têm outras profissões durante o dia e que à noite treinam. Não somos profissionais», salienta.

Não sendo uma equipa profissional, algo que não acontece em todas as equipas do Campeonato de Portugal, a Camacha procura ser o «máximo profissional dentro de um contexto amador». Após um início de época algo conturbado, no final a manutenção acaba por ser assegurada de forma brilhante ou não tivesse sido quebrado o recorde da melhor classificação de sempre do clube. Logo, o balanço da primeira aventura no banco é obrigatoriamente positivo.

«Conseguimos alcançar o objetivo a que nos dispusemos e um lugar na classificação que a Camacha nunca tinha alcançado, neste formato de campeonato. O balanço é positivo. Aprendi imenso, tanto no que diz respeito ao treino em si, como acima de tudo, nas relações humanas. Cresci e estou mais preparado para um novo desafio do que estava quando comecei», frisa.
 

Foto Facebook da Camacha
Foto retirada do Facebook da Associação Desportiva da Camacha.


A classificação reflete o trabalho desempenhado por Pedro Andrade e pela sua restante equipa técnica. Contudo e perante um arranque de época difícil, houve quem usasse a idade como argumento para o insucesso. Algo do qual o treinador da Camacha discorda por completo.

«Acimo de tudo, acho que quando existe competência, quando mostras trabalho, ganhas o respeito dos jogadores. A idade nunca foi um problema, porque os jogadores olharam sempre para mim como alguém com competência. E, quando assim é, os jogadores respeitam-te», assume.

Aliás, o técnico vai mais longe e confirma que a juventude não o incomoda. Muito menos o facto de ser o treinador mais jovem dos campeonatos nacionais.

«Nem tinha consciência desse facto. Um dia estava com a minha equipa técnica e até foi o Christopher [antigo guarda-redes do Sporting] que disse “Pedro deves ser o gajo mais novo que anda por aí a treinar” e depois, isso confirmou-se mesmo. Portanto, nem fazia ideia disso. Não é algo em que pense sequer», afirma.

Na próxima época o seu futuro vai continuar ligado à Camacha. E o madeirense não se inibe de sonhar em seguir, quem sabe, as pisadas de Leonardo Jardim.

É difícil olhar para o percurso embrionário do jovem técnico e não encontrar traços semelhantes aos primeiros passos da carreira do atual treinador do Mónaco. Também Jardim, depois de três anos como adjunto, foi aposta da Camacha. Tinha então 29 anos, tal como acontece agora com Pedro Andrade, dois anos mais novo.

«Claro que o Leonardo [Jardim] é uma referência para mim. Por tudo o que conseguiu na carreira, por ter subido a pulso. Acho que é legítimo ter a ambição de avançar na carreira. Mas neste momento é demasiado à frente pensar em algo tão grande. Estou apenas concentrado em subir degrau a degrau, tal e qual fez o mister Leonardo Jardim. O meu próximo objetivo é voltar a ser profissional de futebol, seja como treinador principal ou mesmo como adjunto. Depois disso, vou querer chegar a uma divisão mais acima e assim sucessivamente.», aponta.

Embora Pedro Andrade já tenha entrado na história da Camacha como o seu conterrâneo, só o futuro dirá até onde poderá ir. Os dados estão lançados.

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