Para André Martins, tudo começou em Argoncilhe, no clube da terra, em Santa Maria da Feira. Do centro do país para Alcochete – e para a chegada difícil ao Sporting – nem meia-dúzia de anos passaram, com o Feirense pelo meio.

Fez-se homem e atleta nos leões, cumpriu um sonho de leão ao peito e saiu de Portugal para ganhar títulos, já depois de se estrear pela Seleção Nacional.

Olympiakos, Legia de Varsóvia e Hapoel Beer Sheva foram as casas que escolheu, todas com as suas particularidades, mas com uma coisa em comum: títulos.

Deixou Israel no final da época passada, com outra experiência em vista, mas o telefone tocou e nenhuma proposta pareceu suficientemente sedutora para fazer o médio dizer que sim.

Agora, aos 34 anos, os meses em casa começam a pesar-lhe na carreira, e por isso há uma decisão que começa a fazer eco na cabeça de André Martins: o difícil momento de pendurar as botas.

Em entrevista ao Maisfutebol, André Martins revela em que ponto da carreira está, revisita o passado e projeta o futuro. Na V e última parte da entrevista, o futebolista fala das experiências no estrangeiro, nomeadamente a mais recente, nos Israel, de onde saiu meses antes de a guerra com o Hamas escalar ainda mais.

PARTE I: André Martins pondera acabar a carreira: «Se não surgir nada...»

PARTE II: «O Sporting passou a ser a minha cadeira de sonho e acabei por me acomodar»

PARTE III: «Tenho uma inveja boa, qualquer jogador quer jogar neste Sporting»

PARTE IV: «Ficava sempre com a ideia de que Jorge Jesus não dormia»

Maisfutebol – A experiência no Olympiakos, como foi? Notou diferenças para o Sporting? Deste lado há o preconceito de que na Grécia o futebol é mais caótico.

André Martins – Tive a sorte de ir para um clube grande, na Grécia à dimensão do Sporting, com todas as condições e mais algumas para os jogadores. Para mim, é o maior clube do grego. Concordo que é caótico, é um campeonato muito abaixo do português. Há quatro, cinco equipas em que os jogos são muito bons, mas daí para baixo já são jogos mais fáceis. Mas lá está, tive a sorte de trabalhar num clube muito grande. Deu-me a mão, abriu-me as portas, foi o meu primeiro clube no estrangeiro e correu bem, no primeiro ano fomos campeões, joguei com regularidade. Não podia ter escolhido melhor clube e país para o meu primeiro ano fora de Portugal.

A saída do Olympiakos não foi a melhor e até já admitiu que esperava outro tipo de comunicação por parte do treinador que entrou na altura em que saiu, o Pedro Martins.

Lá está, como adepto nem todos os jogadores me agradam. Isso é perfeitamente normal e nos treinadores isso também acontece. Nunca comprei a ideia de que para os treinadores os jogadores são todos iguais. O Pedro Martins não tinha de gostar de mim como jogador nem tinha de ficar comigo na equipa só porque somos portugueses. Não guardo rancor nenhum, desejo-lhe as maiores felicidades do mundo, mas só gostava que a abordagem tivesse sido outra. Somos portugueses, falamos a mesma língua, bastava um simples telefonema a explicar que não ia dar. O Pedro Martins nunca falou comigo, a não ser o primeiro telefonema que me fez. E durante o processo em que eu estava para sair, nunca teve o cuidado de fazer um telefonema para saber como estava. Acho que isso faz muita diferença. Como digo, não guardo rancor nenhum, mas acho que as coisas podiam ter sido diferentes, só isso.

Principalmente naquela fase em que andou a treinar à parte sem saber nada sobre o futuro?

Sim. Lá está, isso acontece em todos os clubes, não é só no Olympiakos. Tanto que não estava sozinho, estavam dez ou 12 jogadores comigo. Mas o cuidado devia ter sido outro. Isso deu-me bagagem para quando estiver em outros clubes saber que estas situações são possíveis e para estar sempre preparado para isso.

E porquê a ida a seguir para a Polónia? Na altura não houve a possibilidade de regressar a Portugal?

Na altura em que saí do Olympiakos para o Legia Varsóvia, surgiu a hipótese de ir para o Sp. Braga. Falei com o Abel, na altura estava lá. Houve conversas, mas a verdade é que na minha cabeça não fazia sentido voltar a Portugal três anos depois de ter saído.

Porquê?

Financeiramente compensava-me muito mais continuar fora. Quanto dás o que tens, não és obrigado a mais. Foram sempre sinceros comigo. Tive a opção de regressar a Portugal, mas optei pelo Legia, que tinha um treinador português, o Sá Pinto. E a verdade é que foram os anos mais felizes da minha carreira: ganhei dois campeonatos em dois anos seguidos, fui eleito o melhor jogador e melhor médio do campeonato no primeiro ano. As coisas correram lindamente. Tomei a melhor opção.

E a experiência em Israel?

Foi diferente. É um país que não tem nada a ver com os outros em que passei, mesmo a nível de profissionalismo. Não há estágios, mesmo nos jogos fora vamos no nosso carro para os estádios. É totalmente diferente dos países por onde passei. Muito mais do que na Polónia, por exemplo: a Polónia é um país muito rígido, muito profissional. Passava muitas horas no clube, saía muito cedo de casa e chegava tarde, eram pessoas que te obrigavam a seguir à risca os programas. E depois fui para um país que nada tinha a ver, já para não falar do conflito que sempre existiu e que agora escalou [entre Israel e o Hamas]. Eu e a minha família ainda apanhámos um ou dois sustos, mas nada a ver com o que se está a passar agora.

Que tipo de sustos?

É obrigatório todas as casas terem bunkers para as pessoas se fecharem lá quando as sirenes tocam. Ainda tivemos de dormir lá algumas noites, por segurança. As sirenes podiam tocar à noite e nós não acordarmos, então por segurança, optámos por dormir às vezes no bunker para ficarmos seguros. Mas tirando isso é um país bom para viver, com sol quase o ano todo. O campeonato é mais técnico e tático, o que me beneficiou. Consegui ganhar uma Taça, uma Supertaça e foi um ano e meio bom.

Mas a decisão de deixar o Hapoel esteve relacionada com esses sustos?

Não. Para os israelitas é uma coisa perfeitamente normal. Para nós era diferente, mas isso não pesou em nada na minha decisão de deixar Israel. Foi um desgaste entre mim e o clube, também tive algumas lesões, o que não agradou muito a administração. Mas não saí a mal, o clube também não ficou chateado por eu sair, e por um lado ainda bem que foi assim porque passado uns meses aconteceu o que aconteceu. Se lá estivéssemos não sei como teria sido.