Fernando descobriu o prazer de jogar futebol nas ruas de Crestuma, vila na margem sul do Douro, já para lá da Ponte do Freixo. Porém, o jovem deu os primeiros passos na Zona Histórica do Porto, entre a Sé e a Ribeira, entre a Rua Escura e a Ponte D. Luís.

Em longa entrevista ao Maisfutebol, o lateral direito sorriu quando lhe perguntámos pelos meninos que saltam dos tabuleiros da Ponte D. Luís para as águas do Rio Douro. Um postal da cidade que entretém os turistas mas acarreta sérios riscos.

«Eu já fui um desses miúdos. Já dei grandes saltos da ponte», revela Fernando Fonseca, sem disfarçar o inegável orgulho pelas suas raízes.

Fernando fez-se na Sé, na Ribeira, em Crestuma, no FC Porto. Eis os primeiros passos de um caminho feito de trabalho e superação.

Fernando, como é que tudo começou para si, onde é que deu os primeiros passos?

«Cresci no Porto, entre a Sé e a Ribeira, até aos quatro anos. Depois os meus pais separaram-se e eu fui para Crestuma com a minha mãe. Se não tivesse ido para a vila, não sei se estava aqui no FC Porto, porque é um espaço diferente, podes estar na rua a jogar futebol a meio da tarde, só passa um carro na rua de hora em hora. Tens espaço, tranquilidade, natureza…»

E que recordações ficaram desses primeiros anos na zona da Ribeira?

«Não foi onde cresci mas recordo-me dos fins-de-semana em que lá ia e ainda hoje lá vou, ter com amigos, com a família. Comecei a crescer ali, mais propriamente na Rua Escura. O meu pai é de lá e a minha avó ainda lá mora.»

Tinha amigos daqueles que saltam da Ponte D. Luís para o rio Douro?

«Não sei se devia dizer isto, mas eu também já fui um desses miúdos. Já dei grandes saltos da ponte!»

Já agora, porque é que os miúdos fazem isso?

«É por adrenalina pura. A adrenalina corre-me no sangue e vivo o momento, sempre ao máximo. Há pessoas que ficam incomodadas comigo porque eu nunca fico chateado. Vivo a vida ao máximo, sempre a sorrir, podem atirar-me ao chão, posso saber que não jogo, mas vou sempre para o treino a rir. Quando isso não acontece, as pessoas notam logo. Sou o mais brincalhão da equipa, não consigo parar quieto.»

Sente que se tivesse ficado na Ribeira, a vida seria diferente?

«As pessoas metem um carimbo, mas o que há na Ribeira há em todo o mundo, há em Crestuma, há em outros sítios. A diferença da Ribeira é que as pessoas no Porto não têm vergonha de mostrar o que são, de mandar um berro na rua, de dar um cachaço e fugir, etc. As pessoas de fora é que colocam um rótulo errado à Ribeira. Já me disseram para deixar amizades que não devia ter, mas se cheguei aqui com essas amizades, não é agora que vou mudar. Sei de onde vim e sei para onde vou. Tenho objetivos e vou cumpri-los, esteja quem estiver ao meu lado ou contra mim.»

Entretanto foi para Crestuma, foi lá que ganhou a paixão pelo futebol?

«Sim, lembro-me bem de quando ia buscar o meu primo à escola. Ele é dois anos mais velho que eu. Eu ia busca-lo à escola mas sempre com a bola nos pés. De casa da minha avó à escola eram cinco minutos e eu ia sempre a dar toques, pela rua acima, todos os dias. Era a Escola Básica Urbano dos Santos Moura, foi a escola que me acompanhou do primeiro ao quarto ano, antes de me mudar para o Olival, mas sempre com a bola nos pés.»

E quando é que passa a jogar numa equipa?

«Comecei mais a sério com seis, sete anos, no Crestuma, com o mister Bruno Guedes. Eram jogos entre aldeias, Crestuma, Olival, nada federado. Comecei aí, no futsal, e foi amor à primeira vista. Não há palavras.»

Mais alguém da sua família joga futebol?

«O futebol foi algo que surgiu em mim, sozinho. Vi uma bola, dei um chuto, gostei e pronto, ficou. Não sei fazer outra coisa. Tenho é um primo, Fábio Guil, que tinha o sonho de ser jogador profissional, estou eu a concretizá-lo e ele está muito feliz por mim. Ele ainda joga, joga no Canelas 2010.»

Como surge depois a oportunidade de ir para o Boavista?

«Foi o mister Bruno Guedes que me convidou. Ele trabalhava com o Crestuma mas era treinador no Boavista. Tinha eu oito/nove anos. Fui treinar, quiseram-me e passei a jogar lá, nos Panterinhas, com o professor Telmo e o professor Admar, que foram muito importantes na pessoa que sou hoje. Nessa altura vim para a cidade, conheci novos amigos, os treinos eram ao final da tarde na Pasteleira, tinha colegas de bairro, daquelas zonas, foi algo que me fez crescer. Era o mister Bruno Guedes que me levava, ele ou o meu padrasto.»

Após dois anos no Boavista, chega um convite do FC Porto. Como aconteceu?

«Foi um momento único, que me deixou sem palavras. Fiquei empolgado, ainda por cima sendo adepto do clube. Tão novinho…aí é que começas a pensar de forma diferente, a pensar que se calhar há ali qualquer coisa em ti. Quero dizer também que se não fosse o meu padrasto, que trato como um pai, se calhar não estava aqui. Eu era uma pessoa muito rebelde, tinha de ser tudo à minha maneira e às vezes na escola não dava certo. A minha mãe dizia que eu não podia ir aos jogos mas ele convencia-a do contrário. Ele trabalhava nas piscinas e era (ainda é) músico, trabalhava até de madrugada no bar mas às oito lá estava acordado para me ir levar. Se há pessoa a quem dedico as vitórias e as conquistas, é a ele.»

Cresceu em Crestuma, bem próximo de Olival. Acha que foi o destino?

«Por acaso, conhecia o Centro de Treinos porque os seniores do Crestuma jogam lá. O meu avô (do lado do meu padrasto) foi presidente do Crestuma, o meu tio foi lá guarda-redes. É verdade que estava ali perto mas tive de lutar pelas coisas para chegar ao Olival como jogador.»

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