Domingo à tarde é uma rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, histórias de vida e futebol.

«O golo do prolongamento, sei lá... Estava tão exausto, estávamos tão comprometidos no jogo para conseguir a vitória que nem me lembro de ver a bola dentro da baliza. Marquei e nem sabia o que fazer: se descansar, se correr. Foi uma alegria incrível e conseguimos a passagem às meias-finais.»

Respira-se Taça nas Caldas da Rainha. A equipa do Campo da Mata, amadora, do Campeonato de Portugal (CP), alcançou uma histórica e inédita meia-final. Bateu o Farense no prolongamento. E com a eficácia dos 36 anos de Pedro Emanuel, autor dos dois golos da reviravolta.

Eis um avançado, herói caldense na prova… Rainha. Professor de Educação Física. Figura nos videojogos de futebol que nunca jogou nos grandes palcos.

Da bola às emoções, dias após mais um capítulo épico, o Maisfutebol encontra Pedro Emanuel do outro lado do telefone. Fala-nos ao fim de mais uma manhã de aulas, num misto de cautela e entusiasmo. Pensava ser decisivo num jogo destes?

«Não me passava pela cabeça. Consoante fomos passando as eliminatórias, vamos sempre acreditando. Estamos lá para ajudar. Ainda para mais sendo eu um homem da frente», atira o avançado do Caldas, que apontou os primeiros dois golos da conta pessoal, numa época com arranque intermitente.

«Tive uma lesão grave. Entorse com rotura dos ligamentos do pé. Estive bastante tempo parado. Pude voltar a ajudar, marquei os dois primeiros, espero que sejam os primeiros de muitos», confessa.

No pré-jogo, «o tempo foi tão escasso que nem deu para pensar muito». Tudo porque o Caldas, que iria defrontar o Farense na quarta-feira, jogou no domingo anterior nos Açores. «Cheguei a casa às quatro da manhã de segunda-feira, tive de trabalhar na segunda-feira». Ansiedade, pois, atirada para as últimas horas. «No dia de jogo sim. Queríamos que chegasse e felizmente correu bem», prossegue.

10 de janeiro de 2018. Um dia especial. Diferente.

Pedro Emanuel e os festejos da equipa após o golo decisivo (3-2) ante o Farense

«Não fui trabalhar porque consegui arranjar quem me substituísse. Alguns tiveram de tirar férias. Outros, o patrão é das Caldas. Deu-lhes o dia. Almoçámos todos juntos, foi uma rotina diferente. Vivemos o dia com naturalidade, mas um pouco mais ansiosos porque queríamos chegar às meias-finais», justifica.

Em campo, o Caldas esteve a perder duas vezes. Respondeu primeiro com o empate, antes do bis decisivo de Pedro Emanuel. Um homem que nunca ligou ao arquivo físico que o futebol lhe trouxe. «Mas desta vez sou obrigado a guardar, para mostrar um dia mais tarde ao meu filho». Isso e lembrar os lances de noite histórica do Campo da Mata. «Tenho de ver melhor esta semana, não tenho tido muito tempo. Lembro-me de ir para a frente e deitei-me no chão para festejar. Espero, com mais calma, ver tudo ao pormenor».

Conversa na escola, a estrela virtual e o arrependimento

Pedro Emanuel é professor em três escolas básicas do primeiro ciclo do Agrupamento de Escolas de Marrazes: Casal dos Claros, Coucinheira e Pinheiros. No dia a seguir ao jogo, regresso para dar aulas e um momento distinto. «A escola toda sabia, desde funcionários até professores e alunos. Todos vieram ter comigo e estivemos à conversa. Foi engraçado, bom, giro», recorda.

Apesar de saltar agora à vista no panorama nacional pelo feito do Caldas, Pedro Emanuel já foi, no passado, figura maior nos jogos virtuais. O avançado estava ao serviço do Marinhense no início dos anos 2000 quando era promessa no Championship Manager – versão anterior ao atual Football Manager. O próprio explica.

«Eu também era um dos viciados. E era dos bons jogadores. Amigos meus iam buscar-me e conseguiam títulos comigo. E mesmo com o Hugo Pinheiro, colega meu no Marinhense. Uma vez, numa estação de serviço, fomos interpelados por uma equipa de miúdos. Entraram no autocarro a perguntar quem nós éramos e a pedir autógrafos. Queriam falar e estar connosco (risos)».

Esse bom jogador virtual, que passou por Marinhense, Monsanto, Sp. Pombal, Fátima, União de Leiria e Peniche, nunca chegou aos campeonatos profissionais. A meias com o arrependimento de não ter optado por ter empresário na carreira «por orgulho», fala em «situações hipotéticas» quando acredita que podia ter jogado a um nível superior. «Não adianta pensar», remata.

Pedro Emanuel ao lado de Juvenal, colega de equipa que está lesionado, no final do encontro com o Farense (Foto: Caldas SC)

Jamor? «Tão perto e tão longe»

É assim que Pedro Emanuel vê o palco da final para o Caldas. Após uma eliminatória que o deixou «cansado» de sobra. «Quando cheguei a casa adormeci. Queria era pôr-me de lá a andar, começámos a jantar tão tarde. Mas, quando acordei, as chamadas eram tantas, as mensagens... e vinha-me tudo à cabeça. Passei um dia fora do normal», conta.

Para o atual sexto classificado da série D do CP, segue-se, a duas mãos, o Desportivo das Aves. Ultrapassados Lourinhanense, Ol. Montijo, Cesarense, Arouca, Académica e Farense, segue-se «uma equipa fortíssima» da Liga. «Vi o jogo do Sporting com o Aves e ainda fiquei mais com a ideia que será muito difícil. E foram buscar mais um jogador campeão nacional, o Artur Moraes», comenta. Contudo, Pedro afiança que «não há impossíveis».

Antes do primeiro braço de ferro na Vila das Aves, a 28 de fevereiro, foco no campeonato. Afinal, a manutenção é o primeiro e imperial objetivo da época. «Estamos numa série forte, competitiva. Não há equipas fracas. Fizemos 23 pontos, mas estamos a três de descer. Está tudo junto. Queremos a manutenção e quando conseguirmos, talvez, redefinir objetivos», antecipa.

Depois, venha o «sonho de fadas».

«Tudo faremos para que a nossa história não acabe nas meias-finais».

*Fotografias: Caldas SC