Espionagem entre grandes potências mundiais, pirataria informática e uso de substâncias ilegais com o alto patrocínio do Estado parecem temas de um thriller, mas cada vez mais fazem parte do clima de polémica que tem envolvido o escândalo de doping que levou à exclusão de 118 atletas russos dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.

O mais recente episódio tem que ver com a entrada em cena de hackers russos, que acederam à base de dados da Agência Mundial de Antidopagem e na terça-feira revelaram através do seu site Fancy Bear o uso de substâncias ilegais por parte de consagradas atletas norte-americanas, como as tenistas Serena e Venus Williams e a ginasta Simone Biles, que conquistou quatro medalhas de ouro e uma de bronze tornando-se numa das grandes figuras dos Jogos deste ano.

Segundo as informações confidenciais entretanto divulgadas pela grupo de ciberespiões russos, que prometeram revelar «provas sensacionais» sobre o uso de doping por parte de outros atletas famosos, as irmãs Willliams fizeram uso de substâncias proibidas entre 2010 e 2015. Serena tomou prednisona, prednisolona, ​​metilprednisolona, ​​hidromorfona e oxicodona, segundo os registos entretanto revelados e disponíveis para consulta no referido site, enquanto sua irmã Venus tomou prednisona, prednisolona, ​​triamcinolona e formoterol, tudo substâncias que podem melhorar o desempenho físico.

Serena Williams (na foto) e a sua irmã Venus foram alvos de «hackers» russos

Por sua vez, Biles, jovem ginasta-prodígio norte-americana, terá consumido metilfenidato, uma substância utilizada para combater o transtorno de défice de atenção.

A Agência Mundial de Antidopagem já veio condenar publicamente na terça-feira a revelação de dados confidenciais, tal como o fez o Comité Olímpico Internacional, bem como justificar que as três atletas tinham permissão de utilização das respetivas substâncias para utilização terapêutica por parte das federações desportivas internacionais e organizações nacionais antidoping.

As atletas também reagiram às acusações que visam a sua reputação. Através de um comunicado, Venus explicou ter «seguido as regras estabelecidas no âmbito do programa de antidopagem para o ténis tendo-lhe sido concedida a autorização do uso das referidas substâncias para utilização terapêutica». Já a defesa de Biles foi feita por Steve Penny, presidente da Federação de Ginástica dos Estados Unidos, que salientou que «não há qualquer violação das regras, conforme confirmaram a Federação Internacional de Ginástica, o Comité Olímpico dos Estados Unidos e a Agência Norte-americana de Antidopagem», além de um post da da ginasta na sua conta oficial do Twitter.

«Tenho transtorno do défice de atenção com hiperatividade e tomo comprimidos para isso desde criança. Acredito num desporto limpo, sempre segui as regras e continuarei a fazê-lo. É fundamental para a prática do desporto e é muito importante para mim», escreveu Biles.

Segundo a versão reproduzida pelo jornal britânico The Guardian a Agência Mundial de Antidopagem admite que os hackers russos conseguiram acesso à sua base de dados através de uma conta do Comité Olímpico Internacional criada para os Jogos do Rio.

O diretor-geral da agência qualificou esta atitude como «um ato criminoso» e garantiu que está a reforçar a sua segurança cibernética para garantir o direito à privacidade dos atletas. Isto já depois de no último mês a antiga atleta russa Yuliya Stepanova, cuja denúncia de um sistema de dopagem encoberto pelo Estado espoletou a investigação que levou à suspensão de atletas russos dos Jogos – e agora vive exilada com o marido e com o filho nos Estados Unidos –, ter sido também alvo de uma cópia de dados que permitira a hackers obterem as suas passwords.

Por detrás deste tipo de espionagem está a Fancy Bear, uma página de hackers com supostas ligações à GRU. Mas afinal o que é a GRU? É a sigla para Glavnoje Razvedyvatel'noje Upravlenije, que nasceu no seio do exército russo e é a principal agência de inteligência externa do país, estando sob jurisdição direta do próprio presidente da Federação Russa, Vladimir Putin.

O grupo Fancy Bears, que na terça-feira publicou um singelo post no Facebook a divulgar ter entrado a base de dados da Agência Mundial de Antidopagem e a encaminhar os seus seguidores para o seu site, onde divulgava documentos que lançaram suspeitas sobre as atletas norte-americanas. Além disso, os hackers russos lançaram o aviso: «Vamos contar como algumas medalhas olímpicas foram ganhas... Começaremos pela equipa dos Estados Unidos cujas vitórias estão manchadas, mas vamos revelar também informação exclusiva sobre outras equipas olímpicas. Em breve apresentaremos provas sensacionais sobre o uso de doping por parte de famosos atletas mundiais.»

A comunidade olímpica e o desporto mundial aguardam agora por desenvolvimentos, mas a trama é cada vez mais intrincada: o escândalo de doping russo está cada vez mais parecido com um thriller com reminiscências da Guerra Fria como pano de fundo, não?