Pedro Emanuel, 43 anos, atualmente treinador. Glória do Boavista e do FC Porto. 199 jogos pelos axadrezados e três títulos no currículo de 1996 a 2002. Após 15 anos no Boavista, muda-se para o rival da cidade. No FC Porto participa numa era dourada dos dragões de 2003 a 2009. Conquista a Taça UEFA, a Liga dos Campeões, a Taça Intercontinental, seis campeonatos nacionais, três Taças de Portugal e três Supertaças nacionais.

O Maisfutebol recorda o início do percurso do jovem Pedro. Um menino que começou pela natação quase por obrigação da mãe e que acabou por escolher o futebol por influência do pai. A afirmação no Boavista e a influência de Jaime Pacheco no crescimento do emblema axadrezado. 

Ocasião também para falar sobre o passado no FC Porto. O crescimento de um jovem chamado José Mourinho, as críticas a Del Neri e, claro, os melhores momentos das conquistas da Taça UEFA, da Liga dos Campeões e da Taça Intercontinental. 

Um olhar também sobre o percurso de Pedro Emanuel enquanto treinador. Da experiência com André Villas-Boas à saída do Estoril. Venha daí.


ENTREVISTA A PEDRO EMANUEL PARTE I: «No início da carreira tinha medo de falar com os treinadores»
ENTREVISTA A PEDRO EMANUEL PARTE III: ««O futebol está a começar a ser gerido pelo pânico»

MF: Após quinze anos no Boavista, decidiu ir para o FC Porto. Porquê?

PE: Acabava o contrato e não cheguei a acordo com o Boavista para renovar. Dentro das possibilidades, surgiu uma equipa espanhola. Tinha praticamente tudo acertado para ir para uma equipa espanhola. Experimentar esse campeonato era uma das minhas paixões. O aspeto financeiro pesou, naturalmente. Depois surgiu o FC Porto e aceitei. Porra, estás quinze anos no Boavista e vais para o maior rival? Provei de uma coisa que gostei: ganhar títulos. Ser campeão no Boavista marcou-me bastante e vi no FC Porto uma oportunidade de continuar a crescer. Se me perguntarem se em termos financeiros foi melhor do que o que ia ter em Espanha, digo que não. Para mim, em termos profissionais, sem dúvida que foi a melhor opção que podia ter tomado. Para associar a tudo isto, a minha mulher estava grávida. Nunca tinha saído de Portugal e podia ser uma experiência enriquecedora e, ao mesmo tempo, inibidora porque a minha mulher ia ficar sozinha. Isso pesou um pouco na minha decisão, mas provavelmente pesou menos do que a hipótese de ir para um grande clube. Essa foi a razão pela qual escolhi o FC Porto. Fiquei com alguma tristeza por nunca ter jogado em Espanha, sempre considerei que, por lá, em termos técnicos e táticos, se pratica um bom futebol. Por outro lado, conquistei muitas coisas que certamente não iria conquistar se fosse para Espanha.

MF: No FC Porto conheceu José Mourinho. Como foi trabalhar com ele?

PE: Quando o Sr. Reinaldo Teles e o presidente Pinto da Costa me ligaram, perguntei qual era a opinião do treinador. Tinha 27 anos, estava num momento em que tinha de tomar uma decisão. Queria saber se ia ser uma opção. O Mourinho disse-me para ir, porque a transferência do Jorge Andrade para o Deportivo da Corunha estava feita. Disse-me "preciso de um jogador experiente, com a tua capacidade e qualidade. Se vais ser titular não digo a ninguém. Conto contigo e dei o aval à transferência". Sem dúvida que o FC Porto contratar o capitão do Boavista tem impacto, mas eu queria ter impacto no clube. Foi assim que conheci Mourinho pela primeira vez. Vivemos dois anos extraordinários da história do clube, com conquistas muito importantes.

MF: O Mourinho era, na altura, um treinador diferente dos restantes. Em que aspetos se diferenciava?

PE: Era diferente em tudo. Desde a forma de se relacionar com os jogadores e ao trabalho de campo, algo fundamental para cativar os jogadores. Aplicou o que bebeu no passado no nosso quotidiano e tudo isso conjugado levou-nos ao sucesso. É preciso recordar que o Mourinho chegou em janeiro 2002 e teve um período inicial difícil. No ano seguinte, projetou tudo à sua maneira e juntou as peças indispensáveis para que o clube atingisse o sucesso. Não quer dizer que quem estava lá antes era melhor ou pior. A forma como abordava os jogadores e a ambição que transmitia eram diferentes. Só tínhamos uma opção: ganhar ou ganhar. Não havia outra solução, porque era disso que o FC Porto precisava depois de três anos de interregno.

MF: O Pedro Emanuel competiu com Ricardo Carvalho, Jorge Costa e Ricardo Costa. Isso ajudou-o a crescer?

PE: Muitos dos meus amigos fizeram-me essa pergunta. És maluco, tens a hipótese de ir para qualquer lado e vais-te meter na toca do lobo? O Jorge Costa e o Jorge Andrade eram jogadores de seleção, o Ricardo Carvalho e o Ricardo Costa iam lá chegar. Foi exatamente por isso que fui. Fui para me superar, como gosto de dizer aos meus jogadores, para estar vivo todos os dias. Estar vivo todos os dias significa ter de trabalhar todos os dias, se estiver a jogar sei que existe alguém tão bom ou melhor que eu e que me quer roubar o lugar, se estiver de fora tenho de me superar para lhes tirar o lugar. Foi sempre o meu lema. Se quisesse estar confortável tinha ido para Espanha, tinha feito um contrato extraordinário e tinha sido uma contratação de luxo para o clube em questão. Se calhar, passado um ano estava acomodado. Fui um risco que assumi comigo próprio: prova que és capaz no meio dos tubarões.

MF: Uma equipa que ganha duas competições europeias seguidas, tem de ter um balneário muito rico em vários aspetos. Como era o balneário do FC Porto?

PE: Antes de tudo, tínhamos jogadores de grande qualidade. O espírito de equipa foi fundamental. Grande parte de nós falava o mesmo idioma e, quem não falava o mesmo idioma, como o Jankauskas e o Alenitchev, foram integrados de uma forma simples e familiar. O núcleo duro do balneário era muito forte. Maioritariamente o balneário era português e os brasileiros que faziam parte dele tinham um espírito incrível, como o Deco e o Derlei. Era fácil comunicarmos e isso fez com que o espírito de grupo crescesse. A vontade de querermos conviver e de criarmos laços familiares… recordo-me que fazíamos almoços de equipas e jantares de família. Mesmo em eventos do clube, levámos as nossas famílias. Isso foi fundamental para termos um espírito de união. Depois, como é lógico, tenho de realçar o trabalho do treinador que nos soube cativar e nos fez acreditar nas suas ideias.

MF: Falemos da final da Taça UEFA, em Sevilha. O Pedro Emanuel entra aos 71’ para o lugar do Jorge Costa com o jogo empatado. Sentiu uma responsabilidade acrescida?

PE: Nunca olhei para o jogo como uma responsabilidade. Sempre encarei o jogo como uma oportunidade. Não queria deixar ficar mal os meus colegas, queria provar que podia dar uma boa resposta. Se formos a ver, no ano seguinte, estávamos a jogar em Old Trafford e estávamos a perder 1-0. Estavam decorridos trinta minutos. Se calhar o Mourinho faz a substituição que faz devido ao meu impulso. Vi o Jorge em dificuldades, a dar sinal para o banco e senti necessidade de mostrar que estava pronto. "Quero ajudar, metam-me lá dentro". Sempre vi o jogo assim. Se começava no banco ou de início, sempre mantive este espírito. Se estou no desporto coletivo, tenho de pensar na equipa e adapto isso à minha forma de pensar. Quando entrei em Sevilha, o jogo estava tão eletrizante e estava um calor insuportável. Nos primeiros cinco minutos estava ofegante, mal conseguia respirar. Senti os colegas cansados e as duas equipas a quererem ganhar. Emocionalmente isso deixa-nos exaustos. Uma das poucas virtudes que tinha era transmitir serenidade nos momentos de maior tensão. Da mesma forma que também tinha a capacidade de injetar adrenalina quando as coisas estavam um pouco moles. Sevilha marcou-me. Em Gelsenkirchen entrei com um entusiasmo diferente. A forma como o jogo se desenrolou e como ganhámos a um extraordinário adversário. A minha família alugou um autocarro para ir ver a final e ficaram lá. Foi espetacular.

MF: Disse que a final da Taça UEFA foi mais especial que a da Liga dos Campeões. Porquê?

PE: Por tudo. Primeiro pela época que fizemos. Vínhamos de três anos sem ganhar nada e, de um momento para o outro, conquistámos Taça de Portugal, campeonato e Taça UEFA. Isso marcou-me. Segundo, pelo desenrolar do jogo, que foi emocionante e disputado em condições adversas. O que interessa é que ganhámos e sentimo-nos realizados. Essa é a palavra exata. Foi uma época desgastante física e mentalmente, mas extremamente saborosa. Todos mereceram: o clube por tudo o que nos proporcionou, os adeptos pela forma como viveram a época e os jogadores pelo trabalho extraordinário, liderados pelo Mourinho. Ele estava numa fase inicial da sua carreira, mas sabia bem o que queria e para onde queria ir.

MF: Gelsenkirchen, pelo contrário, jogou cerca de cinco minutos. Entrou para o lugar do Deco. Foi uma sensação diferente, certo?

PE: O jogo desenrolou-se de uma forma diferente. Olhámos para esse jogo e esquecemo-nos que o mesmo começa com uma grande defesa do Vítor [Baía] a remate do Giuly. O jogo poderia ter sido diferente. Tomámos as rédeas do jogo e acabámos por vencer. Sem dúvida que a nossa equipa era melhor do que a do Mónaco. Quando entro, já estávamos numa fase em que só queríamos que o tempo passasse. Já estávamos a pensar como íamos festejar. Confesso que a certa altura, já nem sabíamos como festejar, já o tínhamos feito tantas vezes. Foi um feito fenomenal. Essa campanha da Liga dos Campeões ficou marcada pelos oitavos de final.

MF: A pergunta seguinte era precisamente sobre o duelo com o Manchester United.

PE: Acho que esse é o jogo que nos alimenta o sonho. Desde que eliminámos o Manchester United, passámos a olhar para a Liga dos Campeões como um objetivo. Quando chegámos aos oitavos final e vemos que nos toca o Manchester United… vimos a nossa vida andar para trás. Foi um impacto diferente, em comparação com o jogo dos quartos de final. Encarámos o jogo com o Lyon de outra forma, naturalmente. O jogo em Old Trafford foi marcante pela positiva. Foi dos poucos jogos na minha vida em que estava a pedir para que acabasse. O Nuno Valente, durante o jogo teve uma expressão muito engraçada. “Porra, ainda agora chutámos a bola para a frente e eles já estão aqui outra vez”. Demos as mãos e sofremos. Foi um momento marcante da minha carreira pelo episódio que já contei. Saltei do banco quando estávamos a perder por 1-0. Passámos momentos difíceis, o Manchester United tinha uma equipa fantástica. Aguentámos, aguentámos e conseguimos sacudir a pressão e ir à baliza deles algumas vezes. É um dos momentos mais bonitos da minha carreira, pela forma como foi vivido. Enfrentámos o Lyon com outro elã e o Corunha, que tinha uma equipa extraordinária, acabámos por vencer com um penálti do Derlei que tinha voltado de lesão. O Carlos Alberto aproveitou a lesão do Derlei para aparecer.

MF: Esses dois anos foram os pontos mais altos do seu percurso?

PE: Acabam por ser. O ponto mais alto foi o trajeto que fiz nas duas maiores equipas da minha cidade e o facto de ter sido capitão do Boavista e do FC Porto. Orgulho-me disso, porque é algo que só se consegue com respeito. Conquistei o respeito das pessoas porque me dei ao respeito. Às vezes, isso é mais importante do que ganhar mais um jogo ou menos um jogo. Se for ao Bessa, alguns adeptos reconhecem o meu contributo para o historial do Boavista. Quando chego ao FC Porto, muita gente perguntou por que razão precisavam de mim. Passado alguns anos, as pessoas reconheceram o meu trabalho. Isso são as minhas verdadeiras vitórias. Só se alcança essa glória quando se conquistam títulos. Esses dois anos são anos em que se compilam muitos troféus e muitas conquistas. O ciclo do FC Porto fechou-se na final da Taça Intercontinental.

MF: Depois da conquista da Liga dos Campeões, vários jogadores saíram do FC Porto, para além do Mourinho. Alguma vez teve possibilidade de sair?

PE: Não quis sair. Nem quis ouvir abordagens. Sempre fui muito acarinhado pelas pessoas que me levaram para o clube e sentia-me sempre realizado. Houve uma ou outra sondagem, mas já nem me recordo. Queria continuar no FC Porto. A partir daí, a história do clube foi diferente. A equipa foi praticamente desfeita, por vários fatores. Isso levou a um processo de restruturação, o que nem sempre é fácil.

MF: Considera que as várias mudanças acabaram por ter impacto na época seguinte? Ainda que tenham lutado pelo título até ao final…

PE: Sim, lutámos até ao final. Foi uma época muito difícil. Tivemos três treinadores, várias entradas e saídas de jogadores, tanto em agosto como em dezembro. Foi um ano complicado para toda a gente. Foi um ano de restruturação e quando isso acontece existem danos colaterais. Não fomos tão bons como costumávamos ser e não conquistámos o campeonato devido a essas alterações. Foi muito difícil para quem chegou ao clube. Uma coisa é chegar a um clube e vencer, outra é chegar e não conquistar nada. Tudo é posto em causa. Alguns jogadores que chegaram até tinham qualidade para se afirmarem no FC Porto. Porém, como não ganhámos, olhámos para eles de uma maneira diferente.

MF: Lembro-me de casos como o do Luís Fabiano e do Diego…

PE: Foram vários. As pessoas olhavam para eles como jogadores curtos, em comparação com o ano anterior. A herança era muito pesada. O caso do Luís Fabiano é o mais gritante. Ele era internacional brasileiro e que tinha tudo para se afirmar. Foi, talvez, o melhor ponta de lança que encontrei na minha carreira. Sem dúvida, o mais completo em todos os aspetos. Estava ao nível de um Benni McCarthy. Porém, o momento da equipa não o ajudou. Depois saiu e no Sevilha teve sucesso. Aqui pouca gente se lembra que ele passou pelo FC Porto.

MF: Em 2005, o FC Porto contrata Del Neri. Recentemente, o Benni McCarhty disse que Del Neri tinha sido o pior treinador da história do FC Porto…

PE: Não quero ser tão cáustico. O Del Neri era um treinador que conseguiu ter algum sucesso numa equipa mediana de Itália. Tentou replicar as suas ideias no FC Porto. Só lhe posso apontar um erro. Enquanto treinador, se vou para um novo clube, tento conhecer a cultura do clube, a forma como o clube tem sido gerido, que jogadores compõem o plantel… tirar conclusões e colocar em prática as minhas ideias. Acho que o Del Neri passou essa parte à frente. Pensou em replicar o que fez em Itália, mas numa equipa que tem de ganhar os jogos todos. Isso gerou desconfiança nos jogadores. A ideia de jogo tem de ser cativante, caso contrário os jogadores deixam de acreditar. Gostei da relação pessoal com Del Neri, contudo o choque foi muito grande. Acho que o clube procurou esse choque cultural à semelhança do que fez com o Co Adriaanse. O FC Porto quis alguém que cortasse com o passado. Começámos com o Del Neri com muito insucesso na pré-época e a desconfiança foi completa. Tenho de fazer uma mea-culpa enquanto jogador. Pensávamos que erámos os maiores do mundo, que podíamos fazer tudo e que nós é que percebíamos daquilo. Descemos à terra e arregaçámos as mangas. 
 


MF: É inevitável não abordar o dia 12 de dezembro de 2004, a data da final da Taça Intercontinental. O Pedro acaba por ser o rosto da conquista.

PE: Sim, por ter decidido o jogo nas grandes penalidades. Considero injusto termos triunfado apenas nas grandes penalidades. Durante o jogo fomos melhores que o Once Caldas. Fizemos golos, criámos situações, enfim, fomos muito superiores. Nas grandes penalidades calhou-me a mim ser o rosto da vitória. Esse penálti define o que eu sou: não tenho medo de ser feliz. A primeira pergunta que me fizeram foi qual era sensação de marcar aquele penálti. Só queria acabar com aquilo e não tive medo de ser feliz. Passados estes anos todos é que começo a valorizar esse momento.  Na altura não temos noção, vivemos num mundo diferente. Quando terminámos a carreira e olhámos para o nosso passado, é que valorizámos muitas das coisas que, quando jogávamos, não dávamos tanta importância.

MF: Era suposto ter batido antes?

PE: Os cinco primeiros foram definidos pelo treinador. Depois, foi um pouco na base de quem queria ir.

MF: A chegada de Co Adriaanse foi uma mudança drástica. Era um treinador muito rígido?

PE: Tinha um estilo ao qual não estávamos habituados. Tinha uma filosofia de trabalho muito própria. A forma como ele comandava, essa é a expressão correta, era particular. Não posso dizer nada. Inicialmente comecei a jogar e, de um momento para o outro, o Co alterou a estrutura da equipa e passou a jogar com três defesas. Ele teve uma conversa comigo e disse-me que dificilmente ia jogar. Perguntei-lhe se podia, pelo menos, tentar e ele respondeu-me que sim. Acrescentou que não iria jogar na minha posição habitual, mas mostrei-me disponível para ajudar. Passado algum tempo precisou de mim e voltei a jogar. Nomeou-me capitão de campo, isto porque o Vítor Baía era o capitão no balneário. O Co Adriaanse atribuía muita responsabilidade aos jogadores. Segundo ele, tínhamos de ser homens e mostrar, não só na conta bancária, que erámos bons jogadores. Era muito rígido. Foi um treinador diferente, com muitas coisas boas e com outras não tão boas, devido à diferença cultural. O que é facto é que venceu o campeonato e a Taça de Portugal e no ano seguinte só vai embora porque assim decidiu.

MF: Com 32 anos, sofreu uma lesão grave no tendão de Aquiles. Pensou que a sua carreira ia terminar?

PE: Sim, sem dúvida. Passei por duas intervenções cirúrgicas. A primeira cirurgia não correu como esperado e tive de ser operado novamente. Fiquei dez meses parado e pus tudo em causa. Uma das razões que me fez querer voltar aos relvados, foi a presença do presidente Pinto da Costa e do Antero Henrique após a operação. Desejaram-me as melhoras e disseram-me que ia renovar contrato. Numa situação daquelas, receber uma injeção de responsabilidade, senti-me na obrigação de recuperar para retribuir o carinho. Nunca tinha sofrido uma lesão tão grave, mas cresci imenso enquanto homem.

MF: Volta e ainda joga mais dois anos.

PE: A minha carreira acaba em circunstâncias específicas. Dirigi-me ao mister Jesualdo Ferreira e disse-lhe que não me sentia em grandes condições de continuar. Ele disse-me para continuar porque contava comigo e ainda fiz mais um ano. Lembro-me que fazia dois ou três jogos e precisava de outros tantos para recuperar. Não me sentia em perfeitas condições para continuar a jogar. No final do ano, o mister Jesualdo Ferreira foi sincero comigo e disse-me que não iria jogar com regularidade, mas pediu-me para continuar porque era importante no balneário. Agradeci, mas frisei que estar só no balneário não era suficiente. Entretanto existiu a possibilidade de integrar a equipa técnica, mas achei que não era o momento indicado. O FC Porto convidou-me para orientar os sub-17. Já tinha o nível II e aceitei. O Antero Henrique disse-me que tinha de começar por algum lado. Fui de férias duas semanas e mal cheguei, fui logo para um torneio na República da Irlanda durante dez dias. Não conhecia os miúdos e só pensava “vou ter de andar da perna”. Agora, vejo que foi a melhor coisa que me podia ter acontecido. Terminar a carreira é difícil, é como mudar de casa de Portugal para a China. Tudo o que era a minha realidade desapareceu.

MF: Apesar de todas as conquistas nunca foi opção para a seleção nacional.

PE: O Scolari nunca olhou para mim. A oportunidade nunca surgiu e sinto mágoa por isso. Um ano antes do Mundial de 2006, surgiu a possibilidade de representar Angola, o país onde nasci. Porém, a FIFA não autorizou, porque já tinha representado os sub-21 de Portugal e já tinha passado o tempo indicado para optar. Era, sem dúvida, um orgulho representar a seleção do país onde nasci, mas gostava era de ser internacional AA por Portugal. Foi uma tristeza, mas no meio de tantas alegrias, não me posso queixar. Orgulho-me da minha festa de despedida, proporcionada pelo FC Porto. Ainda hoje existem pessoas que dizem que nunca viram uma despedida tão emocionante como aquela. O futebol é muito mais do que o jogo e muito mais do que o dinheiro que se ganha.


MF: Qual foi o melhor jogador com quem jogou?

PE: Era preciso trazer uma lista enorme (risos). Foram tantos, é muito difícil. Timofte, Sánchez, Hasselbaink, Latapy, Nuno Gomes… é muito complicado. Deco, Alenitchev, Carlos Alberto, Derley, Ricardo Carvalho, Paulo Ferreira, Benni McCarthy… ensinaram-me tanto. Grande parte destes jogadores ensinaram-me tanto. As pessoas devem-se questionar como é que me ensinaram tanto se nem jogavam na minha posição. Aprendi a passar, a receber, a posicionar-me e a rematar. Isso é muito importante, sobretudo agora como treinador. A forma como batiam os livres… coisas tão simples como essas, que hoje em dia são muito importantes. Quando quero dar exemplos aos meus jogadores, dou esses exemplos concretos.