Domingo à tarde é uma nova rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da Liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, histórias de vida e futebol.

Na próxima quinta-feira, na sede da Federação Portuguesa de Futebol realiza-se o sorteio da 3ª eliminatória da Taça de Portugal e entre as 64 «bolinhas» que vão andar aos saltos há uma que toda gente vai querer emparelhada com a sua: a que tiver escrito ‘Clube de Futebol de Santa Iria’.

Este clube do distrito de Lisboa, concelho de Loures, será o único representante do futebol distrital português na prova rainha e será desejado por todos para a partida que se disputará no fim de semana de 15 e 16 de outubro.

Em Santa Iria da Azóia ninguém liga ao facto de ser o «fruto mais apetecido» e quer o capitão quer o treinador do conjunto «sensação» garantem que venha quem vier vai ter que suar.

A aventura dos santirenses começou com um clube de uma divisão cimeira, o Atl. Malveira (Campeonato de Portugal), e logo aí o Santa Iria «agigantou-se» com uma vitória por 2-1. O treinador Nuno Lopes diz que o que lhe deu mais prazer nessa passagem foi a qualidade de jogo.

«Deu moral. Fomos superiores, tivemos sempre o domínio do jogo e não se sentiu que éramos de divisões inferiores e que tínhamos menos tempo de pré-epoca. Se quer que lhe diga, a diferença entre as equipas que não lutam para subir no Campeonato de Portugal não é muita em relação às que lutam pelos lugares cimeiros da Pró-Nacional. O equilíbrio é uma constante», assegurou o treinador.

Apesar de ser uma surpresa esta presença, o técnico assegura que chegar a esta fase era um «objetivo interno»: «Foi um objetivo definido internamente, temos os nossos objetivos quanto ao campeonato e à Taça de Lisboa e tínhamos outro que era chegar à 3ª eliminatória da Taça de Portugal, caso tivéssemos sorte no sorteio. O clube nunca o tinha conseguido.»

E partindo do posto de vista do equilíbrio entre o Santa Iria e as equipas do Campeonato de Portugal que não lutam pela subida, com base nas declarações do mister, e a disparidade para o topo, qual será a preferência de Nuno Lopes para o sorteio?

«Vamos tentar ser competitivos contra qualquer adversário, mas sabemos a nossa condição e que não podemos ombrear com equipas profissionais e de topo. A nível competitivo queríamos uma equipa do Campeonato de Portugal, que ande pela manutenção porque acredito que aí nós vamos ter as nossas probabilidades de passar mais uma eliminatória. Por outro lado,  com uma equipa da Primeira Liga poderá ser momento único para o clube, para os jogadores», explicou.

O capitão Flecha envereda pela mesmo discurso, mas a sair de prova prefere que seja a jogar num grande palco: «Sendo sincero: para ser eliminado já, prefiro ser por um «grande», mas a Taça é surpresa, um pequeno pode eliminar o grande. Se fosse de um escalão acima não nos metia medo porque o futebol que se pratica não é muito diferente da Pró-Nacional, mas se tiver que ser eliminado que seja por um «grande». Dá outra visibilidade, outro ânimo a um jogador amador que nunca chegou lá», referiu.

E se calhar mesmo um «grande» na rifa do Santa Iria? O objetivo será impressionar Rui Vitória, Jorge Jesus ou Nuno Espírito Santo?

«Se tivermos a felicidade de calhar contra um desses treinadores e desses clubes, queremos demonstrar a nossa organização, mas vamos tentar, dentro das nossas qualidades e capacidades, ser competitivos. Era bom receber elogios desses treinadores, que são eventualmente dos melhores do mundo. Era ótimo!», realçou o técnico.

A festa do golo de Flecha frente ao Atl. Malveira, na 1ª eliminatória da Taça de Portugal

Inspiração em... Jorge Jesus

Nuno Lopes, 41 anos, é um técnico que tem ajudado ao crescimento do Santa Iria e que ambiciona palcos maiores. Convidado a eleger um treinador que o inspire, aponta para o treinador do Sporting.

«A ideia para o jogo de uma equipa tem que estar conivente com os jogadores que temos, para moldarmos a nossa ideia e o nosso modelo de jogo. Tenho uma admiração pelo Jorge Jesus, pela forma como monta as equipas, pela qualidade que coloca nas equipas que treina. Tenho gosto em ver as equipas do Jesus jogarem, demonstram qualidade, muito fortes no plano ofensivo, muita mobilidade ofensiva, que domina os jogos em largos períodos de tempo.»

O treinador, de 41 anos, vai na terceira época ao serviço do Santa Iria, num percurso que já incluiu o Sacavenense, o Marinhais, o Alverca e o Olivais, e quer uma oportunidade nos escalões acima: «Espero que algum dia uma janela de oportunidade surja para mim, é para isso que trabalho e acredito que vai surgir. Trabalho diariamente, tenho uma carreira já de alguns anos apesar de ser novo. Quero valorizar-me no conhecimento do futebol, do treino, ajudar a valorizar os jogadores e procurar apresentar trabalho.»

Flecha em ação na área, camisola 11 e de braçadeira no braço

O «matacão» Mitroglou de Santa Iria

Se o treinador ainda olha para o topo, aos 32 anos, Flecha já não pensa nesses níveis e procura desfrutar o momento. Ainda este verão foi campeão nacional de futebol amador, pela seleção da Associação de Futebol de Lisboa e só não está neste momento na Polónia a representar o país porque quer ele quer outros dois jogadores do Santa Iria ficaram de fora da lista, dizem, sem qualquer explicação.

«Por motivos alheios a mim e a mais dois jogadores do Santa Iria não fomos convocados e não estamos presentes no Europeu de amadores. Quer a AF Lisboa quer o treinador não explicaram porque ficámos de fora. Se assim fosse também não tínhamos jogado esta 2ª eliminatória. Há males que vêm por bem. Acabou por ser uma prenda jogar e chegar a esta fase da Taça de Portugal.»

Vai na sétima temporada no clube santirense e sente-se em «casa». Formado no Sacavenense e no Prior Velho, o goleador passou depois pelo Camarate, regressou ao Sacavenense, seguiu para o Águias da Musgueira e Vialonga até assinar pelo Santa Iria.

«Rendi noutros sítios, mas talvez não me tenha sentido assim noutros lados. Estou na sétima época e isso quer dizer alguma coisa. Quando estamos num clube onde criámos uma base, uma raiz, é mais fácil em conjunto com os outros chegar lá [aos golos]. A equipa já se conhece, é um clube onde me sinto bem, fui bem recebido, sou acarinhado, sou bem-amado, sinto-me em casa.»

Já marcou muitos golos, inclusive dois nesta Taça de Portugal, mas um golo a um grande na 3ª eliminatória seria o mais especial. Algum guarda-redes preferencialmente para bater?

«O Casillas pelo estatuto e pelo palmarés que ele tem no futebol europeu e mundial. Ou mesmo o Júlio César e também o Rui Patrício. Era um sonho marcar a qualquer um», afirmou Flecha, revelando que o palco de eleição: «O Dragão, porque sou portista, mas jogar na Luz ou Alvalade é também um sonho.»

E se pudesse trocar de camisola com alguém? «O André Silva ou o Mitroglou, gosto muito dos dois. Acho que o Mitroglou é à minha imagem. É um pouco matacão como eu.»

O apoio dos adeptos do Santa Iria

«Sou sportinguista, mas o Santa Iria é o Benfica da regional»

 Tudo é inédito para o Santa Iria nesta fase da prova e o clube está com esperanças de jogar já com um «grande».

Cândido Dias, diretor para o futebol do clube, refere que isso seria espetacular, sobretudo a nível económico.

«Gostávamos que calhasse um «grande» porque isso seria muito bom para o nosso orçamento deste ano e até para o do ano seguinte, porque a Taça de Portugal dá prémios e até pelas transmissões televisivas que aumenta logo o bolo da receita.»

Contudo realça de imediato que o valor que receberem será partilhado com o plantel: «Aqui treinamos três vezes por semana e não pagamos qualquer subsídio aos jogadores. Temos apenas prémios de jogo. Por isso, e porque reconhecemos o que eles estão a fazer, vamos ter um prémio para eles.»

O reduto caseiro do Santa Iria não tem as dimensões e condições necessárias para os jogos da Taça de Portugal e, assim sendo, o jogo será sempre feito fora de casa, ou em relvado emprestado ou no terreno do adversário: «Com o Malveira jogámos no Zambujal, agora ainda vamos ver. É uma pena não ser em casa, mas estamos a analisar as possibilidades e dependerá do sorteio. Podemos jogar no estádio do Sacavenense, temos boa relação com eles, mas analisaremos com a FPF.»

Ora este ponto é o que impede o Santa Iria de ser um clube de outras divisões, diz Nuno Lopes, que vai para a sua terceira época no comando técnico.

«É um clube com uma grande qualidade humana, as pessoas que lá estão vivem 24 horas o clube e penso que se na realidade houvesse umas condições de infra-estruturas que pudessem ajudar o clube a catapultar-se para outros divisões era o ideal. Se existissem essas condições, podíamos atacar a subida ao Campeonato de Portugal com relativa naturalidade. Mesmo que tivéssemos subido no ano passado não podíamos jogar em casa, porque o nosso campo não tem dimensões. Pode ser que num futuro próximo se criem essas condições», esperançou.

Em 2015/16, o Santa Iria discutiu a subida ao Campeonato de Portugal até à penúltima jornada e venceu a Taça de Lisboa e esta época continua a ser de sucesso. Quatro jogos, quatro vitórias e o objetivo «Taça» alcançado.

Flecha refere o que tem de especial este emblema: «Nestes patamares há sempre equipas com mais investimento que o Santa Iria, com maiores orçamentos, mas depois falta aquilo que o Santa Iria tem e os outros não têm. Alma, raça, ambição, um grupo muito forte, para não dizer uma família. Só quem cá está ou passou por cá é que sabe como é o balneário do Santa Iria e a família que temos aqui.»

Outra coisa que os três dizem que o clube tem é uma moldura humana muito acima do que é normal nas distritais. O dirigente diz mesmo que «o Santa Iria é o Benfica da regional» neste aspeto.

«Movemos muita gente. Ainda neste jogo da 2ª eliminatória com o Beneditense, a 80 km de Santa Iria, tínhamos cerca de 200 adeptos. O ano passado na final da Taça de Lisboa cerca de 800. Sentimos muito apoio. Sou sportinguista, mas o Santa Iria é o Benfica da regional», comparou.

O treinador e o avançado concordam com a definição e Nuno Lopes deixa o aviso a quem enfrentar o Santa Iria: «Em qualquer que seja o estádio estou convencido que a moldura humana do Santa Iria vai ser enorme. O clube consegue mover bastante adeptos na sua regularidade, era importante que não fosse só nas finais e jogos decisivos. Aí conseguimos ter grandes molduras humanas e gostava de a ter sempre domingo a domingo. Só com títulos e ao estar presente nas decisões é que se conquista as pessoas para irem ao estádio.»

Aconteça o que acontecer no sorteio e na 3ª eliminatória, história já foi feita. Resta saber se se coloca um ponto final ou se o único conjunto da distrital na Taça de Portugal continua a escrever capítulos de ouro.