Canterano do Real Madrid, Bueno cresceu no centro de estágios de Valdebebas, bem perto de estrelas como Raúl e Casillas, que viria a reencontrar no FC Porto.

Teve como referências treinadores bem conhecidos do futebol português, como Lopetegui e Quique Flores, e prometeu muito desde o Europeu de sub-19 em que foi campeão, melhor jogador e máximo goleador do torneio, numa seleção com Gerard Piqué e Juan Mata, seu amigo desde a adolescência.

Nesta segunda parte da entrevista ao Maisfutebol, Bueno recorda a aventura a Inglaterra junto do filho de Brian Clough e as diferentes experiências em Espanha; onde um dia fez história pelo Rayo Vallecano: um poker em um quarto de hora, que pela celebração nem pareceu nada de especial.

MAISFUTEBOL: O Alberto Bueno é um canterano do Real Madrid. Quando se apercebeu que iria concretizar o sonho de ser futebolista? Quando assinou o primeiro contrato pelo Real, em 2007?

ALBERTO BUENO: Quando estava no Castilla já sentia que estava muito perto da primeira equipa. Aliás, à medida que vais subindo escalões no Real Madrid, mesmo os balneários vão ficando mais próximos do da equipa principal.

No centro de estágios de Valdebebas, até fisicamente a equipa principal fica mais próxima à medida que os miúdos vão subindo de patamar?

Sim. Há uma divisão, claro. Não tens contacto com os jogadores da equipa principal, mas sabes que estás ali bem mais perto deles. Isso, até subconscientemente, dá-nos motivação. Cheguei com 13 anos. Jogava numa escola de bairro chamada Concepción, que tinha um convénio com o Rayo Vallecano. Eu ia lá fazer um teste e assinar por eles, mas apareceu um emissário do Real a dizer que nem sequer precisava de fazer provas e acabei decidir-me.

O Bueno é madridista desde pequenino?

A verdade é que tinha família torcia pelo Atlético de Madrid… E eu também puxava por eles. Mas quando comecei a jogar pelo Real, tomei consciência dos valores do clube. E agora sinto que sou adepto do Real.

E se o Real jogar com o Rayo Vallecano, onde também jogou? É fácil decidir por quem torcer?

Oh, claro que não! Ou com o Valladolid. É complicado decidir. Guardo carinho pelos clubes por onde passo, mas a verdade é que a minha etapa no Rayo foi especial.

Que treinador o marcou na formação?

Tive alguns que foram especiais na formação e mais tarde como profissional: Quique Flores, Julen Lopetegui, Michel…

Lopetegui e Quique Flores são bem conhecidos do futebol português.

Estive com Lopetegui no Castilla e depois no FC Porto. Com o Quique estive nos sub-18; apostou em mim bem cedo: quando eu tinha 15 anos, ele pôs-me a jogar com miúdos de 18. Foram treinadores que me ajudaram a progredir.

E jogadores? Qual foi o maior exemplo para si?

O meu modelo a seguir era Raúl. Um jogador espanhol com sucesso no Real Madrid e na seleção. Sem ser em termos de pontuação um 10 em algum aspeto do jogo, era um 8 ou 9 em quase tudo. Era incrivelmente regular. No entanto, o meu ídolo de pequeno era Ronaldo Nazário de Lima. Para mim, sempre foi o melhor.

Foi internacional em todos os escalões de Espanha, exceto na seleção principal.

Dos sub-15 aos sub-21. Ganhei um Europeu de sub-19, em 2006…

Não vale ser modesto! O Bueno foi eleito o melhor jogador desse Europeu de sub-19 e também o melhor marcador.

Fiz um grande Europeu. Essa seleção tinha Juan Mata, Gerard Piqué, Granero, Adán, Javi Garcia, Barragán, Mário Suárez, Capel e Jeffrén, que jogaram cá em Portugal [no Sporting]… Era uma seleção muito boa.

Já dava para perceber quais eram aqueles que viriam a conquistar um lugar na seleção principal, como aconteceu com Piqué e Mata?

Sentias que alguns desses jogadores tinham qualidades diferentes das restantes. A verdade é que o futebol, por vezes, é caprichoso: há uma lesão, um treinador que não gosta de ti, qualquer coisa podia desviar-nos do caminho, sobretudo se não te focares em trabalhar. Na vida sempre tive muita atenção a esse aspeto: dormir bem, estudar, abdicar de algumas saídas com os meus amigos…

Como se integrou naquela equipa de Schuster em 2008/09? Estreou-se na Taça do Rei, Liga e Liga dos Campeões em menos de um mês…

Tenho de estar agradecido a Schuster pela oportunidade que me deu, apesar de não ter trabalhado por muito tempo com ele.

Lembra-se dessas estreias em tão pouco tempo?

Já treinava muitas vezes com a equipa principal. Quando era convocado pela equipa principal, «ótimo!»; quando não era, jogava pela B, que encarava como sendo ainda a minha equipa. Lembro-me bem, claro. Estreei-me na Taça do Rei contra o Real Irún, na Liga contra o Huelva e na Liga dos Campeões contra o BATE Borisov.

Que memórias tem desses dias?

Estava a jogar com os meus ídolos, com os melhores jogadores do mundo.

Foi um choque para si, um canterano, estar de um momento para o outro a jogar com estrelas?

Era um miúdo calado, tranquilo, e ali estava eu ao lado de Casillas, Sergio Ramos, Van Nistelrooy, Robinho, Guti, Raúl… Aprendia muito nos treinos, gostava de ouvir os conselhos deles.

Lembra-se de algum conselho especial?

O que mais me diziam era para trabalhar a sério nos treinos. Depois havia dicas mais específicas, sobretudo com os avançados. Gostava de falar com eles sobre posicionamento, estratégias. Raúl, por exemplo, ajudou-me muito. Falávamos bastante, até porque partilhávamos o mesmo agente.

Entretanto, foi para o Valladolid e fez uma boa parceria com Manucho [internacional angolano], que viria a repetir-se no Rayo.

Ele vinha do Manchester United, eu do Real Madrid. Foi um ano complicado, em que tivemos três treinadores. Descemos de divisão, mas era uma boa equipa.

Pelo meio, jogou no Derby County. Como foi essa experiência em Inglaterra?

Fui com muitas dúvidas para lá. Não sabia da dimensão do Championship. Aprendi muito, gostei da cultura inglesa, mas era um futebol muito mais físico, de transições, com menos qualidade do que na Premier League. Era mais kick and rush. Eles valorizavam muito as minhas qualidades. Dava-lhes o que não tinham. O treinador valorizava o futebol continental.

Fala-nos de Nigel Clough, o filho do mítico treinador Brian Clough. Como era ele?

Gostei dele. Tinha uma forma de ver o futebol diferente do típico treinador inglês. O seu pai, Brian Clough, foi uma lenda, mas não o conheci, pelo que só posso falar do filho. Lembro-me de que o Nigel ficava depois dos treinos a treinar finalização connosco. Tinha uma qualidade incrível. Foi jogador do Liverpool. Aliás, via-se ali todo o talento que tinha.

Porém, não durou muito essa experiência e voltou a Espanha.

Voltei a Valladolid para ajudar a equipa a regressar à primeira divisão num momento de dificuldades económicas. Conseguimos subir na primeira época e na segunda garantimos a manutenção na Liga, pelo que desportivamente foi uma etapa positiva e a nível pessoal também: a minha filha nasceu lá.

Depois representou o Rayo Vallecano, que é conhecido por ser um clube da classe operária de Madrid. É um clube especial?

Sim, pela mística, pelos adeptos incríveis que tem. O estádio é pequeno, humilde, mas sente-se um ambiente muito «fixe». Foi um momento feliz na minha carreira. Voltei a Madrid, à minha cidade, a estar perto da minha família e amigos. Fizemos dois anos muito bons. Jogávamos de uma forma muito positiva para um clube da segunda metade da tabela.

Conseguiu um feito inédito na história do Rayo: a 28 de fevereiro de 2015, fez um poker em um quarto de hora na Liga Espanhola!

Começámos a perder contra o Levante e antes do intervalo já estávamos a vencer por 4-1. Muita gente diz-me ainda hoje «como celebraste os golos de forma tão fria?». E a verdade é que mesmo o quarto golo festejei como se fosse normal. A minha família estava numa loucura: «Um, dois, três, quatro golos!» E eu ali como se nada fosse. Foi o meu jogo mais memorável, mas talvez tenha feito jogos melhores, mais completos. Em termos estatísticos foi fenomenal: cinco remates, quatro golos. E o remate que falhei deu para marcar na recarga.

Foi aí que se tornou num ídolo dos adeptos do Rayo?

Ajudou, mas já era um jogador querido pela afición… Sentia-me muito valorizado. Em 2015, só não fui o melhor marcador espanhol da Liga porque o Aduriz ultrapassou-me na última jornada. Mas sim, fui feliz aí, e acabou também por ser essa prestação que convenceu o FC Porto a contratar-me.

PARTE 1: Bueno: «Decidir o dérbi com um golo no Dragão? Oxalá!»

PARTE 3: «Sou feliz no Porto, mas não gosto de francesinhas»