Domingo à tarde é uma nova rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da Liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, histórias de vida e futebol.

«Não posso demorar muito, daqui a pouco tenho de ir de viagem…»

Foi sempre assim, desde criança, de um lado para o outro, tudo em nome de um sonho maior chamado futebol.

O único de resto. Aquele em que decidiu investir todas as fichas e que, até então, tem-se revelado uma aposta certeira. Pelo menos ainda acredita nisso.

Adul Seidi deixou a Guiné-Bissau ainda cedo, em busca de um lugar no mundo do futebol. Na pequena mala de viagem levava já a ambição de ser maior, e golos, muitos golos, tantos que um enviado do Sporting voltou para Lisboa enamorado com o potencial do jovem guineense.

«Ainda hoje fico feliz por ter sido eu o escolhido. Desde miúdo ficava sempre na área para fazer golos. Os meus colegas diziam sempre “ah tu és o homem golo, não podes ficar sem fazer golo”. E era assim, até o árbitro apitar para o final eu era sempre capaz de marcar»

Revelações ao Maisfutebol de Adul, como gosta de ser tratado.

Diz que facilita muito quando se tem vários nomes.

«Na Guiné chamavam-me Pedro Mantorras, Mário Jardel ou Van Nistelrooy, porque dava nas vistas a marcar golos. Por onde passei fiz uma boa média de assistências, mas sou um homem de área, são os golos que me inspiram»

E a veia goleadora mantém-se de facto. Agora no Benfica de Castelo Branco (Serie E), o avançado é um dos melhores marcadores do Campeonato de Portugal. No registo leva já 4 golos em 3 jogos, mais três na Taça de Portugal, um hat-trick num jogo em que só foi utilizado no segundo tempo (8-0 à Naval).

Adul Seidi foi para o Benfica Castelo Branco no início da época mas é já uma das figuras da equipa

«Até levei a bola para casa (risos). Dizem que sou o matador daqui, mas não sou nada disso. Tenho é pessoas que sempre me ajudaram, como o Nuno Correia, e agradeço ao clube por me deixar mostrar qualidades. Estou muito bem integrado e está tudo a correr bem. Fico feliz por ser um dos melhores marcadores, porque isso me permite ir mais alto também», disse.

«Serei tipo Renato Sanches, uma oportunidade e vou explodir»

Ambicioso, como o próprio faz questão de sublinhar, Adul não esconde o desejo de dar o salto para outros patamares.

Aos 23 anos, mora dentro de si uma forte convicção de que em breve será reconhecido como jogador de primeira linha.

«Tenho a certeza de que vou explodir se tiver oportunidade de estar numa equipa com mais visibilidade, em Portugal ou no estrangeiro. Por exemplo o Renato Sanches até não jogava no Benfica B, mas o Rui Vitória chegou lá e meteu-o na equipa principal. É uma oportunidade dessas que quero. Faço essa promessa, vou explodir! Confio muito nas minhas capacidades. Estou só à espera dessa oportunidade»

Este desejo remoto ganhou ainda mais força nos últimos dias com a ascensão de José Gomes, também ele guineense de origem (com dupla nacionalidade), avançado, goleador…do Benfica, ainda que não o mesmo.

Qualquer coincidência que pareça existir neste caso não passa apenas disso, mas a Adul também não tem passado despercebido o trajeto do jovem compatriota.

«Nem todos têm essa oportunidade de jogar no Benfica. Vou vendo o percurso dele e é um miúdo que promete muito. Fico muito feliz por ele, porque que vem do meu país, é um bom jogador e penso que tem muito futuro, mas não é comparável comigo», avisou.

Alô, Óliver! Em breve amigo, em breve

Poucos imaginam, mas a vida de Adul já se cruzou com a de algumas estrelas mundiais. Num curto espaço de tempo saiu do Sporting e rumou a Madrid, para alinhar nas camadas jovens do Atlético.

Adul com as cores do Atlético Madrid

Pelo meio houve passagens por União de Leiria e Torreense, onde foi encaminhado pelo então treinador Paulo Torres até ao emblema madrileno.

«Na altura tinha 18 anos. Fiz um teste de uma semana, gostaram e pediram mais uma. Voltaram a gostar e deram-me um contrato de dois anos», explicou.

Foi o início de uma experiência «enriquecedora» ao serviço dos colchoneros, onde partilhou balneário com algumas estrelas agora em ascensão, entre as quais uma em particular.

«Lembro-me bem, eu e o Óliver Torres eramos do Atlético C, eu jogava a “nove” e ele a “dez”. Na mesma equipa estavam também o Manquillo (que jogou no Liverpool), Saúl (Ñíguez), e outros»

«O Koke estava na equipa B, mas o empresário dele foi o responsável por mim enquanto lá estive» prosseguiu, «treinei duas vezes com a equipa principal, sob as ordens do Gregorio Manzano. Fui muito feliz e aproveitei as oportunidades que tive. É um clube fantástico e continuo a ter muito carinho por eles», salientou.

Tal como num jogo de futebol, uma carambola ditou que Adul e Óliver se cruzassem novamente, agora que o espanhol regressou ao FC Porto. A relação, essa, manteve-se.

«Sinto muito orgulho no Óliver, ainda troco mensagens com ele. Deixámos de nos encontrar desde que saí do Gondomar e ele do FC Porto. Ver o Óliver lá no topo é um orgulho para mim. Assim um dia posso dizer que partilhei o balneário com ele. Mas quem sabe, é o meu sonho chegar ao nível dele»

Portugal bateu-lhe à porta, mas o azar entrou de rompante

Abril de 2010. Adul destacava-se como um talento emergente na União de Leiria quando Hélio Sousa o chamou para integrar o estágio da seleção portuguesa sub-18.

Uma estreia absoluta com a camisola das «quinas» que estava prestes a acontecer.

Não aconteceu. Culpa de um fenómeno raro que ainda hoje é lembrado por muitos.

Uma erupção vulcânica na Islândia libertou na atmosfera uma gigantesca nuvem de fumo que cobriu de cinzas o espaço aéreo europeu.

Os suíços, adversários de Portugal nesse encontro particular, não foram autorizados a levantar voo e o compromisso acabou por ser cancelado.

Um revés que Adul recordou na hora de escolher representar a seleção guineense, onde soma já duas internacionalizações sob os comandos de…Paulo Torres. Destino, ou mais do que isso.

«Na verdade, fui chamado pelo Hélio Sousa duas vezes. Nesse jogo ia fazer a estreia ao lado do William Carvalho e de outros. Foi mesmo azar, mas pronto, agora represento a Guiné», sublinhou.

Procura-se! Há um goleador à solta no Campeonato de Portugal, e com apetite para mais.