Uma maratona, assim define Jesualdo Ferreira o ano que passou no Egipto e que terminou com a conquista do título no Zamalek, o primeiro do português no estrangeiro e também o primeiro após uma seca que já durava há seis anos.

Foi em 2008/09, pelo FC Porto, que o técnico conquistou pela última vez um «caneco». Desde então nada, apenas recordações. Mas isso mudou.

«Já tinha saudades de ser campeão. Na Grécia, pelo Panathinaikos, fui quase, mas na altura o Olympiakos teve de servir-se de meios ilícitos para conquistar o título. Continuo a achar que os títulos ganham-se com os mais poderosos, independentemente da qualidade dos treinadores. Seis anos passaram, e não me vou esquecer dos títulos como adjunto do Benfica, foram muito importantes. Para mim era muito importante voltar a ganhar», afirmou, em entrevista ao Maisfutebol.



Trinta e oito jogos, 26 vitórias e 9 empates, foram estes os números da campanha vitoriosa do Zamalek no campeonato, e que permitiram festejar o título no sofá, beneficiando da larga vantagem pontual sobre Al-Ahly. O registo valeu também para a distinção de Jesualdo Ferreira como Treinador do Ano para a associação de jogadores do Egipto.

«Tem um significado especial ter sido eleito pelos jogadores, porque o nosso trabalho é com eles e os meus foram muito importantes. Este prémio é para dividir com muita gente, todos os que jogam comigo. O Jaime Pacheco teve muita importância também, pelo trabalho que fez. É importante que seja valorizado, representa um trabalho positivo. Fomos campeões onze anos depois, e estamos no top 2 dos clubes com mais títulos em África. Vamos ver agora quando chegar», indicou o técnico, que aponta baterias à conquista de mais três títulos nos próximos três meses.
 
Reagir à tragédia

A aventura no Egipto prossegue durante mais um ano, após ter acertado a renovação com o Zamalek. A ligação ao clube e ao futebol egípcio aconteceu muito rapidamente, pese embora o facto de ter começado da pior maneira.



Já no Cairo, para assinar pelo Zamalek, Jesualdo assistiu a uma tragédia envolvendo adeptos do clube e a polícia, que resultou em 22 mortos e adiou a cerimónia da apresentação. Após esses confrontos, o campeonato foi suspenso durante um período de quase dois meses, tempo esse que ajudou o treinador a assimilar processos.

«O período após a tragédia permitiu-nos trabalhar com mais serenidade, para analisar bem a estratégia e assimilar processos de jogo», confirmou, assegurando mesmo assim que nunca pensou voltar atrás na decisão de treinar no Egipto.

«Nunca pensei recuar na minha decisão. Não fui para lá à espera de nada que não fosse poder trabalhar e ganhar», sublinhou o técnico, que encontrou na resiliência da equipa o principal motivo para ter renovado contrato.

«Aquela equipa foi capaz de resistir a tanta coisa desfavorável à competição. Isso foi muito importante para eu continuar. Fizemos 32 jogos em quatro meses, foi uma maratona incrível, é praticamente um campeonato, faz-se numa época inteira», frisou.
 
Jogar sem público no meio da paixão imensa

Idolatrado pelos adeptos do Zamalek, a vida de Jesualdo no Egipto está longe de ser tranquila, sobretudo fora dos relvados.

«É muito complicado andar nas ruas. Cada egípcio tem um telemóvel com camara fotográfica e até brigam por causa da posição que querem nas fotos. Às vezes tenho que fugir e refugiar-me um pouco como é normal», admitiu.



Uma paixão que fica à porta do estádio. Lá dentro a história é diferente, uma vez que subsiste o vazio das bancadas. Depois da tragédia do Cairo, agravada também pela de Port Said, cerca de dois anos antes, a federação egípcia decidiu interditar os estádios de futebol aos adeptos.

«Ninguém faz ideia de como funciona a paixão no Egipto. Não há público…jogamos sem público e a paixão mantém-se. No entanto não pode haver futebol sem público, tem de se resolver esse problema, era fantástico assistir aquilo tudo», reiterou.

Um desejo do técnico para os próximos tempos, até porque o ponto final na carreira é algo que não lhe tira o sono. Aos 69 anos, Jesualdo mantém a fome de futebol.

«Não sei até quando vou treinar, não tenho resposta para isso, vai acabar um dia, mas quando e como não sei. Não penso nisso», terminou dizendo.

Chegou, viu e venceu. Na maratona do Egipto, Jesualdo Ferreira cruzou a meta em primeiro lugar, e logo na estreia, provando que nunca é tarde para conquistar a glória no futebol.

A entrevista continua com os seguintes artigos:

Jesualdo Ferreira: «Benfica parte em vantagem por ser o campeão»

Jesualdo Ferreira sobre Shikabala: «Empréstimo foi a melhor decisão»