Portugal respirava os últimos ares de uma insuportável ditadura. O país vivia em agitação crescente, fervilhante, pronta a eclodir a qualquer instante. A Revolução desejada, sofrida, estava a chegar. Três meses antes, na cidade do Porto, o povo saía à rua. Ainda sem cravos na lapela. Apenas de camisola azul e branca e garganta corrompida pela euforia. Todos queriam ver, pelos próprios olhos, a chegada de Teófilo Cubillas. O grande Teófilo Cubillas.



Um dos melhores do Mundial de 70, indicado pelo próprio Rei Pelé como seu sucessor, ia passar a representar o F.C. Porto. Poucos acreditavam nessa hipótese. Os jornais, alvos fáceis da censura e da manipulação, só podiam estar a mentir. Mas não. Cubillas, um dos 50 melhores futebolistas do século XX (eleito pela FIFA), ia mesmo soprar para longe os ventos da subalternização portista.

«Não fui campeão porque havia um senhor chamado Eusébio»

36 anos depois, o Maisfutebol localiza Teófilo Cubillas em Miami, nos EUA. Redescobre o mito, o artista tranquilo e prosaico. O peruano não esquece o período de dragão ao peito e da descoberta de um país novo. Um país farto de estar amortalhado e reduzido a um mero rectângulo, diminuído pelas hostes do Estado Novo.

«Portugal é também meu. Fui pai pela primeira vez aí. Tenho de voltar e pedir desculpas aos portistas. Nunca me despedi convenientemente», balbucia o astro peruano, em entrevista ao nosso jornal, poucos dias depois de completar 61 anos. O tempo passa demasiado depressa.



Para os mais jovens, o nome de Teófilo Cubillas poderá significar pouco. Talvez o tenham escutado um par de vezes em casa, nas palavras do pai ou do avô. Para os mais velhos, os amantes do futebol das décadas de 70 e 80, Cubillas é o admirável talento em estado puro, temperado por um estilo onírico e tantas vezes melancólico.

«Pelé escolheu-me para seu sucessor»



De Janeiro de 1974 a Janeiro de 1977, o homem da camisola dez marca 65 golos em 108 partidas oficiais pelo F.C. Porto. Incapaz de deturpar a beleza do jogo, de uma atitude mais enevoada ou simplesmente austera.



É de revivalismo que se fala nesta conversa com o oitavo melhor marcador de sempre dos Mundiais. Fala-se de Pedroto, de Oliveira, do impenetrável Benfica de Eusébio, da confeitaria Petúlia e dos superiores instantes em Mundiais de uma outra geração. «O futebol era diferente. Jogava-se para ganhar, havia cinco ou seis golos num jogo. Agora vejo jogos em que uma das equipas remata uma vez à baliza. Isso entristece-me.»



Não há ponta de pretensiosismo nas palavras de Cubillas. A saudade e a simplicidade modelam o discurso toldado pelo rasto da inteligência. Este homem, educado nas escolas do Alianza de Lima, o seu clube «de sempre e para sempre» no Peru, aprende e adapta-se com inaudita facilidade «a tudo, menos à neve», diz, em jeito de regresso ao passado.

A chegada ao Porto, Pavão e Pedroto



O horror ao frio resgata-o da Suíça e coloca-o em Portugal em 74. Um acordo entre o F.C. Porto e a federação do Peru leva-o demasiado cedo do nosso país. Enamora-se pelo soccer, convive de perto com Georgie Best e Gerd Bombardeiro Muller.



Adia a reforma uma e outra vez, incapaz de largar o vício da composição diletante: ele, a bola, o relvado e a baliza, centro de todos os seus desabafos. Em 1987 faz uma última aparição nos campos de futebol. Todos os jogadores do Alianza morrem num acidente aéreo. Cubillas pega no saco, nas chuteiras e apresenta-se para jogar. «Participei em 13 jornadas e fomos campeões, em memória dos que faleceram.»