Nove golos, uma série interessante de boas exibições, um ano desportivo para Miguel Cardoso recordar. Aos 26 anos, o avançado dos quadros do Dínamo Moscovo mostrou no Belenenses que pode aspirar a uma subida de patamar qualitativo.  

Na entrevista de fim de época ao Maisfutebol, Miguel fala do ano com os azuis do Jamor, elogia o treinador Petit e recorda os dias em que foi descoberto pelo Deportivo da Corunha nos distritais de Lisboa. 

O salto gigante levou-o para a Galiza e para uma estreia na liga espanhola que jamais esquecerá. Lionel Messi assistiu a tudo, no mesmo relvado de Miguel. O 'rookie' fez o passe para o primeiro golo dos galegos, já depois de mandar uma bola à trave.

PARTE II: «Levámos 10-0 do Benfica e mesmo assim fui contratado»

Maisfutebol – Com que sensações acaba a época no Belenenses. Fez nove golos, foi sempre uma opção importante para o treinador Petit.

Miguel Cardoso – Saio com a sensação de dever cumprido. Vim com o intuito de jogar e ser importante na equipa. E queria ajudar a alcançar a manutenção. Conseguimos tudo. Joguei muitas vezes e deixámos a equipa na I Liga.

MF – A equipa continua sem poder jogar no Restelo. Que condições de trabalho encontrou neste Belenenses?

MC – Trabalhámos sempre bem porque o grupo era irreverente e não virava a cara à luta. Mas a qualidade das infraestruturas não era perfeita. No inverno sentimos mais isso. Estivemos muito tempo sem poder treinar no Jamor, devido às más condições do relvado. Fomos tentando dar a volta à situação, com imaginação.

MF – Já tinha trabalhado com o Petit em Tondela. Quando se diz que ele é um treinador mais preocupado com o lado defensivo, o Miguel concorda?

MC – Esse rótulo não é justo para ele. Não é só um treinador defensivo. O Petit tem apanhado equipas que só lutam pela permanência, muitas vezes entra a meio da época e se calhar é obrigado a ser mais pragmático. Este ano não foi assim e o Petit fez a época completa. Os resultados estão à vista e na segunda volta acho que o trabalho dele foi mais valorizado pela comunicação social. Não é justo dizer que é ‘o treinador dos milagres’ ou ‘o treinador das manutenções’. É mais do que isso.

MF – Gosta, então, do Petit como treinador?

MC – Muito, tenho uma imagem muito boa dele. Gostei de trabalhar com ele em Tondela e confirmei isso este ano no Belenenses.

MF – Que Belenenses criou o Petit ao longo da temporada?

MC – O Belenenses fez um campeonato em crescendo. A segunda volta foi muito melhor do que a primeira. Na primeira não fizemos muitos golos, não estávamos com as dinâmicas ideais na frente. Até criávamos oportunidades, mas não finalizávamos bem. Fomos uma equipa quase sempre com três centrais no processo ofensivo e uma linha de cinco a defender. Era a estratégia ideal para a equipa. Adotámos, a dada altura da Liga, as transições como forma de jogar e foi isso que nos deu mais pontos na segunda volta. Organizados, unidos e muito fortes a sair para o ataque.

MF – Fez nove golos esta época, o seu melhor registo em Portugal. Tinha estabelecido alguma meta pessoal?

MC – Sabia que os golos iam aparecer. Joguei na direita, na esquerda e até no meio. Gostei de jogar no meio. Não tracei uma meta de golos. Queria era jogar muito, ter regularidade e depois ir fazendo golos. Não estava obcecado com isso.

MF – Tem contrato com o Dínamo de Moscovo até quando?

MC – Mais um ano, até junho de 2022.

MF – O que pretende para a sua carreira? Vai rescindir, terá mais uma oportunidade na Rússia, jogará mais uma época noutro clube por empréstimo.

MC – Depende sempre do Dínamo. Tenho falado com o meu empresário, ver o que é melhor para mim. O mais provável é que o meu futuro passe por outro clube, acredito. Por empréstimo ou não. Mas sou jogador do Dínamo e eles têm a última palavra.

MF – No primeiro ano no Dínamo ainda jogou com regularidade. Depois perdeu influência. Que clube encontrou na Rússia?

MC – Encontrei um clube muito organizado à chegada e completamente o oposto à saída. Seis meses depois de eu chegar, o Dínamo mudou tudo: direção, equipa técnica e muitos jogadores. No primeiro ano estive bem. Na segunda perdi protagonismo, também por culpa de todas estas trocas, e optámos por um regresso a casa, até por culpa da pandemia.

MF – Que tal a experiência de viver em Moscovo, uma cidade caótica em muitos sentidos.

MC – É verdade (risos). Primeiro fui sozinho, depois esteve lá a minha mulher. Entretanto ficou grávida e voltou a Portugal, onde nasceu a nossa menina. Disseram-me logo que o trânsito era de loucos e por isso fiquei a viver perto do centro de treinos. Quis evitar as grandes viagens. Só para dar um exemplo: eu vivia a 20 quilómetros do centro e demorava uma hora e meia a lá chegar, isto sem ser em horas de ponta. Nas horas de ponta eram mais de duas horas. Muita gente, muito trânsito e no inverno ainda pior. Moscovo é uma cidade que se estranha, mas que depois se entranha.

MF – Vive-se com qualidade em Moscovo?

MC – É uma cidade de extremos. Não há um meio-termo. Há gente extremamente rica e também muito, muito pobre.

MF – Financeiramente valeu a pena assinar pelo Dínamo?

MC – O Dínamo teve uma fase em que teve muito dinheiro, por volta de 2005. Depois tiveram uma crise e chegaram mesmo a descer de divisão. Comigo nunca se atrasaram no pagamento, nunca falharam com nada. Desportivamente, é verdade, a segunda época não me correu bem. Mas nada tenho a apontar ao clube. Zero.

MF – Já esteve em Espanha e na Rússia. Tem vontade de fazer uma terceira experiência no estrangeiro ou dá prioridade a Portugal?

MC – Estou disponível para tudo. Depende do país, do projeto, da cidade, do clube e das ambições. Tenho de juntar tudo isto e decidir. Claro que é ótimo estar em Portugal, mas não é fácil jogar cá mais uma temporada por empréstimo. Lá fora as condições são outras. Não me esqueço que fui contratado pelo Deportivo quando ainda jogava nos distritais da AF Lisboa [Real de Massamá].

MF – Como é que o Deportivo descobriu um jogador nos distritais de Lisboa?

MC – Estava a fazer o meu primeiro ano de sénior e em janeiro o meu empresário ligou-me e disse-me que havia essa possibilidade. Apanhou-me de surpresa e disse-me que o clube observava muito os campeonatos secundários em Portugal. Acho que só tive a noção da real grandeza do Deportivo ao chegar lá. Mesmo que tenha ido para a equipa B do Depor. A diferença de condições era enorme, mas acho que estive à altura e foi a liga onde mais me senti realizado e onde mais me diverti. Identificava-me com a forma de jogar deles.

MF – A sua estreia na liga espanhola foi em Camp Nou. O Miguel entrou aos 70 minutos, o Depor estava a perder 2-0 e conseguiu empatar 2-2.

MC – Certíssimo. Nunca tinha entrado e nunca pensei entrar nesse jogo. Fui aquecer, entrei e foi uma felicidade tremenda. Entrei e fiz uma assistência para golo. Empatar no Camp Nou… Messi, Suárez, Iniesta, enfim.

VÍDEO: o remate à barra e o passe para o primeiro do Depor no Camp Nou (a partir dos 55s)

MF – Que sensação teve ao estar no mesmo relvado de todos esses futebolistas?

MC – É um jogo inesquecível na minha carreira e um sonho realizado. Estar no mesmo relvado desses craques é o máximo a que alguém pode aspirar.

MF – Resistiu à tentação de pedir a camisola ao Messi?

MC – Por acaso pensei nisso (risos). Mas preferi guardar a camisola da minha estreia. Nessa ninguém toca. Não andei muito perto do Messi no relvado, mas cruzei-me com o Iniesta e tivemos uma disputa um bocado acesa. Ele até caiu para fora do campo, foi engraçado.

MF – Depois não teve continuidade no Deportivo. Porquê?

MC – Foi uma surpresa para mim. Estava numa fase de afirmação, a jogar com mais regularidade e em janeiro o treinador e o diretor desportivo vieram falar comigo. Disseram-me que o ideal era sair para jogar, ganhar minutos e voltar. Mas as coisas no União da Madeira correram mal. Joguei pouco e descemos de divisão. Depois disso rescindi com o Deportivo. Não contavam comigo e surgiu o Tondela. Deram-me a mão e fiz duas boas épocas lá.