Efeméride é uma rubrica que pretende fazer uma viagem no tempo por episódios marcantes ou curiosos da história do desporto, tenham acontecido há muito ou pouco tempo. Para acompanhar com regularidade, no Maisfutebol.

Abril de 1904. Há 112 anos. Em Espanha o Athletic Bilbao sagra-se vencedor da segunda edição da Copa do Rei. Por enquanto tudo normal, até porque os bascos já tinham ganho a primeira edição. A diferença é que desta vez não tiveram que jogar nenhum jogo. Na final, os bascos deveriam defrontar o Espanhol de Madrid, que chegou a essa fase através de uma série de imbróglios, e sem vencer nenhum jogo. Na data da final (oficial) apenas os madrilenos apareceram, mas nem assim conseguiram ficar com o troféu.

Crónica de uma competição caótica

A edição do ano anterior, organizada pelo Madrid Foot-Ball Club, tinha decorrido sem qualquer incidente, mas em 1904 coube à Associação Madrilena de Futebol organizar a competição (com algumas lutas de poder à mistura) e «caos» é a palavra que melhor descreve a forma como tudo se processou.

O Athletic Bilbao, vencedor do troféu no ano anterior, teria automaticamente que disputar a prova em Madrid no ano seguinte com as equipas que se quisessem inscrever, sendo que era apenas aceite um clube por cada região espanhola. Além do Athletic, do país Basco, inscreveram-se o Espanhol de Barcelona, da Catalunha, e dois clubes de Madrid - Espanhol de Madrid e o Madrid Moderno -, sendo primeiro preciso apurar qual o representante da região da capital que disputaria o triangular com os bascos e os catalães.

Mesmo em cima da hora a organização decide aceitar mais dois clubes madrilenos: Moncloa e Iberia. Com mais estas inscrições foi preciso alterar o calendário [o que ainda viria a dar que falar], porque haveria mais jogos a fazer para apurar o representante de Madrid no triangular.

A final estava marcada para o dia 28 de março. Só que, ainda antes de o torneio começar, como se a confusão não fosse já muita, o Espanhol de Barcelona decide desistir. O vencedor do troféu discutir-se-ia assim entre o Athletic Bilbao e o representante de Madrid.

Começaram então a espalhar-se cartazes pela capital espanhola a anunciar o torneio, que decorreria no hipódromo. Haveria uma tribuna para o rei e restantes figuras proeminentes, além de que seriam colocadas 5 mil cadeiras à volta do campo para os espectadores que pagassem 25 cêntimos pelo lugar. Não se sabe muito bem porquê, a prova acabou por ser transferida para o campo de tiro.

Finalmente rola a bola… mas pouco

A 13 de março começou finalmente o futebol jogado. O Moncloa goleou o Iberia por 4-0, no único jogo em que aparentemente não houve qualquer problema. Foi sol de pouca dura.

A 19 de março, Espanhol de Madrid e Madrid Moderno disputam o segundo encontro, e começa a confusão. O jogo termina empatado 5-5 e era preciso marcar outro jogo de desempate, mas não houve acordo com a data. O Espanhol queria jogar no dia seguinte, mas o Madrid Moderno recusou, alegando que as regras proibiam o jogo de desempate com menos de 48 horas de antecedência.

No dia seguinte o Espanhol apresentou-se para jogar, mas o Madrid Moderno não apareceu e o presidente da Associação Madrilena, organizadora da prova, e que por acaso também era presidente do Espanhol, decidiu que seria essa a equipa vencedora do jogo, por falta de comparência do adversário. Claro que o Madrid Moderno protestou, afirmando que o presidente da Associação lhes tinha garantido que não haveria jogo nesse dia, mas de nada adiantou.

Temos nesta altura duas equipas de Madrid em jogo: o Espanhol e o Moncloa. Apenas uma delas passaria para a fase seguinte, disputando o troféu com o Athletic.

Chegamos assim a 27 de março de 1904. O Espanhol vencia o Moncloa por 1-0 quando o defesa Hermúa cai em campo com uma fratura da tíbia e do perónio. O árbitro decide então suspender o jogo. No dia seguinte, 28 de março, há uma reunião e o Espanhol é apontado como o outro finalista. A questão é que 28 de março é a data para a qual estava marcada a final com o Athletic e, oficialmente, esse jogo não chegou a ser adiado.

A Associação resolve marcar a final para dia 29, mas não avisa os bascos, que tinham chegado no dia anterior a Madrid.

Athletic Bilbao

Duas finais, apenas uma equipa em campo

No dia inicialmente marcado para a final, 28, os bascos apresentam-se para jogar, mas o Espanhol não, obviamente. Assim sendo o Athletic autoproclama-se vencedor e regressa a Bilbau, levando a taça.

No dia 29, a nova data do jogo, o Espanhol apresenta-se, mas o Athletic já nem estava em Madrid e, claro, não compareceu. Assim sendo, o Espanhol é proclamado vencedor, exigindo aos bascos que lhes entreguem o troféu, coisa que estes não fazem.

Sucedem-se protestos de todos os clubes envolvidos no torneio, acusando a Associação Madrilena de Futebol de falta de organização e dizendo que o Espanhol nem sequer deveria ter sido finalista, uma vez que não ganhou nenhum jogo (empatou um e não terminou o outro).

Finalmente, e assoberbada com tanta confusão, a organização decide, já em abril, atribuir a Copa do Rei aos bascos, na qualidade de vencedores (com mérito) do ano anterior.