Tinha 15 anos quando o bichinho de orientar uma equipa começou a superar a vontade de jogar futebol. Uns anos mais tarde, decidiu-se de vez pelas táticas, deixando a bola nos pés para quem tinha mais jeito do que ele.

Julio Velázquez, treinador de 34 anos que em dezembro passado substituiu Ricardo Sá Pinto no comando técnico do Belenenses, define-se como um defensor do futebol de ataque. Mais do que isso, de bom futebol, que diz ser um compromisso inegociável com os adeptos. «Há que estimar quem paga bilhete, tentar que o que se faz em campo seja belo para o espectador. Estamos a falar de um desporto que para mim foi concebido para ser um espetáculo», aponta.

A vida corre bem ao treinador mais jovem da I Liga. Depois de ter resgatado os azuis do Restelo de uma situação periclitante na classificação, a equipa está agora num seguro 11.º lugar. A Liga Europa está à distância de seis pontos, mas o técnico espanhol diz que o objetivo passa apenas por garantir matematicamente a manutenção, até porque foi para isso que o contrataram. Depois? Depois logo se vê. «O 10.º lugar é melhor do que o 11.º e o 12.º é melhor do que o 13.º.»

Como é que o miúdo se torna treinador aos 15 anos?

Por questões de vocação. Sempre gostei do tema dos sistemas táticos. Desde novo que tenho essa curiosidade. Não tinha interesse em treinar por treinar, mas sim em tentar compreender o jogo. Comecei a treinar miúdos mais jovens e fui subindo até chegar ao futebol profissional. Estou muito satisfeito como tudo tem corrido.

Mas também jogava futebol.

Sim. Nos primeiros anos ainda, até aos 21 ou 22 anos consegui conciliar mas depois optei pelo treino porque preenchia-me mais. Era o que eu realmente gostava.

Perdeu-se um bom jogador?

Não, não. Se jogasse melhor certamente que teria continuado. Mas era um entre muitos, apenas mais um.

Em que posição jogava?

A central e a lateral direito nas equipas jovens do Valladolid. Pero bueno, fazíamos o que podíamos. Não me parece que podia ter sido um bom jogador. Com o passar dos anos começamos a entender melhor o jogo e creio que não. Claramente, que o que me despertava curiosidade era o treino, a compreensão do jogo. Era isso que me motivava.

Com 18 anos (1.º a contar da direita), na equipa de juvenis do UD Sur Valladolid

Qual foi a primeira equipa que orientou no futebol sénior?

O Peña Respuela, uma equipa da 1.ª divisão regional em Santander, onde eu estava a estudar. 1.ª regional é quarta, quinta… sexta categoria do futebol espanhol, da região de Cantábria.

O que estudava em Santander?

Primeiro marketing e depois educação física.

A ideia era continuar ligado ao futebol?

Tinha a clara intenção de estar ligado profissionalmente ao futebol e como treinador. Mas sabia que precisava de ter uma forma académica paralela. Por isso estudei primeiro marketing, depois educação física e o mestrado em preparação física.

Desde que comecei a treinar na categoria sénior que tenho jogadores mais velhos. Ainda agora isso se passa...»

Que idade tinha quando treinou o Peña Respuela?

Vinte e um anos.

E tinha muitos jogadores mais velhos…

Sim, sim. Com 33, 32 anos. Desde que comecei a treinar na categoria sénior que tenho jogadores mais velhos. Ainda agora isso se passa, embora sejam cada vez menos. Estou a ficar mais velho e já não há praticamente casos [sorriso].

É fácil para um treinador tão novo conquistar o respeito de jogadores mais velhos e possivelmente mais vividos no futebol?

Quando há respeito não tem de haver nenhum problema. Umas vezes consegues conquistá-los, noutras não. Há que conviver com essa realidade. Mas isso acontece a ti como a quem esteve em cinco campeonatos do Mundo.

Mas o mundo do futebol profissional não é mais difícil para um treinador jovem?

Para mim é igual para alguém com 60 anos ou para um treinador com 34 anos, como é o meu caso. Mais importante do que a idade é o que se transmite como pessoa, profissional. As relações humanas. A partir daí, o que tens de fazer é ser convincente no teu trabalho, tentar que o grupo entenda a tua mensagem. O resto não se pode controlar. Vivemos numa sociedade resultadista. Tenhas 200, 100 ou 30 anos, se ganhas vão acreditar mais em ti, se perder vão acreditar menos. Não penso que se critique mais ou menos em função da idade que o treinador tenha. A idade é indiferente.

São muito raros os casos de treinadores espanhóis com sucesso em Portugal. Porque acha que isso acontece?

Não faço ideia. Nos tempos que vivemos, para mim é igual que uma pessoa seja do Japão, da Moldávia, da Espanha ou de Portugal. Penso que estamos numa sociedade totalmente globalizada e a partir daí julgo que não se pode extrapolar as experiências de umas pessoas para outras. Cada pessoa é diferente. Para o bom e para o mau.

O que falhou, por exemplo, com Julen Lopetegui no FC Porto?

Sobre isso não me pronuncio. Respeito todos os profissionais, os meus companheiros. Se acertam ou se falham, isso não me diz respeito. Não sou ninguém para avaliar o que falhou ou não. Fiquei triste pela saída dele, como ficaria se ele fosse japonês, polaco ou indiano. Somos todos companheiros.

Quando estava em Espanha era habitual vir a Portugal assistir a jogos. Terá faltado isso a esses treinadores? Verem mais jogos de equipas da I e II ligas como o Julio Velázquez?

Não sei o que faz falta. Sei o que eu faço. Estamos numa profissão em que os processos podem ser muito maus e os resultados finais ótimos. Também pode acontecer trabalhar-se muito, muito bem e os resultados não serem ótimos. Eu olho para a profissão da forma que acho mais adequada. Não significa que seja melhor ou pior, nem que vá ganhar mais ou menos do que outros treinadores.

Mas porque é que vinha a Portugal?

Por vários motivos. Comecei a vir quando treinava os sub-19 do Valladolid e um dos mercados que tinha de ver era o do futebol português. A partir daí fiquei encantado com o futebol de Portugal. Acompanhava por hobby e porque gosto do futebol português e do país. Mas se queres estar no mundo do futebol, tens de conhecer o mercado, os jogadores, as ligas e estar preparado para o que possa surgir de um momento para o outro, como me aconteceu agora. Vi muito futebol cá. Jogos da I Liga, da II Liga, jogos das equipas B… Conheço praticamente todos os estádios dos clubes da I e II divisões, tal como os centros de treino, onde jogam a equipas B.

É um apaixonado por futebol?

Sim. Sou apaixonado por este desporto. Vivo-o 24 sobre 24 horas, 365 dias por ano.

E viu muitos jogos do Belenenses?

Noutras épocas sim. Nesta não vi nenhum. Mas visitei muitas vezes o Restelo noutras épocas. Já sabia o que era o Belenenses, o que era Belém e Lisboa. Conheço bem tudo isso.

Tanto em Espanha como em Portugal, segue-se muitíssimo o futebol, seja pelos adeptos, pela televisão ou pelos jornais»

Isso facilitou de certa forma a sua integração ao clube quando chegou em dezembro?

Não. O que facilitou foi o facto de o Belenenses ser um clube muito familiar, com boas pessoas e gente trabalhadora, que ajuda que a integração de qualquer pessoa se torne mais fácil. Isso facilitou a integração de toda a equipa técnica.

Há muitas diferenças entre o futebol português e o espanhol?

Há sempre diferenças. São países diferentes com culturas diferentes e, por isso, há formas diferentes de se trabalhar. Nem melhores nem piores. Mas o futebol é futebol em qualquer lado. Portugal assemelha-se a Espanha em muitas coisas. No acompanhamento diário dos meios de comunicação as semelhanças são brutais. Tanto em Espanha como em Portugal, segue-se muitíssimo o futebol, seja pelos adeptos, pela televisão ou pelos jornais.

Na estreia pelo Belenenses, a 21 de dezembro. Os azuis do Restelo venceram em casa o Boavista por 1-0

Quando chegou em dezembro ao Belenenses, a equipa estava apenas três pontos acima da linha de água. Encontrou um grupo fragilizado?

Não. Encontrei um balneário muito bom, com excelentes pessoas e gente muito trabalhadora. É claro que quando estás a esses pontos da descida, a situação é delicada, mas graças ao trabalho dos jogadores conseguimos tirar a equipa do lugar onde estava. Agora estamos dez pontos acima da zona de descida. Isso diz muito sobre a equipa, os jogadores e sobre o trabalho que temos realizado.

É fácil chegar uma equipa onde se herda jogadores que não se escolhe e pô-la a jogar um futebol com outras ideias?

O futebol não é nosso! O futebol é dos jogadores. Nós estamos lá para tentar implementar qualidades. O fundamental é ter capacidade de adaptação.

Quem é mais importante são os futebolistas e os adeptos. Nós [treinadores] só temos de tentar incomodar o menos possível»

Na antevisão do jogo com o Benfica para o campeonato (0-5), em fevereiro, disse que não ia para esse jogo com uma preocupação excessivamente defensiva. Disse ainda que, se fosse para isso, preferia nem ser treinador. Tem dificuldade em perceber os treinadores demasiado conservadores?

Não, não. Fundamentalmente, eu entendo o jogo de uma forma. Estamos a falar de um desporto que para mim foi concebido para ser um espetáculo. Por isso, há que estimar quem paga bilhetes, tentar que o que se faz em campo seja belo para o espectador. Mas respeito todo o tipo de abordagens.

(…)

Aquilo que eu defendo vocês [jornalistas] já sabem. Tentar que sejamos protagonistas, tentar jogar no meio campo do adversário, procurar constantemente a baliza contrária. Sou um defensor do futebol de ataque, bem jogado. Mas cada um é livre de preparar os jogos como acha mais conveniente.

O respeito pelos adeptos é assim tão importante para si?

Sim. Creio que isso é fundamental. Este desporto está relacionado com paixão, sentimento pelo escudo. Os adeptos são fundamentais neste desporto. Quem é mais importante são os futebolistas e os adeptos. Nós [treinadores] só temos de tentar incomodar o menos possível.

Mas também pode dar-se o caso de jogar bem e não ganhar. Aí também não se agrada aos adeptos.

Bueno. Estamos numa sociedade resultadista. Na minha vida, não só no futebol, não valorizo só isso. Valorizo a forma como as coisas são feitas. Tento que isso vá ao encontro da minha maneira de pensar e de agir. O importante é deitar-me à noite tranquilo com a minha consciência. Se me sair a quiniela [totobola] compro um Mercedes de 200 mil euros. Mas, se para conseguir comprar esse carro tiver de trabalhar uma vida inteira, valorizo muito mais o Mercedes. O que quero dizer é que, para mim, é muito importante a forma como se atingem as coisas: o caminho e o processo.

Sente que a jogarem da forma que defende, as suas equipas estão sempre mais perto de ganhar?

Entendo que sim. Mas também depende do que a outra equipa permite. No campo, umas vezes consegues o que queres e noutras vai até onde podes.

Está há mais de três meses no Belenenses. A equipa já joga à sua imagem?

Não quero que jogue à minha imagem. Quero que a equipa jogue o que o potencial dos jogadores permite. Esse é o meu objetivo. Mas estou muito feliz pelo modo como tudo se tem desenvolvido. Quando chegámos, estávamos numa situação dificílima, animicamente abalados.

O que é que ainda é possível melhorar? O Belenenses ainda é a equipa mais batida do campeonato.

Quando chegámos havia uma diferença brutal em relação a isso. Reduzimos a média de golos sofridos e isso é muito positivo. Esperamos manter isso até ao final da temporada.

Onde quer chegar este Belenenses?

A manutenção ainda não está matematicamente garantida. Em condições normais, 30 ou 31 pontos deveriam bastar. Temos 33, mas nunca se sabe. Dependerá do que fizerem as equipas que estão abaixo de nós.

Entretanto, deixou de se falar na descida de divisão e agora o tema é a Liga Europa…

Respeito as perguntas. Se contabilizássemos as jornadas que disputámos desde que chegámos, seríamos o sexto classificado da Liga, atrás do Arouca e empatados com o Estoril. Têm-se feito muitas coisas bem, mas o mais importante é conseguir a manutenção, que é para isso que fomos contratados. A Liga Europa é para outras equipas que já tinham essas ambições quando nós chegámos. Há outras equipas com essa obrigação.

Renovou há um mês até 2018. Quais são os objetivos para as próximas duas épocas?

No ano que vem é ficar na primeira metade da classificação, entre os nove primeiros.

Costuma ver jogos da formação do Belenenses?

Quando posso, sim. Vejo.

Há jogadores com potencial para serem absorvidos pela equipa principal?

Depende das circunstâncias. Posso dizer que bons jogadores nas categorias inferiores do Belenenses, que foi sempre um clube com tradição de dar bons jogadores à equipa principal. Chegar à primeira equipa depende de 25 mil variáveis. Muitas vezem nem nós as conseguimos controlar.

José Luís, diretor desportivo do Belenenses, deu uma entrevista ao jornal A Bola, onde se queixou do facto de os juniores estarem proibidos pelo clube de treinar com a equipa sénior. Sente que as relações tensas entre o clube e a SAD afetam o seu trabalho?

Não! Obviamente que seria melhor ter uma filial ou poder contar com miúdos dos sub-19 para competir. Mas cabe-nos encontrar soluções no plantel que temos.

O Sporting tem um 'equipazo'! Basta ver os jogadores que deram às seleções nacionais nesta semana»

O próximo jogo do Belenenses para o campeonato é contra o Sporting. Vai jogar contra a equipa que melhor futebol pratica em Portugal?

O Sporting é uma equipa com as suas caraterísticas. Não vou dizer se é a melhor ou a pior. É uma grande equipa, com excelentes futebolistas e um ótimo treinador. Uma equipa que aspira a ganhar a Liga, como o Benfica e o FC Porto. Depois, há equipas que jogam muito bem mas que não têm potencial económico que lhes permite lutar pela Liga.

Mas gosta do estilo de jogo do Sporting?

Tem um jogo atrativo. Vai ser um adversário muito difícil, num jogo em que não temos nada a perder e tudo a ganhar. Eles têm de ganhar para continuar na luta pelo título. Tentaremos ser competitivos e desfrutar do jogo, com a consciência de que o Sporting tem um equipazo. Um equipazo! Basta ver os jogadores que deram às seleções nacionais nesta semana.

O Belenenses vai tentar jogar com a pressão que está do lado do Sporting?

Pressão? Os grandes futebolistas não têm pressão.

Jorge Jesus já disse várias vezes que os treinadores portugueses são os mais evoluídos taticamente a nível mundial. Como treinador espanhol, o que tem a dizer sobre estas declarações?

Respeito todas as opiniões. Em Portugal há grandes treinadores e Jorge Jesus é um deles. Mas também há enormes treinadores em Espanha, na Itália, na Alemanha, na Bélgica… Mas no caso dele, trata-se de um grande treinador a nível mundial. Conquistou coisas muito importantes nos clubes por onde passou.

Que balanço faz destes primeiros meses no Belenenses?

Estou muito feliz no clube, em Lisboa, em Portugal e no futebol português. O objetivo é continuar a desfrutar todos os dias. Encontrei um clube familiar, humilde e trabalhador.