Shame! Shame!

Os fãs da série «Guerra dos Tronos» certamente associarão logo estas palavras a uma das cenas mais memoráveis da saga. Tal como Cersei Lannister foi obrigada a uma «caminhada da vergonha», que colocou a nu (literalmente) uma figura singular da luta pelo poder nos Sete Reinos, também a seleção inglesa, autodenominada pátria do futebol, acabou despida de todo o seu orgulho ao ser o lado fraco da maior surpresa do Euro 2016.

«Vergonha», bradou-se em inglês vivo. Porque isto de inventar as regras do jogo não se traduz em imunidade ao embaraço. Aliás, este inesperado tropeção contra a Islândia, de quem a lenda inglesa Gary Lineker diz ter «mais vulcões do que futebolistas», é apenas o último capítulo. Mais um degrau na caminhada da vergonha.

Um trajeto que começou, oficialmente, em 1950, ano em que pela primeira vez o país participou no Mundial de futebol, resolvido um velho diferendo com a FIFA e, mais importante, a II Guerra Mundial, que interrompeu o torneio durante 12 anos.

Os ingleses chegaram ao Brasil ultraconfiantes. Insiste-se: eram a pátria do futebol. Os donos do jogo. Tinham sido eles a realizar o primeiro jogo de sempre entre dois países, num particular com a Escócia, em 1872. Experiência, qualidade e ainda artistas do melhor que havia na altura, com Stanley Matthews à cabeça.

Não correu bem. Mas vamos lá então organizar a história da «caminhada da vergonha» inglesa.

Que toque a sineta. Shame. Shame.

-EUA-Inglaterra, 1-0 (Mundial de 1950)

Onde íamos? Ingleses confiantes, pátria do futebol, superioridade moral, bla, bla bla. A isto ainda se juntou uma vitória por 2-0 no primeiro jogo do grupo, frente ao Chile, que vinha, então, dar força à ideia de uma seleção inglesa favorita ao título que tentava ganhar pela primeira vez.

Mas eis que, um grupo de norte-americanos que foi para o Brasil a bordo de um navio ao longo de vários dias, composto essencialmente por filhos de emigrantes, incluindo dois descendentes de portugueses, os meio-irmãos John e Ed Sousa, surpreende o mundo e dá o primeiro golpe forte no orgulho inglês.

Obra de Joe Gaetjens, um haitiano de nascimento, que faz o único golo de um jogo para a história do futebol. É dos primeiros David contra Golias conhecidos e deu mesmo origem a um filme, em 2005: «The Game of Their Lives».

Inglaterra perdeu depois com Espanha no último jogo e veio embora, envergonhada, logo na primeira fase do torneio que acabaria numa outra gigante surpresa, o Maracanazzo.

Shame. Shame.

-Inglaterra-Hungria, 3-6 (Particular em 1953)

Chamaram-lhe o Jogo do Século e o resultado expôs a diferença cabal que já havia entre as táticas e tipos de treino antiquadas que se praticavam em Inglaterra, onde ainda mandava o WM, por contramão com o desenvolvimento que se verificava na Europa central.

A Hungria era vista como a equipa mais forte da altura. Eram campeões olímpicos e vinham numa série de 24 jogos sem perder. Mas ninguém conseguia convencer os orgulhosos ingleses desse facto. Foi preciso mesmo a equipa magiar mostrar em campo a diferença que se adivinhava. Com uma estrondosa goleada de 3-6. Foi apenas a segunda vez na história que Inglaterra perdeu um jogo em casa.

Puskas, Czibor, Kocsis, Hidegkuti e companhia deram uma lição que ecoou pelo mundo. 2-4 ao intervalo, 3-6 no final.

Shame. Sha… Calma. No ano seguinte houve desforra, agora em Budapeste. O resultado…7-1 para a Hungria. Ups.

Agora sim, pode continuar-se a caminhada. Shame. Shame.

-Inglaterra-Irlanda, 0-1 (Euro 88)

Antes de 1988, Inglaterra tinha falhado três Europeus em quatro. Não estivera em França, quatro anos antes, por exemplo. A presença no Europeu da Alemanha era encarada, então, com natural expectativa até porque ainda estava atravessada na garganta a eliminação no México 86 frente a Maradona, perdão, à Argentina.

O primeiro jogo era diante de um caloiro. E um caloiro vizinho. A República da Irlanda, único membro das ilhas britânicas fora do Reino Unido, estreava-se em fases finais de Europeus e o favoritismo era, então, claramente inglês.

Mas, logo aos seis minutos, um cabeceamento de Ray Houghton passava Peter Shilton e colocava os irlandeses na frente. Uma vantagem que Inglaterra nunca conseguiu anular. O embaraço voltava a vestir-se de inglês e era apenas o primeiro capítulo. Chegariam derrotas com Holanda e União Soviética, futuros finalistas, e o adeus com zero pontos.

Shame, of course.

-Suécia-Inglaterra, 2-1 (Euro 92)

Quatro anos depois, Inglaterra estava de volta a um Europeu. Lição aprendida na Alemanha, certo? Inadmissível mais três jogos sem qualquer vitória, correto? É verdade sim, o que não quer dizer que o filme não se tenha repetido.

Depois de dois empates sem golos frente a Dinamarca e França, Inglaterra jogava o apuramento frente à equipa da casa. E marcava aos 5 minutos, por David Platt. Tudo controlado até…à segunda parte. Jan Eriksson, primeiro, e Tomas Brolin, já na reta final, enviaram novamente os ingleses para casa.

A vergonha não foi tão grande como há quatro anos, mas voltou a abrir uma ferida. E, algures, alguém terá tocado a sineta e gritado: shame!

-Inglaterra-Croácia, 2-3 (Apuramento Euro 2008)

O que é pior do que o embaraço na fase de grupos de um Europeu? Nem sequer lá chegar, obviamente. E a última vez que isso aconteceu nem foi assim há tanto tempo. Inglaterra ficou fora do Euro 2008 depois de perder, em pleno Wembley, o bilhete para a Croácia, vitoriosa por 2-3.

Inglaterra já tinha perdido fora com o mesmo adversário e também na Rússia, embora o mais embaraçoso resultado da fase de apuramento até então tivesse sido o nulo caseiro com a Macedónia.

Mas tudo era ainda possível e, para tal, até bastava um empate! O início foi terrível e aos 15 minutos os croatas já ganhavam por 2-0. Mas Lampard e Peter Crouch fizeram os golos que deram o empate e o apuramento…apenas até Mladen Patric fazer o 2-3 naquele que a imprensa local ainda hoje apelida de «o jogo que ainda assombra o futebol inglês».

Para a história ficou a imagem do selecionador Steve McLaren de guarda-chuva aberto debaixo do temporal.

Shame. Shame.

-Alemanha-Inglaterra, 4-1 (Mundial 2010)

«O lugar da Inglaterra é no museu da história do futebol». Foi desta forma que o jornal «Guardian» abriu a crónica do jogo que ditou o adeus inglês ao Mundial 2010, nos oitavos de final do torneio, frente a um dos rivais de sempre, a Alemanha.

Uma derrota pesada que poderia ser atenuada caso alguém que não o resto do mundo tivesse visto que o remate de Lampard entrou mesmo na baliza de Manuel Neuer depois de bater na trave. Era o 2-2. Como nenhum responsável viu, esta foi mesmo a mais pesada derrota de sempre da pátria do futebol na fase final de um Mundial.

Neuer confere: a bola entrou mesmo

Portanto, não há outra forma de encerrar esta parte. Está até podem vocês dizer sozinhos…

-Inglaterra-Costa Rica, 0-0 (Mundial 2014)

Derrota com Itália. Derrota com Uruguai. E um cartaz que ficou como uma das imagens de marca do torneio.

Pelo menos havia o jogo com a Costa Rica, à partida a mais frágil seleção do grupo mas que já estava apurada, para limpar a imagem. Que nada. Tudo terminou sem golos e Inglaterra despediu-se do Brasil com apenas um ponto somado. Tal como no início de tudo isto, o Brasil mostra-se indigesto para a seleção dos «Três Leões». 

É, caros ingleses...fica difícil terminar o texto de outra forma.

Shame! Shame!