28 meses depois, Paulo Fonseca volta a dar uma longa entrevista ao Maisfutebol. Entre janeiro de 2013 e maio de 2015 muita coisa mudou na carreira do treinador, menos o clube onde trabalha.

Aos 42 anos, após uma passagem de má memória pelo FC Porto, o técnico está de volta ao Paços Ferreira e a lutar por devolver os castores a uma competição da UEFA.

Depois de orientar um treino à porta fechada, Paulo Fonseca senta-se para conversar com o nosso jornal durante uma hora. Com a simplicidade e a abertura habituais.

Nenhuma pergunta fica sem resposta, Fonseca não foge a qualquer tema, mesmo aos mais sensíveis.

A temporada fantástica na Mata Real é uma parte importante do diálogo, bem como os meses de desassossego no Estádio do Dragão. O tom é sereno, repleto de sorrisos, semelhante ao evidenciado no inverno de 2013, muito antes da mudança para o FC Porto.

De fato de treino, barba rala, sem pressa nem tabus, Paulo Fonseca está definitivamente de regresso aos dias felizes, os mesmos que o colocaram no topo da agenda mediática no verão de 2014.

Senhoras e senhores, eis Paulo Fonseca, mais um treinador português em excelente forma.

 

O convite para o regresso ao Paços foi um risco ou uma oportunidade?
Na perspetiva dos outros foi um risco muito grande. Foram muitas as pessoas que me aconselharam a não regressar. Para mim foi um regresso emocional. Passei um ano difícil no FC Porto, estive três meses em casa e a minha paixão pelo treino está acima de tudo. Quis recuperar essa paixão: treinar diariamente e ter a adrenalina dos jogos. No Paços sabia que recuperaria esse sentimento tão forte. Queria voltar a ser feliz e ter prazer no dia a dia, sabendo que estava a assumir uma opção de risco. Quando confiamos no nosso trabalho, esse risco é mais baixo e achei que estavam reunidas as condições para voltar.

Disse que foi aconselhado a não regressar ao Paços. Por quem?
Por quase todas as pessoas (risos). Devo ter sido o primeiro treinador a sair de um clube grande e a assumir de imediato um emblema da dimensão do Paços. Disseram-me que era melhor esperar e que surgiriam outras propostas. Na verdade, até surgiram, do estrangeiro. Eram projetos pouco aliciantes do ponto de vista desportivo, apesar de serem financeiramente tentadores. Valorizo muito mais a vertente desportiva do que a financeira e aqui estou.

Melhorar o terceiro lugar de 2012/13 seria, à partida, impossível. A que objetivos se propôs nesta segunda passagem pela Mata real?  
A vários. O Paços vinha de um ano difícil e esteve perto de descer. Todos nós, treinadores e direção, sabíamos que o terceiro lugar seria irrepetível. Temos noção disso. Por isso definimos os seguintes objetivos: assegurar rapidamente a manutenção, ficar nos dez primeiros lugares, apresentar boa qualidade de jogo para trazer mais pacenses ao estádio e, finalmente, valorizar os ativos do clube. Todos esses compromissos foram atingidos e, de forma inesperada, estamos a discutir a qualificação para uma prova europeia. Se me dissessem isso no princípio, não me acreditaria. Os jogadores obrigaram-me a acreditar que seria possível e fugimos ao objetivo inicial. Estamos a fazer uma época extraordinária.

«Temos coragem para assumir o jogo»

Como olhou para a época anterior do Paços, com três treinadores e em sério risco de descida?
Não foi fácil para quem cá esteve. A minha herança foi pesada, temos de reconhecer isso. O clube não geriu da melhor forma o que alcançou, fugiu da sua realidade e se calhar deslumbrou-se um pouco. As pessoas já perceberam que o caminho é outro. Houve um corte substancial do orçamento, apostámos em jogadores jovens e de divisões inferiores, voltámos a pensar naquilo que podemos.


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Que diferenças encontrou no clube ao voltar?
Sobretudo estruturais. O presidente anterior saiu, o Carlos Barbosa, e existe uma SAD dirigida pelo Rui Seabra. O novo presidente do clube é o Paulo Menezes, mas estas pessoas já cá estavam e conhecem-me bem. O clube voltou a crescer de forma sustentada, tem uma bancada nova, um relvado magnífico e ampliado. Estes passos têm de ser dados de forma segura.

Jogar bom futebol, um futebol atraente, é uma proposta inegociável? O Paulo não abdica disso, mesmo expondo mais a equipa?
A esmagadora maioria do plantel veio do ano passado, um ano complicado. Tive de mostrar a estes atletas que podem jogar um futebol de qualidade. Apresentámos um sistema de jogo completamente diferente e as coisas funcionaram bem. A nossa qualidade deixa-me orgulhoso e agradado. Temos coragem para assumir o jogo e tiro o meu chapéu aos jogadores.

«Jogar sem extremos torna-nos mais imprevisíveis»

O Paços tem prazer na posse de bola, é isso?   
Sobretudo isso. Somos a terceira equipa da Liga com mais posse de bola e temos o jogador do campeonato com mais eficácia no passe, o Seri. O maior elogio é esse. Esse e a forma como as outras equipas se colocam em campo quando jogam contra nós.

Quais são as grandes mudanças no sistema tático do Paços 2014/15?

Passámos a jogar em 4x4x2. Há dois anos jogávamos em 4x3x3, tal como no FC Porto. Mas este não é um 4x4x2 clássico, porque não tem extremos abertos. Os nossos alas jogam por dentro, a tentar explorar um espaço que consideramos fundamental, o espaço entre linhas. Temos sempre dois avançados, dois laterais de projeção ofensiva e só dois médios. É uma forma arriscada de pensar o jogo, mas só assim podemos valorizar o clube e os atletas.

Não jogar com extremos assumidos torna o futebol do Paços mais imprevisível?
Acho que sim. Este sistema se for bem interpretado é muito difícil de contrariar. Só o Benfica atua de forma parecida à nossa, mas é ligeiramente diferente.