Domingo à tarde é uma nova rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da Liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, histórias de vida e futebol.

Golo: substantivo masculino; Tento ou ponto por entrada da bola na baliza adversária, no futebol e em outros desportos.

Há quem diga que é fruto do acaso, outros fruto do trabalho, outros tantos que teorizam sobre aquilo que dizem ser uma ciência, com variáveis à medida.

A parte racional de um golo é uma coisa muito fácil de explicar, até porque, na maioria das vezes, não tem explicação possível. É acima de tudo irracional, algo que sendo visível não o é, algo que se sente mas cega os sentidos.

O golo é, afinal de contas, alegria, emoção. Algo inesquecível, para jogadores e adeptos.

Pelo Campeonato de Portugal existe um clube que anda a especializar-se na matéria, contando nas suas fileiras com jogadores que guardavam um segredo até agora pouco conhecido.

Parece que andaram a espiar os melhores.

O golaço inspirado por um possível Bola de Ouro

Rúben Martins ainda mal sabia dar um chuto na bola e já observava de perto o trabalho de um guarda-redes nas camadas jovens do clube da terra, ali perto de Leiria.

A cada defesa que o jovem fazia, Rúben estudava-lhe os gestos, as movimentações, os pontos fortes…e os fracos.

Aquela obsessão pelo deslize alheio que o fazia saltar por dentro, como uma adrenalina desmesurada que se apoderava aos poucos do seu espírito. Se pudesse exteriorizar isso, pensou, talvez não fosse coisa boa.

Mas era, dependia apenas do ponto de vista.

O menino cresceu e virou avançado. Deu os primeiros passos no Leiria e Marrazes e o destino encarregou-se de o deslocar mais para cima, ali nas Beiras.

E foi já no Mortágua que espantou todos com um golaço de levantar o estádio.

Foi um daqueles momentos de inspiração. Passa-nos tudo pela cabeça mas só nos apercebemos do que fizemos depois de ver a bola no fundo das redes»

Foi com orgulho na voz que Rúben recordou ao Maisfutebol aquele momento quase digno de um prémio Puskas. Uma Bola de Ouro também era bem-vinda, mas o tal conterrâneo adiantou-se.

«Nunca me cruzei com o Rui Patrício, mas lembro-me de ver os treinos dele nas camadas jovens do Leiria e Marrazes», referiu.

O segredo era esse afinal, aprender a arte de bem defender para aperfeiçoar a veia goleadora.

Depois há a celebração, uma cambalhota que já virou «imagem de marca» e que insiste em fazer de cada vez que visa as redes adversárias. Tendo os «dois dígitos» como objetivo para esta época, Rúben ainda vai ter de andar à roda muitas mais vezes. Pelo menos sete.

Se saiu naturalmente não sei, mas que o menino salta muito, lá isso salta...»

Carlos Castro, ou simplesmente Castro, fura a história para elogiar o colega, em tom de brincadeira. Para além do balneário, partilham também o jeito para o golo, mas o médio prefere as bolas paradas.

Já o compararam a Paulo Sousa, mas é em Pirlo que se inspira para fazer verdadeiras maravilhas.

«Com três homens a passar na bola, o ‘redes’ fica sempre na dúvida para saber quem bate. Saiu no momento, não foi ensaiado, mas já não é o primeiro que faço», sublinhou.

E de facto, a queda para os livres é tanta que, já depois da entrevista, voltou a fazer das suas no encontro da última jornada da Serie D do Campeonato de Portugal, onde o Mortágua ocupa a sexta posição.

«Mas um à parte! O do Rúben foi melhor. Os meus são com treino, muito treino, o do Rúben foi instinto. Incrível…», insistiu.

Uma cumplicidade que vai além das quatro linhas. Na realidade, ambos partilham um segredo parecido.

Um sonho ‘old but gold’ chamado Benfica

Entre 2007 e 2009 Castro cumpriu formação nas camadas jovens do Benfica, ao lado de alguns jogadores agora bem conhecidos do futebol português, como Danilo Pereira, Nélson Oliveira ou Roderick, entre outros.

Castro recorda essa passagem com a nostalgia típica de quem um dia sonhou alto.

Na crónica de um jogo que fiz, um jornalista comparou-me ao Paulo Sousa (risos). Cheguei a treinar com a equipa principal, do Quique Flores. Ver o Aimar no mesmo campo que eu, Di Maria, Cardozo. Pedir a bola ao Aimar para jogar comigo, enfim…foi um sonho»

Recuerdos desses treinos nada, a não ser um em especial.

«A humildade do Aimar. Dele só tenho aquele aperto de mão, tão simples, mas fez-me sentir o homem mais feliz do mundo», confessou.

Um homem das bolas paradas que garante estar «de corpo e alma» no Mortágua, soltando gritos de alegria a quem se desloca ao estádio para ver o clube dos grandes golos.

E há um que é presença assídua.

Teve dois amores como Marco Paulo, um partiu-lhe o coração

A terceira eliminatória da Taça de Portugal foi especial para um mortaguense em particular.

Conheceu o futebol nos juniores do clube da terra, mas a maioridade fechou-lhe as portas do futebol.

Só que viu abrir-se uma janela.

Jorge Santos rumou a Lisboa para cumprir serviço militar e foi aí que conheceu uma nova casa. E de forma invulgar.

Enquanto cumpria serviço no quartel, Jorge ia sempre dando uma perninha nas habituais peladinhas entre colegas. A qualidade demonstrada foi suficiente para convencer um dirigente do Cova da Piedade que por lá se passeava de vez em quando.

Devido ao Cova da Piedade, o regimento onde estava dispensou-me para poder jogar futebol. Os meus colegas iam lá ver-me aos jogos, na altura num pelado, na II divisão. Era quase uma família»

Durou apenas um ano a aventura na capital, em 1963/64. Depois de concluir a tropa viu-se forçado a regressar à terra natal, onde conciliou o emprego regular com uma carreira no clube de sempre, o Mortágua, repetindo a rotina diária até terminar a carreira de jogador.

Diz quem o viu que se tratava realmente de um jogador invulgar. Nas prateleiras ainda guarda com orgulho a distinção de melhor jogador do concelho de Viseu.

Jorge só teve então dois amores, qual Marco Paulo. E como numa balada romântica, o destino foi trapaceiro.

Mais de cinquenta anos depois, Jorge viu já como adepto Mortágua e Cova da Piedade defrontarem-se na Taça de Portugal. O primeiro embate de sempre entre ambas as equipas.

Antes do encontro, aquele que foi um dos momentos mais marcantes da sua vida.

Um gesto simbólico que pelo menos adocicou a amarga eliminação frente à equipa da II Liga.

«Já não conhecia ninguém do Cova da Piedade claro, mas fiquei muito emocionado. Agora eles são profissionais, antes éramos todos amadores. Foi muito giro», vincou.

Três histórias diferentes, mas com um elo comum, o amor pelo futebol.

Dizem que preferem ser vistos como o clube das vitórias, não o dos grandes golos. Mas, para quem acha que os golaços são uma proeza só ao alcance de alguns, fica o aviso.

Eles andam atentos...