O Desp. Chaves tem sido a grande sensação da temporada 2016/17, época que marca o regresso dos flavienses aos grandes palcos do futebol português.

Os 33 pontos já conquistados praticamente garantem a manutenção e na Taça de Portugal o Jamor ainda é objetivo. Estão a pouco menos de duas semanas de jogar a segunda mão da meia-final com o Vitória de Guimarães (derrota por 2-0 no Minho), mas o sonho ainda se mantém vivo.

Em janeiro chegou a Trás-os-Montes Pedro Tiba, que, em grande entrevista ao Maisfutebol, explicou os motivos da saída de Braga e dos primeiros tempos no plantel de Ricardo Soares, treinador que «não conhecia», mas que o surpreendeu.

Numa entrevista dividida em três partes, o natural de Arcos de Valdevez recordou o grande primeiro ano em Braga e a desilusão da derrota no Jamor com o Sporting, num jogo em que estava «convencidíssimo» que iria ser titular e ficou no banco.

O médio, que apenas chegou à I Liga aos 24 anos, fez ainda uma retrospetiva na carreira e falou dos difíceis tempos nas divisões inferiores, de uma passagem curta pela Grécia aos 18 anos e «tirou o chapéu» ao treinador que apostou em si em Setúbal.

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A carreira profissional de Pedro Tiba começou apenas aos 24 anos, quando o V. Setúbal o foi buscar ao Tirsense, em 2013. Chegou a ter dúvidas que algum dia chegaria a estes patamares?
Houve uma altura que tive dúvidas, apesar de ser sempre o meu grande sonho. Fazia sempre grandes épocas na II B [agora Campeonato de Portugal] e tinha sempre a esperança de aparecer alguma coisa e nunca aparecia. Duvidei, pensei que não era possível, mas quando apareceu a opção Setúbal foi muito bom e as coisas correram muito bem. Nessa altura até tinha proposta do Desp. Chaves. Conversei com o presidente e ele percebeu perfeitamente. Disse-lhe que não queria dizer que não ao Desp. Chaves, mas que tinha o sonho da I Liga. Tomei a opção e foi certa.

Nesse ano no Tirsense marcou 16 golos, a época mais produtiva da carreira. Acha que foram esses números que despertaram a atenção de um clube da I Liga?
Na altura jogava numa posição diferente, jogava a 10 e tive um treinador, o Carlos Pinto, que me ajudou, num clube que agora está em dificuldades. Foi uma época que me correu particularmente bem, nunca tinha feito tantos golos, mas deveu-se à posição.

Saltou de Santo Tirso para Setúbal, ou seja, saltou duas divisões, mas isso não foi impeditivo de chegar e impor-se (31 jogos, 21 como titular).
Tenho que agradecer ao mister José Mota que me foi buscar. No início da época não estava a jogar muito, mas estive sempre a fazer o meu, a trabalhar, a aprender, e quando apareceu a minha oportunidade já com o Couceiro agarrei-a [titular da 10ª até à última jornada]. É um treinador muito especial para mim, cresci muito, aprendi muito. As coisas correram bem e foi uma época memorável.

Disse-me que era «10» no Tirsense, mas em Setúbal jogava mais recuado.
Agora gosto mais de 8, foi o mister Couceiro que me pôs nesta posição, porque achava que eu devia jogar por dentro. Foi uma boa adaptação.

O José Couceiro é o treinador indicado para trabalhar jovens que vêm destas divisões? Até pelo que está a fazer este ano também no V. Setúbal.
O José Couceiro é um treinador muito corajoso, para além de grande treinador. Tem grande coragem, não olha a idades, a nomes, a nada. Olha à qualidade e ao trabalho. Joga quem tem de jogar, com 20 ou 35. Nisso tiro-lhe o chapéu. Na minha opinião existe muita qualidade nessas divisões e muitos jogadores só precisam de oportunidade. É lógico que nem todos vão fazer grandes carreiras, mas existe qualidade. Precisam de alguém atento, que vá ver os jogos e que os leve.

E que diferenças encontrou neste salto de divisões?
É uma diferença enorme, não tem comparação. Quer na qualidade como na intensidade.

O V. Setúbal ficou no sétimo lugar nesse ano, numa equipa com bons jogadores e com um campeão europeu a despontar: João Mário.
Tínhamos uma equipa muito boa, o Ricardo Horta que depois foi para o Málaga, o Vezo para o Valencia, o Rafael Martins que fez uma grande época. O João Mário já na altura se destacava muito, esteve seis meses na equipa B do Sporting, veio em Janeiro, mas já se notava ali que ia dar um jogador como o que deu e o que é.

Antes de chegar Setúbal teve um percurso longo nos campeonatos não profissionais e chegou tarde à I Liga. Tem um sabor especial estar no topo com o seu percurso?
Trabalhei muito para chegar onde cheguei, ninguém me deu nada de mão beijada. Essas dificuldades que passei recordo-me todos os dias delas e se há pessoa que lhes dá valor, que sabe o que estes jogadores passam por um sonho de menino, de trabalhar e ir treinar à noite, sou eu. Muitas vezes há jogadores que não fazem ideia do que é isso. Receber 300, 400 euros, meses sem receber. As coisas não são fáceis!

O Tiba formou-se no Atl. Valdevez. É mais fácil para um jovem formado numa Academia de um clube de topo ser profissional e ter oportunidades?
Também não tenho noção do percurso deles, as dificuldades que passam por estar longe da família ou outro tipo de dificuldade que possam passar. Mas as dificuldades dos que fazem o mesmo percurso que eu são enormes, estamos a falar de alguém que chegou aos 24 anos, não cheguei aos 20. Andei quase sete anos nessas divisões.

Olhando para a sua carreira. Formou-se no Atl. Valdevez, chegou cedo ao plantel sénior e logo aos 18 anos foi para a II divisão da Grécia, para o Kastoria. Só fez um jogo...
Na altura, o meu empresário apareceu com essa possibilidade, eu tinha 18 anos e ele apareceu com a proposta. Era muito miúdo, nem sequer estava preparado para sair daqui. Foi uma aventura! Depois aconteceram algumas coisas, deixei de receber. Treinei, fiz um jogo, deixaram de me pagar, o empresário nunca mais me atendeu o telefone. Passei algumas dificuldades que se passam em divisões inferiores e que ainda hoje se passam, mas foi muito importante. Foi o choque com a realidade. Já vai há muito tempo (risos)...

Voltou para o Atl. Valdevez, mas um ano depois foi para o Valenciano (3ª divisão) e em seguida para o Limianos, na temporada 2010/11. Essa foi a segunda época mais produtiva da sua carreira com 12 golos, um deles especial no Estádio do Dragão.
Foi um momento muito bonito, uma festa bonita para a vila de Ponte de Lima. Para mim fica o golo e a festa limiana nas bancadas, algo que as pessoas em Ponte de Lima nunca se vão esquecer. O meu sonho e o meu objetivo era chegar à I Liga, vinha a fazer boas temporadas e nesse ano no Limianos subimos à II B.

O golo de Pedro Tiba no Estádio do Dragão, na derrota do Limianos por 4-1.

Foi talvez um dos primeiros desta vaga de jogadores que salta das divisões inferiores para a I Liga com sucesso. Já vão existindo mais casos, acha que já se aposta mais no jogador português?
Acho que apesar de estarem a apostar mais, não apostam o que deviam. Agora a classe média do jogador português tem mais qualidade e isso nota-se nos resultados. Ganhar a uma equipa pequena já não é tão fácil, porque existe qualidade, organização, bons treinadores, mas acho que se pode apostar mais. Não sei a percentagem de estrangeiros em Portugal, mas existe muita qualidade em Portugal. Às vezes muitos miúdos só precisam de uma oportunidade.

Este clima que se vive em Portugal de «chicotadas psicológicas» acha que pode dificultar essa aposta?
É verdade, há treinadores que é só ganhar ganhar ganhar, mais do que jogar bem, ensinar, formar, é uma realidade. Hoje o futebol está de uma maneira que um treinador recebe o prémio de melhor do mundo e dois meses depois é despedido. Quando isto acontece os outros querem é só ganhar para assegurar o lugar. Às vezes não se aposta nesses jogadores porque é mais arriscado.