Domingo à tarde é uma rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, história de vida e futebol.

«O campo da derrota não está povoado de fracassos, mas de homens que tombaram antes de vencer»

A frase é de Abraham Lincoln, mas Ézio Pinto tem-na como um lema de vida.

Também não é para menos. Digamos que a época não correu propriamente de feição, pelo menos a nível coletivo.

Parte positiva: ainda ostenta o título de melhor marcador da equipa. Parte negativa: tem apenas três golos.

É uma constatação estranha, mas de facto espelha a triste realidade do Fornos de Algodres por estes dias. A formação serrana é última classificada da Série C do Campeonato de Portugal, com 4 pontos, fruto de quatro empates.

A equipa com pior prestação da presente edição. Sem vitórias e condenada à descida desde meados de fevereiro.

«A nível coletivo as coisas não correram bem. O objetivo era manter o clube no Campeonato de Portugal, mas falhámos. Oficialmente só fomos despromovidos em fevereiro, mas já sabemos que ia acontecer desde novembro ou dezembro. Temos jogadores com muita qualidade mesmo, mas talvez tenha faltado maior capacidade financeira, para trazer jogadores com mais qualidade e experientes e dar estabilidade à equipa», começou por contar ao nosso jornal.

Treze golos marcados, 74 sofridos, são os números de uma equipa cuja época embateu na trave e saiu.

Ou encaras como um fracasso e ficas chateado, ou então simplesmente aceitas e tentas aproveitar o que falta. Quando se atravessa a pior série de jogos da tua vida, é preciso ter personalidade, ser mentalmente forte. Gosto de ganhar, como toda a gente, embora já não saiba o que isso é há mais de um ano (risos). Mas faço aquilo que gosto, só por isso acho sempre que nunca estou a perder»

«Sempre me disseram que depois da tempestade vem a bonança, acredito que esta seja a minha tempestade. É quando acontecem coisas más na nossa vida que devemos ser mais fortes, para remar contra a maré. Apesar de a época ter sido má, a nível pessoal senti que cresci, superei-me a todos os níveis. Sinto alívio, mais como homem do que como jogador», confessou.

Ézio é polivalente: joga a lateral mas também a extremo (foto: arquivo pessoal)

Do Sporting à Serra da Estrela, numa tábua de sabores e dissabores

Apesar de ter apenas 20 anos, a história de Ézio já conheceu alguns capítulos difíceis.

Nascido em Angola, mas com nacionalidade portuguesa, saltou das ruas de Santo António dos Cavaleiros para o Ponte Frielas e daí ingressou no Sporting (2008/09), emblema ao qual esteve vinculado quatro anos. As voltas da vida levaram-no até a Tondela, já como júnior (2014/15), onde conheceria o lado negro do futebol.

Só comecei agora, eu sei, mas sinto já que podia ter feito mais. Grande parte da culpa foi minha. Era o jogador que mais se destacava nos juniores e o mister Paneira chamou-me aos trabalhos da equipa principal (na época em que subiria à Liga). Deslumbrei-me. Sentia que dificilmente sairia a partir dali. Enganei-me. O futebol é momento. Pensava que já tinha atingido alguma coisa, mas não tinha nada. Tive uma atitude menos correta e dispensaram-me. Se pudesse mudaria isso, porque ainda lá estaria de certeza. Ainda penso muito antes de dormir»

O episódio deixou marcas, mas ensinou-lhe uma importante lição.

Desde então, encara a vida e a profissão de outra maneira. Em Fornos de Algodres procura agora o tempo e o espaço necessários para retomar o que ficou por fazer.

«Nunca vi um sítio onde chovesse tanto e fosse tão frio (disse numa voz rouca), até estou rouco como vê (risos). Para um gajo de Lisboa…epá, tenho de andar sempre agasalhado e tal. O estádio é mesmo lá em cima e, por causa da altitude, apanhamos sempre os extremos. No verão faz muito calor mesmo, chega a ser difícil treinar. No inverno, já houve treinos com neve. É uma experiência muito diferente», explicou.

Para complementar o «salário baixo», está a tirar um curso de técnico de comércio.

«Porquê? Gosto muito de ouvir os mais velhos e há uma frase que me marcou, que é mais ou menos assim: “o conhecimento torna o ser humano incapaz de ser escravizado”. Para mim quanto mais conhecimento tivermos, menos probabilidade há de levarem vantagem sobre nós», considerou.

Na época de estreia pelo Fornos de Algodres, o jovem soma três golos em 25 jogos

Não se diz apreciador da gastronomia local: «queijo da serra e tal não é a minha cena, aprecio mais a gastronomia da minha mãe (risos)». Ainda assim, garante que tão cedo não irá esquecer a experiência no clube serrano.

«Aqui há muitos habitantes, então dão mais valor aos teus valores pessoais, do que propriamente ao jogador. Querem um jogador com alegria em campo. O presidente partilha o balneário connosco, o capitão também faz parte da direção. Ao princípio era intimidante, nem lhes dava carrinhos (risos). Mas, daqui para a frente, sempre que me perguntarem sobre o Fornos de Algodres, direi que será um clube que estará sempre marcado na minha carreira», sublinhou.

Quanto ao futuro, não escondeu que gostaria de voltar a ter uma oportunidade semelhante à que teve outrora e prometeu não desistir até consegui-la.

Espero ser profissional em breve, passar do sonho à realidade. Agora estou a fazer por merecer um lugar, não festejo de antemão, e mesmo se acontecer festejo para mim. Aprendi com o erro e vou lutar muito, até porque, como dizia Lincoln “o campo da derrota não está povoado de fracassos, mas de homens que tombaram antes de vencer”.»

Pois é, numa altura em que dentro e fora de campo se debate tanto sobre a questão do título e à pressão decorrente da mesma, o Maisfutebol quis mostrar o outro lado, daqueles que não reza a história. Dos que já não têm nada a ganhar, a não ser o prazer de jogar futebol, com alegria e tristeza, sorrisos e lágrimas, altos e baixos. Dos que se superam, mesmo na derrota.

Dos que viram o futebol deixar marca.

Porque um futebol que não é vivido com alegria, mesmo na derrota, torna-se naquilo que o futebol não deve ser: chato...tal como uma vida sem alegria.

Artigo original: 10/04/08, 23h50