Israel, Inglaterra, Sérvia e… Gana.

É este o mapa da longa carreira de Avram Grant, técnico israelita que sucedeu a José Mourinho quando o técnico português foi despedido pela primeira vez do Chelsea, em 2007.

Dois meses depois de ter resignado ao cargo de selecionador do Gana, na sequência da eliminação nas meias-finais do Campeonato Africano das Nações, o experiente treinador passou pelo «The Future of Football», congresso internacional organizado pelo Sporting entre 26 e 27 de abril, e partilhou a experiência de dois anos e quatro meses à frente dos destinos de uma seleção proveniente de um país diferente de tudo a que estava habituado.

Campos com condições terríveis para a prática do futebol, falta conhecimentos especializados e de tecnologia num país onde um futebolista ganha em média 100 dólares por mês (quando ganha), menos do que um trabalhador de uma fábrica. Ainda assim, Avram Grant acredita que o futebol no continente africano tem futuro. No final do congresso, o treinador de 62 anos esteve à conversa com o Maisfutebol.

Porque é que decidiu aceitar o desafio de ser selecionador do Gana depois ter feito toda a carreira em Israel e em países europeus?

A vida é uma questão de tempo. Trabalhei com muitos jogadores africanos que sempre me falaram muito sobre África e isso sempre me impressionou. Falavam-me sobre os problemas. Durante a minha vida os problemas foram desafios para mim.

Tinha essa curiosidade de conhecer uma realidade diferente?

Estava muito curioso e eles apanharam-me num momento da minha vida em que pensei que tinha estado em tantos lugares menos em África. Quando um empresário veio ter comigo com uma oferta do Gana, entendi que era uma boa oportunidade para ver o que se passava lá. Foram bons tempos, conquistámos muito, fomos a uma final inesperada depois do Campeonato do Mundo. É como disse: vivo de desafios e esse foi um grande desafio.

Preparou-se para ele? Falou com outros treinadores, antigos jogadores seus?

Sim. Falei com o Michael Essien, que foi um dos meus melhores jogadores, com o Muntari, com o Didier Drogba…

E o que é que eles lhe disseram?

Que tinha de ser muito forte, que ia encontrar algo a que não estava habituado. Falaram-me sobre coisas fora do campo. Das atitudes das pessoas, dos seus conhecimentos sobre futebol, sobre a imprensa. Vi muita paixão, mas há muito para ser melhorado. Estão muito, muito longe da Europa.

Encontrou aquilo que esperava ou nem por isso?

Fui para lá com o enorme desejo de ajudar a desenvolver o futebol. Fiz muitas pesquisas antes de ir e posso dizer que alcançámos muito. Desenvolvemos muitos aspetos. O que me tem deixado orgulhoso ao longo da carreira é que os jogadores com quem trabalhei eram melhores quando saímos do que quando chegámos. Isso aconteceu em quase todos os clubes onde trabalhei: no Chelsea, no Portsmouth, em Israel. E aconteceu o mesmo no Gana.

Trabalhou com muitos jogadores africanos de topo. Porque é que, por exemplo, as seleções nunca chegam longe em campeonatos do mundo?

Porque ninguém tem talento que chegue para viver apenas do talento. Tem havido melhorias, mas o problema mantém-se. Todos os jogadores africanos que tive eram bons jogadores, boas pessoas, tinham facilidade em aprender. Tinham tudo para ser bem-sucedidos. Mas também são necessárias mais coisas: bons campos, tecnologia. É bom que os jogadores cheguem à Europa cedo, mas se eles [em África] querem desenvolver os jogadores, também têm de desenvolver os campos e o conhecimento em torno do jogo.

Durante a sua intervenção na conferência falou também sobre os empresários que se aproveitam das fragilidades dos jogadores, vendendo-lhes esperança.

O maior negócio falso do mundo é o da esperança. Ter esperança atrás de uma promessa. Os jogadores deixam os países e depois não têm dinheiro para voltar. Isso não se passa apenas em África, mas lá é pior porque não sabem sequer para onde vão.

E não conhecem esses empresários?

Praticamente não há empresários em África. São pessoas das redondezas, sem quaisquer conhecimentos sobre futebol, que tomam conta deles. Se fossem empresários, era muito melhor, porque sabem algo sobre futebol.

Quanto tempo irá demorar para que se trabalhe bem no futebol em África?

Depende das decisões dos governos e da FIFA, que precisa de contribuir. É preciso dar-lhes ferramentas para que os países possam desenvolver. Há muitas boas pessoas em África, pessoas inteligentes e quando os governos decidirem desenvolver realmente o futebol e implementar regras, penso que o continente africano vai chegar a número 1.

É isso que falta?

Falta muito. É preciso dinheiro para investir no desenvolvimento dos treinadores, dos campos e precisam que encontrar patrocinadores. Os governos e a FIFA têm de fazê-lo. Caso contrário, vai continuar tudo igual.

Parece-lhe que a FIFA está muito interessada nisso?

Penso que a FIFA não está a trabalhar da forma mais correta. Enviar alguém de vez em quando para ver como está o futebol não basta. É necessário que essas pessoas estejam lá permanentemente. África é um bom lugar. Adorei trabalhar em África.

Gostaria de voltar a treinar em África?

Para já, dois anos e quatro meses foi bom. Talvez no futuro volte, mas para já estou à procura de um desafio diferente.

Deposita muita esperança no desenvolvimento do futebol africano…

Porque há talento lá. Esse é o aspeto mais importante no futebol. Toda a gente vê Ronaldo e Messi por causa do talento, mas eles têm treinadores para tudo. África tem futuro não só para desenvolver jogadores para a Europa, mas também para eles. Esse dia há-de chegar. Vai demorar algum tempo, mas vai chegar.