Há jogadores que ficam conhecidos pelo talento para o futebol. Outros cujo nome é suficiente para entrar num transe profundo, tentando pescar alguma memória que nos traga um sorriso ou uma lágrima. Outros ainda que são eternizados por coisas que não têm necessariamente a ver com o desporto rei.

Esta história não se inclui em nenhuma destas categorias, mas é provável que o nome do seu protagonista diga alguma coisa aos amantes do futebol, sobretudo aos benfiquistas.

Clésio Baúque, ou simplesmente Clésio, foi uma das muitas apostas de Rui Vitória esta época. Na altura foi apontado pelo técnico encarnado como um valor para o futuro, e o salto para a equipa principal deixava antever isso.

No entanto, o moçambicano viu o seu trajeto na Luz resumir-se a apenas um jogo inacabado em Aveiro, frente ao Tondela, na 9ª jornada do campeonato.

Desde então…desapareceu. Pouco notada foi a sua ausência, assim como a sua partida. Sim, Clésio mudou de clube, pondo fim a uma relação com as águias que teve início em 2012.

Mas vamos por partes. Comecemos pelo início.

«Estava em Moçambique, e o meu empresário apareceu com uma proposta do Benfica. Ele tratou de tudo, não sei como é que ele conseguiu esta proposta. Acabei por sair para o Benfica», começou por dizer ao Maisfutebol.

«Quando cheguei lá receberam-me muito bem e estou feliz por isso. Sempre fui tratado com um filho da casa e sei que vou ser tratado assim sempre, porque mesmo quando os jogadores saem, eles tratam-nos como pessoas da casa. Aliás, ainda recebo o programa do clube, com os jogos», confessou o jogador por entre risos.

Chegou para os juniores, deu um salto na equipa B e, pelo meio, teve uma experiência «muito difícil» pelos norte-americanos do Harrisburg City Islanders. Ao todo foram sensivelmente três anos no clube da Luz. O tempo foi curto mas Clésio guarda várias memórias. Uma em especial.

«O ambiente no balneário é fantástico, tanto na equipa B como na principal. Lembro-me que me equipava no balneário dos B, mas quando passava pelo da equipa principal eles apoiavam-me sempre. Vá para onde for vou recordar-me disso.»

Da guerra ao limpar de armas com o Tondela

Apesar de ter chegado para ocupar uma vaga na frente de ataque, o moçambicano foi sendo adaptado a lateral direito. Um processo que não foi fácil de início, mas do qual não se arrepende.

«Nos primeiros tempos não foi fácil, foi uma grande guerra para recuar. Não aceitava. O treinador a puxar por mim: “tu consegues”, e eu “não mister, nunca vou conseguir”. Então deu-me vários exemplos, como o do Nélson Semedo. Acabei por aceitar o desafio e comecei a treinar a lateral. A certa altura já me senti à vontade para jogar nessa posição», indicou, sublinhado: «Um jogador de futebol, hoje em dia, tem de saber jogar em várias posições, e ganhei algo que não sabia, que era defender. Estou feliz, assim ganhei mais uma posição na minha carreira e é sempre bom jogar onde o treinador acha melhor.»

A verdade é que foi a lateral que acabou por ter a grande oportunidade da sua carreira. Num jogo frente ao Tondela, da 9ª jornada do campeonato, Clésio surgiu no onze inicial escalado por Rui Vitória. Uma memória que o moçambicano ainda hoje guarda com saudade, muito embora tenha terminado mal.

«Fiquei muito emocionado. Quando chegámos ao hotel para descansar, nem consegui dormir a pensar nisso, porque não é fácil jogar numa equipa como o Benfica, e numa posição em que fui adaptado. Fiquei mesmo sem palavras…(Suspiros)…ainda hoje não tenho. Sonho muito com isso ainda, muito»

«Não esperava o apoio que tive dos meus colegas. Chamaram-me e disseram-me: “Joga como treinas e leva este jogo como se fosse um treino, errar é normal, todos erram, somos seres humanos”. O Nuno Gomes mandou-me uma mensagem. O Rui Costa, na hora do jogo, chamou-me e disse-me: “Fica tranquilo e tudo vai correr bem”. O mister Rui Vitória também: “Se te pus a jogar a titular é mérito do teu trabalho, então faz o que sabes”. Aquelas palavras encantaram-me», recorda o jogador, lembrando também o momento de infelicidade que haveria de ter:

«Os meus gémeos prenderam. Estava há algum tempo sem jogar e sem ritmo. São coisas do futebol. Saí de maca, mas aquilo ficou na minha memória. Tenho a camisola que utilizei no jogo em minha casa. Quando chegar a Moçambique vou fazer um quadro para ela e pendurá-lo na sala, para dizer: “Aquela foi a camisola que eu usei no Benfica contra o Tondela”.»

Na altura, o Maisfutebol deu-lhe a conhecer Clésio

Aqueles 64 minutos frente aos tondelenses foram mesmo de fama para Clésio. Em Moçambique, a sua estreia foi vista como um acontecimento, conta:

«Moçambique todo soube (risos). Até as pessoas que não eram do Benfica, mas por saberem que havia um moçambicano a jogar a titular, deixaram de assistir aos jogos das equipas que apoiavam para ver o compatriota jogar. Antes de entrar em campo mandaram-me mensagens a dar-me força. Entrei em campo, fiz o que podia fazer. Só não terminei lá dentro, como queria.»

Olá e adeus!

A aventura de Clésio na equipa principal das águias foi curta, muito curta. Abandonou o Municipal de Aveiro de maca, debaixo de aplausos e depois desapareceu. Regressaria mais tarde a uma convocatória mas não foi opção.

Hoje, quando olha para trás, sente que o facto de não ter sido mais vezes utilizado deveu-se apenas e só a «opções técnicas», mas garante ter aproveitado ao máximo os tempos em que trabalhou com os seniores, realçando o espírito de grupo do conjunto encarnado:

«Quando vamos à equipa principal, temos de ser humildes e respeitar os mais velhos. Chegar lá, trabalhar e respeitar. Só assim pode ter-se a ajuda deles. Nesse aspeto, o Luisão foi muito importante. Não tenho como lhe agradecer. Nos treinos, mesmo sabendo que não jogava na minha posição, puxou sempre muito por mim. Chamava-me, ajudava-me, e isso ficou marcado na minha memória. É mesmo o líder do grupo. Tenho orgulho deles e do campeonato que estão a fazer.»

Agora é nº10 nas margens do Mediterrâneo

Com 21 anos, e depois de três de águia ao peito, Clésio embarcou numa nova aventura. No último mercado de transferências mudou-se em definitivo para o Panetolikos, clube que ocupa atualmente a sétima posição do campeonato da Grécia.

«A minha ida para a Grécia teve muito a ver com o meu representante. Ele achou que era melhor para mim e apresentou-me a proposta do Panetolikos. Aceitei o desafio. Um jogador não pode ficar muito tempo parado, tem de jogar, fazer o que mais gosta. Qualquer um faria o mesmo no meu lugar.»

No novo clube atua na sua posição de origem e herdou até camisola com número de craque, 10. Chegou, viu e estreou-se no encontro imediatamente a seguir, embora não tenha efetuado mais nenhum jogo depois disso.

A fuga para a Grécia foi então uma oportunidade para jogar mais, mas na mente de Clésio continua o sonho de um dia poder regressar à Luz, até porque, segundo o próprio, mantém uma relação próxima com os adeptos encarnados.

«Não fico nada incomodado por ter sido um jogador relâmpago, porque nunca fui esquecido. Aliás, qualquer fotografia que coloco no meu Instagram, estão sempre adeptos do Benfica a puxar por mim, seja onde for, no clube ou na seleção. Os adeptos são muito carinhosos para comigo»

«Se Deus quiser regressarei. As portas não estão fechadas. É só trabalhar e pensar que um dia ainda posso regressar, ou quem sabe ir para outros grandes clubes. O meu percurso não termina aqui», avisa.

Esta foi, no fundo, a história de um mito. Sim porque não? Alguém que alcançou a fama por instantes e eclipsou-se em seguida, ficando apenas na memória dos adeptos.

Agora à distância, Clésio ainda torce pelo Benfica:

«Esta época, se por acaso o Benfica for campeão, terei o orgulho de dizer que fui campeão num dos maiores clubes do mundo.»