O destino tem destas coisas. João Azevedo ainda nem tinha 20 anos e as suas defesas no Luso, do Barreiro, já despertavam a cobiça dos maiores clubes de Lisboa. Num dia, meteu-se num barco e foi até às Amoreiras, casa do Benfica, prestar provas.

Vítor Gonçalves, o então treinador dos encarnados, até gostou do que viu mas espalhou-se ao comprido quando Azevedo lhe pediu uns «mérreis» para a viagem de regresso à terra: mandou-o ir receber na sede.

O jovem Azevedo não conseguiu digerir a resposta. «Nunca mais lá voltei», recordou mais tarde. Pouco depois de quase ter sido águia, João Azevedo tornou-se leão. Chegou como terceiro guarda-redes, em 1935, mas no final da primeira época já era o dono da baliza, posto que manteve até aos primeiros anos da década de 50.

Lá de trás, assistiu ao nascimento e ao fim dos Cinco Violinos. Com eles e sem eles ganhou oito campeonatos nacionais, quatro taças de Portugal e nove campeonatos de Lisboa. Foi o primeiro reduto do melhor Sporting da história.

Em 17 épocas defendeu as redes dos leões em 567 jogos, mantendo 159 vezes as redes invioladas.
O tempo apagou muitas histórias de Azevedo. Talvez a maior parte delas, mas uma continua a ser contada nos corredores em Alvalade e nos livros que se vão escrevendo para que a história sobreviva ao desaparecimento das pessoas.

Esta aconteceu a 17 de novembro de 1946, num Benfica-Sporting decisivo para as contas do Campeonato de Lisboa. No final da primeira parte, com o leões em vantagem por 1-0, Azevedo lesionou-se no braço esquerdo. Como as substituições ainda não eram autorizadas, passaram pela baliza dos verde e brancos dois jogadores de campo: Jesus Correia, primeiro, e Veríssimo, na segunda parte. O massagista fez o que pôde e Azevedo, que tinha ficado no balneário, voltou ao jogo a meio da segunda parte de braço ao peito, numa altura em que o jogo estava empatado e o Benfica ameaçava passar para a frente.

Com o regressado Azevedo, o Sporting recuperou o controlo da partida e venceu por 3-1, acabando por vencer o Campeonato e Lisboa. A resiliência do guarda-redes leonino foi narrada de forma quase épica pelo extinto Diário de Lisboa: «Quando o passearam triunfalmente pelo rectângulo premiava-se justamente o seu estilo, a sua inconfundível classe, o seu vincado espírito de sacrifício, mas no fundo era a apoteose do futebol.» O jornal concluía o tributo a Azevedo referindo às «maravilhosas defesas» de um homem «mutilado para o jogo».

Não foi a primeira nem a última vez que acabou um jogo em dificuldades: fraturou vértebras e costelas, jogou com um pé partido e com até com 12 pontos na cabeça.

Considerado por muitos um dos melhores guarda-redes da história do Sporting (a par de Vítor Damas), João Azevedo também deu nas vistas na Seleção Nacional, onde foi 19 vezes internacional. Lá fora também se renderam aos seus dotes. Em Espanha apelidaram-no de «tigre português», ele que já era conhecido como «gato preto» por culpa da elasticidade que revelava entre os postes.

Azevedo deixou a baliza do Sporting em 1952. Nesse ano só fez um jogo: derrota por 4-3 com o Belenenses de Matateu, antes de passar o testemunho a Carlos Gomes, outro «monstro» das redes leoninas. Acabou por sair do clube pela porta pequena, com uma carta de dispensa entregue em mãos num dia em que foi receber o ordenado.

Acabou a carreira em 1954 noutro histórico lisboeta: o Oriental. Esta sexta-feira, 10 de junho de 2015, o «gato português» faria 100 anos.

FICHA DE JOÃO AZEVEDO

Nome: João Azevedo

Data de nascimento: 10/07/1915 (Barreiro). Falecido em 1994.

Posição: guarda-redes

Nacionalidade: portuguesa

Internacionalizações: 19

Período de atividade: 1935-1952

Clubes: Luso, Sporting e Oriental

Principais títulos conquistados: 8 campeonatos nacionais, 4 Taças de Portugal e 9 campeonatos de Lisboa