Pouco utilizado por Ronald Koeman, Nuno Assis tinha praticamente tudo certo para rumar ao Estugarda, então orientado por Giovanni Trapattoni. Já no final da janela de transferências de janeiro, recebeu uma chamada de um responsável do clube. Pensava que era acertar a saída para o clube alemão mas rapidamente percebeu que o assunto era outro quando viu o gabinete cheio de elementos da equipa médica. «Disseram que tinha acusado positivo num controlo. Na altura, como pensava que era outro tipo de coisa, até respirei de alívio. Só quando fui para casa é que me caiu a ficha com a história do doping.»

O controlo positivo por nandrolona, a 3 de dezembro de 2005 após um jogo com o Marítimo, foi o rastilho para o início de um pesadelo. Ou melhor, de dois pesadelos. Numa primeira instância, o caso foi arquivado pela Federação Portuguesa de Futebol, mas reaberto quase um ano depois pelo então secretário de Estado da Juventude e do Desporto, Laurentino Dias, que homologou um parecer da Procuradoria-Geral da República, que considerou que a FPF violou a lei quando arquivou o processo.

Ao Maisfutebol, Nuno Assis reafirma que nunca tomou qualquer substância proibida, recorda como o episódio lhe condicionou a carreira e admite que, se fosse hoje, talvez não avançasse para recurso. «Provavelmente o melhor era não ter feito nada para tentar provar a minha inocência. Apanhava seis meses e as coisas morriam por aí», diz.

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Que balanço faz dos anos em que esteve no Benfica?

Vou ser muito sincero! Podia ter feito muito mais do que aquilo que fiz. Tive algumas situações que não me ajudaram. Na altura do Fernando Santos estava na minha melhor fase. Fiz praticamente todos os jogos até janeiro e tive duas ou três propostas para sair. Nessa altura tive aquela segunda situação do doping: já tinha passado por todo aquele sofrimento e, de repente, tive de reviver tudo de novo como na primeira vez com o Koeman. As pessoas não têm noção do que eu passei.

(…)

Há muitas pessoas que não têm a mínima noção do que é doping. Desde essa altura que não falava no assunto, mas repito que não tomei rigorosamente nada e não tinha necessidade de o fazer nem razões para isso. O que acusou nessa altura foi nandrolona, que é algo que todos nós produzimos. Os meus níveis estavam um pouco acima. Numa primeira fase, ganhámos a causa. O CNAD [Conselho Nacional Antidopagem] perdeu toda a credibilidade e o senhor Laurentino Dias [então secretário de Estado da Juventude e do Desporto] resolveu entrar em cena e dizer o que disse. Nunca falou comigo, nem tinha de falar, mas podia ter tido outra postura quando resolveu defender o CNAD. Nem falo por mim, que tinha de lidar com a situação de uma maneira ou de outra, mas não teve em consideração que eu tinha família e filhos. Fui prejudicado e o Benfica também, que tinha propostas muito boas por mim. Acabei por ficar mais seis meses parado e as coisas complicaram-se.

Quais eram os clubes que estavam interessados em si nessa altura?

Posso dizer que eram de Inglaterra e de Espanha.

Era fácil manter a motivação para treinar quando sabia que não podia jogar no fim-de-semana seguinte?

Houve alturas em que não foi. Mas sabia que tinha de andar para a frente. Não podia desistir e tinha as pessoas ao meu lado. Tenho uma admiração enorme pelo Fernando Santos, que me ajudou bastante nessa altura. Treinava como se fosse jogar todos os domingos porque ele acreditou em mim. Olhando para trás, provavelmente o melhor era não ter feito nada para tentar provar a minha inocência. Apanhava seis meses e as coisas morriam por aí. Mas, quando não se tem nada a esconder, só temos de provar que as coisas não são verdade. Se tivesse tomado alguma coisa, era muito mais fácil dizer que tinha sido sem querer ou por descuido. Mas não foi isso que eu fiz. Se calhar foi o pior que fizemos.

Se fosse hoje deixava uma condenação injusta acontecer?

Depois de tudo acontecer, chego à conclusão que talvez fosse o melhor. Mas na altura não pensámos nisso, porque tínhamos de provar que alguma coisa estava errada. E provámos!

Homenagem dos jogadores do Benfica num jogo para a Taça de Portugal contra o Oliveira de Bairro, após a segunda condenação por doping, em janeiro de 2007

É escusado perguntar se este foi o pior momento da sua carreira.

Claro que foi. Outra coisa: nos primeiros seis meses em que estive suspenso eu nem estava a jogar muito com o Koeman e tive uma proposta para sair em janeiro para o Estugarda, onde estava o Trapattoni. Estávamos no final de janeiro, chamaram-me e eu pensava que era para me falarem sobre essa possível saída. Entretanto, sou surpreendido com os médicos dentro do gabinete. Fiquei logo a pensar que tinha algum problema grave. Percebi que alguma coisa estava errada e disseram que tinha acusado positivo num controlo. Na altura, como pensava que era outro tipo de coisa, até respirei de alívio. Só quando fui para casa é que me caiu a ficha com a história do doping. Afinal era muito grave.

Hoje ainda procura respostas para o que se passou o conseguiu fechar esse capítulo?

Sou muito de tomar decisões pela minha cabeça. Vou por mim e não pelos outros. Por causa disso perdi umas coisas e ganhei outras. Mas aprendi a conviver com o que se passou e ultrapassei tudo da melhor forma, sabendo que fui muito prejudicado. Por mais que as pessoas digam o que disserem, eu sei que nunca tomei nada. Podem chamar-me mentiroso, é-me indiferente.

Sente que a sua carreira foi muito condicionada por essas duas suspensões relacionadas com um caso de doping?

Sim. Passar por uma situação, levantar-me e depois ter de passar por outra… apesar de depois ter feito duas das minhas melhores em Portugal no V. Guimarães e de ter voltado à Seleção. Lembro-me que antes do Mundial da África do Sul o meu nome estava em todas as previsões dos 23 em toda a imprensa.

Há uns anos Quim disse que deixou de comer leitão depois de um controlo positivo em 2001/02 quando estava no Sp. Braga. Também mudou alguns hábitos alimentares seus?

Curiosamente disseram-me que uma das coisas que fazia aumentar os níveis de nandrolona era a carne de porco preto. Por acaso eu comia leitão ou carne de porco preto quase todos os dias. Mas eu não sabia por que razão tinha acusado positivo. Até ao final da carreira tinha receio sempre que ia ao doping. Quando se toma por engano, sabemos o que aconteceu e o que fazer para que não volte a acontecer, mas não foi o caso. Pensava sempre que o problema podia estar no meu corpo. Lembro-me de um jogo da Liga dos Campeões em que foram escolhidos dez jogadores por sorteio e eu tive de ir ao controlo antidoping por exigência. Sabia que não tinha tomado nada, mas estava nervoso. Fiquei traumatizado.

Mas cortou na carne de porco preto?

[Risos] Oh, claro que na altura não comia nada disso. As pessoas vão rir-se com esta conversa: «Olha este, que está para aqui a falar de carne de porco preto».

Teve apenas duas internacionalizações na carreira. Podia ter tido um percurso mais sustentado na Seleção Nacional?

Acima de tudo é preciso ter sorte. No futebol, é preciso ter mérito, trabalhar, mas também é preciso sorte. Claro que podia ter feito muito mais, como no Benfica. Joguei no Vitória como não joguei, por exemplo, no Benfica, onde tive fases boas mas não com a regularidade e qualidade que consegui no Vitória. O problema do doping também não ajudou.

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