Efeméride é uma rubrica que pretende fazer uma viagem no tempo por episódios marcantes ou curiosos da história do desporto, tenham acontecido há muito ou pouco tempo. Para acompanhar com regularidade, no Maisfutebol.

9 de março de 1994, há 22 anos. As Finanças emitem um auto de penhora para o Estádio das Antas por causa de dívidas do FC Porto ao Fisco e à Segurança Social. A medida chocou o mundo do futebol em Portugal, fez notícia em alguns dos mais conceituados meios de comunicação internacional e teve mesmo consequências políticas.

As dívidas fiscais estavam longe de ser um problema apenas do FC Porto. Pelo contrário, até. A maioria dos clubes eram devedores e o valor total ascendia na altura aos 5 milhões de contos (25 milhões de euros). Tendo em conta a dimensão da dívida, mas também o Estatuto de Utilidade Pública, o Governo de Cavaco Silva, que tinha Eduardo Catroga como ministro das Finanças, resolveu abrir negociações com a Liga de Clubes para que fosse encontrada a forma de as dívidas serem pagas.

No final de 1993, as Finanças tinham pedido ao FC Porto que apresentasse bens como garantia do pagamento de uma dívida de 200 mil contos (1 milhão de euros), correspondente ao período 1991/1993. O clube entregou duas cadernetas prediais que correspondiam ao Estádio das Antas e a um edifício contíguo onde estava um balneário e a retrete dos árbitros. Contudo, segundo o então presidente da Liga, Valentim Loureiro, e o presidente do FC Porto, Pinto da Costa, «foi garantido pelo Secretário de Estado das Finanças e pelo Secretário de Estado da Educação e do Desporto que não haveria penhoras, hipotecas, ou execuções enquanto decorressem as negociações».

Mas acabou por não ser assim e no dia 9 de março de 1994 o FC Porto foi informado de que o Estádio das Antas e o edifício da retrete tinham sido penhorados. O auto foi emitido pelo 1.º bairro fiscal do Porto, no dia 21 de fevereiro, e terá sido uma antecipação a uma ação concertada das Finanças aos clubes devedores.

Apesar de penhorado, o estádio continuava a poder ser utilizado pelos Dragões, já que Pinto da Costa ficou como fiel depositário dos imóveis.

A penhora da casa portista foi notícia pelo mundo fora: na CNN, Sky News, na imprensa espanhola, belga, e teve honras de capa no jornal Financial Times. Sucederam-se então manifestações de apoio, por fax, ou telefone, de figuras da cidade do Porto, de vários presidentes de câmaras, e até do antigo Presidente da República, Ramalho Eanes.

Não faltaram também mensagens de presidentes de outros clubes, do Sporting (Sousa Cintra) ao Benfica (Manuel Damásio), numa altura em que águias e dragões até estavam de relações cortadas. Foi a união do futebol português contra um "inimigo" comum.

A situação deu ainda mais brado por causa da indignação do presidente portista, expressa inicialmente num grande comício. No dia 10 de março, Pinto da Costa convocou uma conferência de imprensa que, além dos jornalistas, contou com cerca de dois mil adeptos.

Acompanhado pelo presidente da FPF, Vítor Vasques, e pelo presidente da Liga, Valentim Loureiro, o responsável portista, de discurso inflamado, frisou: «Enquanto existir esta penhora, o FC Porto não se sentará com ninguém, não dialogará a dívida nem pagará um tostão dela».

Num processo normal, os bens seriam arrestados e vendidos na praça pública, mas Eduardo Catroga garantiu de imediato que o estádio não seria vendido.

A queda do DGCI antes de sequer tomar posse

A meio deste processo, o ministro das Finanças decidiu substituir o Diretor Geral de Contribuições e Impostos. Convidou Próspero Luís que, ainda antes de tomar posse, falou, em entrevista, sobre a penhora do Estádio das Antas. Além de assegurar que a penhora não seria levantada, ainda frisou: «O Estado já tem um Estádio Nacional por que não ter outro no Porto?» As declarações custaram-lhe o lugar, já que o Ministro decidiu não o empossar.

O levantamento da penhora

Para que a penhora fosse levantada era necessária uma de duas condições: ou a dívida era paga, ou era apresentada uma garantia bancária. E foi o que aconteceu.

A 24 de março, Valentim Loureiro, presidente da Liga de clubes, amigo pessoal de Pinto da Costa, e elemento próximo do Governo PSD, serve de intermediário neste processo e apresenta no 1.º bairro fiscal do Porto uma garantia bancária no valor de 400 mil contos com o seu aval pessoal e pagou 400 contos referentes à parcela de IVA e IRS. Além disso, conseguiu renegociar o pagamento da dívida em 60 prestações, repartidas por cinco anos.

As negociações entre Governo e clube continuaram até que, em Março de 1998, o Estado aceitou como forma de liquidação das dívidas as receitas futuras dos clubes geradas pelo Totobola até 2010.