Domingo à tarde é uma rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, história de vida e futebol.

«Sempre disse que ser campeão no Porto, pelo Marinhense, ou em que divisão for, que vou festejar igual. Foi bom, até porque quando cheguei, o treinador falou comigo e quis que eu fosse para ponta de lança (risos)»

O resumo de um regresso «feliz», quando tinha pensado «muito em terminar a carreira». Verão de 2016, fim da quarta época no Chipre. E a família a impor-se ao futebol. «A minha esposa estava grávida e optámos por vir para Portugal. É seguida desde pequenina por causa da tensão, punha-se uma gravidez de risco e não facilitámos», justifica.

De volta ao país natal, alguns meses parado, propostas a Norte recusadas para estar com a mulher. Tudo isto até ao Atlético Clube Marinhense. «Estive vários meses parado e sabia que estava em condições para jogar. Gostei do projeto, foi fácil voltar e não me arrependo. Estou super feliz no Marinhense», garante.

Aldeia de São Jorge, vila de Porto de Mós. Foi ali que João Paulo cresceu e deu os primeiros toques na bola, na formação do Portomosense. A escassos quilómetros da Marinha Grande. Por conhecer as pessoas, não hesitou em abraçar o projeto em março deste ano. Chegou com a equipa no quinto lugar, a quatro pontos da liderança da Divisão de Honra da AF Leiria, escalão máximo de futebol do distrito. Daí em diante, um percurso imaculado.

Oito jornadas para o fim, sete vitórias e um empate, este no único jogo que João Paulo não disputou. Resultado? Um final feliz. Marinhense campeão e dupla festa com a conquista da Supertaça do distrito, em junho, frente ao Sp. Pombal. Lembra-se de alguém que queria João Paulo lá na frente?

Festa do AC Marinhense após a conquista do título distrital da última época, com João Paulo junto do troféu

O defesa central que tanto se bateu com goleadores em 18 anos de carreira, virava avançado. O treinador apostou, o Marinhense saiu a ganhar. Com quatro golos em oito jogos, João ajudou o clube a singrar num fim de época soberbo. Segredo para um defesa matador?

«Se calhar, como somos defesas, sabemos como pensam e torna-se mais fácil (risos). Recordo com muita alegria. Digo-lhe que as pessoas estavam surpreendidas com a maneira como festejei», completa, recordado os troféus da última época.

Festa feita, o Marinhense luta agora pela manutenção na série C do Campeonato de Portugal, na estreia do clube no novo formato da prova nacional. E conta com a ajuda do defesa de 36 anos, capitão. «O objetivo do clube é manter, sabendo que descem seis de cada série [são 16 em cada]. É complicado, felizmente estamos nos dez primeiros [em 8.º]. O início foi difícil, apanhámos praticamente todas as equipas que querem subir à Segunda Liga, tirando o Leiria. Começámos mal, mas temos três vitórias seguidas e estamos no bom caminho», responde.

Por falar em Leiria, João Paulo reencontra o clube que tanto lhe diz em dezembro, à 14.ª jornada. Será, por isso, um jogo especial. «O Leiria fez de mim jogador. Na época passada fui ver um jogo do Leiria e, nos camarotes, estava uma fotografia minha. Até me arrepiei», recorda.

João Paulo ao serviço do U. Leiria, contra o Benfica

A passagem fugaz pelo Sporting e a alegria no FC Porto

João Paulo despontou nas camadas jovens do União de Leiria até sénior. Ali, foi peça fundamental de José Mourinho, após um empréstimo ao U. Tomar. «Na nossa altura, já se reparava que ele [Mourinho] tinha algo diferente. Um treinador inteligente. Sabia como lidar com todos os jogadores. A ler os adversários, já era fora do normal», frisa.

Mais tarde, o interesse do Sporting. Chegou a Alvalade por empréstimo, a meio da época 2002/2003. Contudo, a aventura foi, como diria Rui Veloso, «tão fugaz que nem deu».

«A época estava a correr bem em Leiria, cheguei ao Sporting com a lesão do Beto. Foi uma contratação relâmpago, por causa da lesão. Ia para jogar a titular, só que tinha de ser inscrito 48 horas antes [do jogo]. O mister [Boloni] chamou-me para jogar, um diretor disse que eu não podia e entrou o Hugo. As coisas correram-lhe bem, começou a jogar e tornou-se mais difícil. Joguei num grande clube, mas não correu da melhor maneira», lembra.

Mais tarde, três épocas de opção indiscutível no eixo da defesa leiriense consumaram a ida para o FC Porto. Sagrou-se bicampeão nacional na Invicta, no ponto alto da carreira. «Identifico-me muito com o FC Porto, sou um jogador de dar tudo, sempre até ao limite. E identificava-me. Adorava a maneira como jogavam. Dois anos excecionais, apesar de não jogar com regularidade», assume.

João Paulo, de chapéu, festeja o título de campeão pelo FC Porto com Sektioui, no Dragão (Foto: Reuters)

No último jogo pelos portistas, um episódio negativo: final da Taça de Portugal de 2008, perdida para o Sporting. «Para falar um pouco mal de mim (risos), fui expulso numa entrada ao Moutinho. Mesmo com dez, podíamos ter ganho. Mas é o futebol (risos)».

A falta da já dita «regularidade» ditou uma saída tranquila. «É muito bom estar no Porto, mas faltava qualquer coisa, jogar», explica. Encontrou isso no empréstimo ao Rapid Bucareste na primeira experiência além-fronteiras. «A época correu muito bem. O Rapid quis comprar-me, mas acho que o Porto ainda pedia um bom valor e não conseguiram. Na altura ficava, sou sincero. Era uma paixão jogar naquele clube, por causa dos fãs».

Do encontro com Fernando Santos ao Chipre

Antes de ir para a Roménia, contudo, João Paulo foi desejo do atual selecionador nacional. Ainda no FC Porto, a vontade de rumar à Grécia com… Fernando Santos à mistura.

«Na altura em que estava no Porto, estive a jantar em Matosinhos com o Fernando Santos porque ele queria levar-me para o PAOK. Eu queria ir, mas na altura o Porto não deixou», revela.

Em agosto de 2009, saiu em definitivo dos azuis e brancos e assinou pelo Le Mans, então orientado pelo português Paulo Duarte. Depois, mais dois anos em Portugal, no V. Guimarães. «Era e é, para mim, um dos melhores clubes em Portugal, pela paixão dos adeptos, por tudo. Era um clube com o qual me identificava». Isto apesar da mágoa de ter perdido uma final da Taça de Portugal e uma Supertaça… para o FC Porto. «Foi um dia para recordar quando conseguimos passar à final. Mas foi numa altura em que o FC Porto estava muito forte e ganhou 6-2».

João Paulo trava duelo com Lima, num dérbi minhoto entre V. Guimarães e Sp. Braga, em 2011

Em 2012, João Paulo iniciou a derradeira e mais longa aventura no estrangeiro. Destino, Chipre. Com China pelo meio. «Quando saio do Guimarães, estive na China duas semanas. Era para ir para o Changchun Yatai. Acabámos por não chegar a acordo e não me arrependo. Há mais coisas além do dinheiro».

Chegado à pequena ilha abraçada pelo Mediterrâneo, três clubes: Apollon Limassol, Omonia e AEL Limassol. Duas supertaças, pelos últimos dois. E uma passagem «fantástica» por uma zona onde, defende, «não é por acaso que muitos portugueses estão a ficar a viver». «É muito bom, têm paixão pelo futebol. Felizmente joguei nas equipas grandes», conta.

Dos primeiros toques na bola na formação do Portomosense até ao Marinhense, 2004 marcou a participação no Europeu sub-21 e a chamada à seleção olímpica para os Jogos de Atenas no percurso.

«Paixão pelo jogo, pelo treino»

Hoje, João Paulo não enumera grandes diferenças entre as condições no Marinhense face a outros clubes que representou. «As pessoas que lá trabalham não são profissionais, mas trabalham até à exaustão para que os jogadores se sintam bem», sublinha.

A festa do título distrital do AC Marinhense dentro do autocarro, com João Paulo à cabeça

A cumprir a 19.ª época como sénior, não pensa acabar a carreira em breve. «Sinto-me bem fisicamente. Além da paixão pelo jogo, tenho paixão pelo treino. Se cuidar de mim, penso que ainda consigo jogar mais algum tempo».

O tempo, relógio da vida, falará por si. Isso e a aptidão. «Não sinto que estou a mais. Quando sentir, sou o primeiro a sair».

Foto principal: Facebook AC Marinhense