Efeméride é uma rubrica que pretende fazer uma viagem no tempo por episódios marcantes ou curiosos da história do desporto, tenham acontecido há muito ou pouco tempo. Para acompanhar com regularidade, no Maisfutebol.

19 de maio de 1969. Em Assembleia Geral, os sócios do FC Porto aprovaram uma moção proposta pelo dirigente Sebastião Ribeiro. Fica então decidido que o treinador, recentemente destituído, é banido do clube azul e branco, impedido de regressar ao clube portista e mesmo de entrar novamente no Estádio das Antas como funcionário. Esse treinador, que tinha estado três anos à frente da equipa dos dragões, era José Maria Pedroto, o homem que, temporadas mais tarde, viria acabar com um jejum de 19 anos e lançar as bases do sucesso internacional do FC Porto.

Filho de um Capitão do Exercito português, Pedroto sempre foi um homem de convicções, de personalidade forte. Quando jogador, era conhecido, além do talento futebolístico, pelo estilo provocador com que muitas vezes se dirigia aos adversários durante o jogo. Como treinador, seria caracterizado pelo mesmo estilo, o que o tornou muito popular entre os adeptos portistas, mas também lhe causou alguns dissabores pelo caminho.

Com 25 anos, fez o curso de treinador de futebol, numa formação ministrada por Cândido de Oliveira, sob a égide da Associação de Futebol Porto. Terminada a carreira de jogador em 1960, tinha então 31 anos, tornou-se no primeiro treinador português a ter formação superior. Fez um curso de treinador ministrado pela afamada Federação Francesa de Futebol e apresentou uma tese final com aquilo que considerava ser os 17 princípios de jogo. Entre 87 inscritos, apenas 5 foram aprovados, sendo José Maria Pedroto o único estrangeiro a obter o diploma. 


Em 1966 tornou-se treinador principal do FC Porto. Nunca conquistou o Campeonato Nacional da 1ª Divisão, mas venceu a Taça de Portugal na temporada de 1967/68, o primeiro título como treinador, derrotando na final da competição o Vitória de Setúbal por 2-1.

Apesar de jovem, era um treinador confiante. Acreditava no seu modelo de jogo, era rigoroso com os jogadores, e, sobretudo, não admitia ingerências. A relação de Pedroto com o presidente Afonso Pinto de Magalhães ia-se deteriorando. Os jogadores também não gostavam do estilo disciplinador do treinador, mas na época de 1968/69 a situação azedou de tal forma que o treinador acabaria por ser mesmo banido do clube.

«O presidente roeu a corda»

Tudo começou nas vésperas de uma deslocação ao Estádio da Luz para a Taça de Portugal. Recorde-se que esse era o Benfica de Eusébio, Toni, Humberto Coelho, Artur Jorge. Na altura, e sem vencer o título há dez anos, as idas ao Sul eram complicadas, falava-se mesmo no trauma de atravessar a ponte. Pedroto recebe então um telefonema de Pinto Magalhães.

«Telefonou-me o presidente a dizer que a viagem de avião ficava mais cara sete mil escudos e não compreendia a razão porque queríamos utilizar o avião. Não podia, disse eu, fazer a guerra e poupar balas», contou depois o treinador.

O jogo, a contar para os dezasseis avos de final da Taça de Portugal da época de 1968/69, terminou com uma derrota dos Dragões por 3-0. Irritado, o treinador obrigou todos os pupilos a permanecerem em estágio, no Lar do Jogador e em regime de clausura, até ao jogo seguinte.

Custodio Pinto, Américo, Gomes e Alberto, atletas do FC Porto, que além de futebolistas eram também empresários, desobedeceram às ordens do técnico com o argumento de que não poderiam abandonar os respetivos negócios durante tanto tempo.

Perante a atitude deles, Pedroto deixou aqueles quatro jogadores de fora da equipa, colocando alguns deles a treinar na formação das reservas. No jogo seguinte para o Campeonato Nacional, o FC Porto, que liderava a prova, apostou numa equipa alternativa sem aqueles titulares, e acabou por ser surpreendido em casa por 0-1 pela Académica de Coimbra.

Novo jogo e novo resultado negativo, desta feita cedendo um empate, novamente nas Antas, frente ao modesto União de Tomar. O título ia fugindo.



Pouco tempo depois, o presidente chamou os líderes da rebelião para um jantar íntimo. Ao todo participaram no repasto com Pinto de Magalhães dezasseis atletas. No final do jantar, quando chegaram ao Lar do Jogador, o adjunto Morais manda os atletas para a cama. Uma ordem que Atraca não aceita, dizendo que ainda não fez a digestão e que, se o adjunto quiser, pode ir fazer queixa ao presidente.

Pinto de Magalhães colocou-se ao lado do jogador, dizendo que ele tinha jantado tarde. Pedroto achou que aquela era a gota de água. «O presidente roeu a corda», disse então Pedroto, e apresentou a demissão.

O presidente não a aceitou, mas acabou por despedir o treinador poucos dias depois, para gáudio dos adeptos, que não perdoaram Pedroto, culpabilizando-o pela perda do título. Pedroto achou sempre que a recusa em aceitar o pedido de demissão tinha sido pelo prazer de o demitir depois.

António Morais foi promovido a treinador, cargo que aceita com reservas, e é com ele que o FC Porto defronta o Benfica para o campeonato, jogo que seria a consagração dos encarnados como campeões nacionais da época 1968/69.

No final do jogo da Luz, António Morais disse aos jornalistas que a equipa sentiu a falta de Pedroto. Mas Pinto de Magalhães não queria o treinador de volta às Antas, mais ainda depois do que aconteceria a seguir.

Pedroto reagiu à demissão exigindo ao FC Porto uma compensação de 452 contos de prémios, salários e danos morais. Pinto de Magalhães convocou então os sócios portistas e garantiu-lhes que tinha demitido Pedroto porque ele era perturbado, falou de uma carta colectiva, de todo o plantel, enviada à Direcção a solicitar a saída do treinador e pediu a solidariedade dos adeptos. Os associados responderam de pronto ao pedido e aprovaram uma moção proposta por Sebastião Ribeiro que, como se disse já, bania Pedroto e o impedia de voltar a entrar, como funcionário, nas instalações do clube sem autorização da Assembleia Geral. 

 

A amnistia e o fim do jejum 

Seis anos mais tarde, mais uma Assembleia Geral. Esta, realizada a 21 de Março de 1975, acabou por aprovar por unanimidade uma proposta que visava perdoar Pedroto. Foi apresentada por Joaquim Carvalho e tinha como subscritores alguns dirigentes e sócios ilustres do FC Porto (Pinto da Costa, Pôncio Monteiro, Artur Santos Silva,...).

Américo de Sá, na altura Presidente do FC Porto, enviou emissários para convencerem Pedroto, que na altura orientava o Boavista, a mudar-se para as Antas. Um desses emissários era Jorge Nuno Pinto da Costa. Segundo relatos da época, Pedroto terá imposto apenas uma condição para assinar contrato com o FC Porto: que Pinto da Costa fosse o Chefe do Departamento de Futebol. E assim foi. 

 
Pedroto regressou então ao FC Porto na época 1976/77, vencendo a Taça de Portugal logo nesse ano. E na temporada seguinte consegue terminar com o jejum de 19 anos. Os dragões, que não venciam o campeonato desde 1958/59, era Pedroto jogador do clube, voltaram a erguer a Taça de Campeão Nacional.