Jeffrén: «A minha experiência em Portugal foi muito má e não a recomendo a nenhum futebolista»
1994, Estádio das Antas, reportagem da TVI
José Mourinho, Bobby Robson (personagem encantadora), Domingos Gomes e João Pinto a falar abertamente. Os adeptos a ver o treino ao lado do estádio, Aloísio a devolver o guarda-chuva a um reportér fotográfio.
Um cenário impensável em 2014. No FC Porto, no Benfica, no Sporting e em grande parte dos clubes da Liga. Há vinte anos, viam-se treinos, ouviam-se jogadores, cultivavam-se sentimentos.
O adepto sabia o que se passava no seu clube, sentia-se estimulado pela relação de proximidade com os intervenientes.
Se tinha uma dúvida, acreditava que ela seria rapidamente dissipada. E agora?
Colónia, reportagem da RTP
João Pinto, Vitor Paneira, Rui Costa, Toni. Naquela época, o jornalista chegava a todos. E não era apenas o jornalista que ali estava. Com ele estavam os adeptos.
Esse é o pormenor esquecido na política de clausura implementada pelos clubes portugueses ao longo dos últimos anos.
Benfica, FC Porto e Sporting fecharam-se em si mesmos e revoltaram-se contra o mundo. Connosco quem quiser, contra nós quem puder. Procuram-se inimigos por todo o lado, desde adversários a árbitros, desde empresários a membros da comunicação social.
Em períodos de sucesso, a mensagem passa com relativa facilidade. Pelo meio, surgem momentos em que a culpa não pode ser imputada a ninguém e o vazio gera desconforto.
Seria mais fácil ter Lima e Cardozo a explicar o penálti falhado em Barcelos do que tentar encontrar uma linha reta no discurso de Jorge Jesus sobre o tema.
Lisboa, reportagem da SIC
O leitor poderá não saber como os grandes se relacionam com a imprensa em 2014. Em resumo, são treinos fechados em centros de estágio, uma conferência de imprensa de antevisão, outra pós-jogo e conteúdos de inquestionável parcialidade nos veículos de comunicação oficiais.
Há jogadores que entram e saem de Portugal sem falarem uma vez, de forma livre, com os jornalistas. No fundo, o adepto não sabe o que eles pensam, o que sentem, o que os move.
Escasseiam as apresentações, rejeitam-se as despedidas – uma lástima -, vão-se esfumando as zonas mistas, o derradeiro ponto de contacto entre atletas e a imprensa.
Há vinte anos, uma equipa de reportagem podia levar Michel PreudHomme e Andrzej Juskowiak à Torre de Belém e, imagine-se, promover o fair-play entre jogadores de clubes rivais.
Agora? Não faria sentido. O jogador passou a ser encarado como um ativo. Um produto valorizável, negociável ou descartável a curto prazo. E passou a comportar-se como tal.
Provavelmente, por vontade própria ou alheia, o jogador ficará pouco tempo em Portugal. Nem chega a criar raízes, a desenvolver um sentimento em relação ao clube e às suas gentes. Amanhã, tudo muda. Jeffrén é apenas o exemplo mais recente, levando consigo uma imagem deplorável do nosso futebol.
Entre Linhas é um espaço de opinião com origem em declarações de treinadores, jogadores e restantes agentes desportivos. Autoria de Vítor Hugo Alvarenga, jornalista do Maisfutebol (valvarenga@mediacapital.pt)