No dia em Bruce Springsteen - «The Boss» - sobe ao palco do Rock in Rio, em Lisboa, o Maisfutebol foi a Tondela falar com Petit, também ele convertido em «The Boss», pela forma sublime como conduziu um clube quase condenado, à salvação, no último acorde de um campeonato que vai ficar no imaginário de muito boa gente.

Petit que, enquanto no futebol não é homem de ficar a «dançar no escuro», nunca virando a cara à luta, independentemente do quão dura ela possa ser – foi assim como jogador e repete a receita como treinador -, no que toca a falar prefere resguardar-se. Abrigar-se num lugar mais remoto.

Mas isso tem sido impossível nestes dias. Fruto, claro está, daquilo que conseguiu com o seu Tondela. Entrando na conversa com um pedido de desculpa pelo “encore” de perguntas e respostas que o obrigamos a fazer, arrancamos-lhe um sorriso e um suspiro. Mas vamos a isso.

Quando chegou a Tondela, a equipa era última classificada com cinco pontos. O contexto em que pegou no Boavista também não era fácil. São estes desafios mais difíceis que o motivam?

Sim. A mim nunca ninguém deu nada. Da mesma forma como cresci como jogador em que, etapa a etapa, cheguei a um clube grande, consegui representar o meu país - que é o máximo para um jogador –, joguei no estrangeiro, que também era um sonho, como treinador também não quero dar um passo maior do que a perna. Quero evoluir de dia para dia. Nestes dois anos tive projetos de equipas que lutaram por não descer, mas o mais importante é sentir-me feliz e que as ideias que tenho para o futebol vão melhorando.

Sempre acreditou que o Tondela alcançaria a permanência na I Liga?

Sim. Acreditávamos porque sabíamos aquilo que estávamos a fazer. Acreditávamos na competência e no trabalho dos jogadores. É verdade que não começámos logo a ganhar, mas sabíamos que a evolução da equipa estava a ser favorável. Apesar de os resultados não condizerem com aquilo que estávamos a fazer, porque os jogadores também demoraram a adaptar-se às nossas ideias e modelo de jogo, a equipa começou a acreditar. Não é fácil trabalhar sobre derrotas, estar sempre a moralizar a equipa porque só podíamos olhar para cima - não tínhamos ninguém atrás de nós –, mas tivemos de acreditar e trabalhar. E isso, aliado à competência dos jogadores, da equipa técnica e da estrutura, culminou, com muito esforço, na permanência na I Liga.

Mas a equipa esteve a 11 pontos da «linha de água». Não houve nenhum momento em que tenha duvidado?

Não. Como líder, eu tenho de acreditar naquilo que nós e os jogadores estamos a fazer. Quem viu os nossos jogos desde que chegámos, sabe que as exibições estavam a ser boas, apesar de os resultados não estarem a ser o que esperávamos. Por isso, nunca deixámos de acreditar que seria possível. Claro que sabíamos que cada vez havia menos jogos e seria mais difícil a nossa permanência, mas acreditávamos que seria possível. Além disso, nós fazemos aquilo que gostamos, representamos um clube da I Liga - cumpridor – e temos de respeitar a camisola que vestimos, representando uma região que merece ter um lugar neste campeonato.

Desde que chegou, o clube teve uma jornada em que não foi último classificado [a penúltima] e, só na última saiu da zona de despromoção.

Sim (risos). Tínhamos todos os clubes à nossa frente. Estivemos a quatro pontos, depois passámos para 11 de distância do adversário que podia trocar connosco para descer, e com menos jogos para jogar. Mas o mais importante foi a qualidade do trabalho e a competência de todos. Foi importante os jogadores sentirem-se felizes com o que estavam a fazer no dia-a-dia e acreditarem que podíamos conseguir os nossos objetivos. E cumprimos o objetivo, algo que ficará para a história dos jogadores e deste clube. Acho que estamos todos de parabéns. Mas temos de refletir sobre o que correu menos bem durante a época para, no próximo ano, entrarmos muito mais fortes e não cometermos os mesmos erros desta época.

A festa da manutenção do Tondela

Pelo que fez com o Tondela, reconhece que foi uma das figuras desta Liga?

(hesitação) Pela situação em que estávamos e o que como ficámos... Sempre acreditámos, mas eu estou a trabalhar há dois anos. No ano passado, no Boavista, também conseguimos a permanência. Este trabalho foi diferente, mas aquilo em que penso é em continuar a evoluir e ser melhor a cada dia. Eu quero crescer como treinador como fiz como jogador.

Se tivesse chegado à última jornada e a equipa tivesse descido, as pessoas iam esquecer a recuperação que a equipa fez no final?

(risos) Digo-lhe o que digo aos meus jogadores: os «se» não existem. Tivemos muitos jogos em que «se», «se», ou «quase»... Isso não existe. O que há é trabalho, competência e o acreditar dos jogadores. E foi isso que fizemos. Independentemente do que tivesse acontecido, nós tínhamos de estar orgulhosos por aquilo que fizemos. Mais, pelos últimos oito jogos. Mas o nosso objetivo era a permanência e conseguimos alcançá-la no último jogo.

Uma das expressões que mais repetiu foi que os jogadores tinham de lutar «até à última gota de sangue». O que é que isso significa no campo?

É deixar tudo lá dentro. Os jogadores têm de se lembrar que sempre sonharam ser jogadores de futebol, jogar numa I Liga e serem reconhecidos. E eles não podiam deixar de acreditar que podíamos ficar na I Liga. Muitas vezes, temos de nos lembrar que estamos mais vezes entre nós do que com as nossas famílias, e que os familiares sofrem com aquilo que estamos a fazer. Eu nunca iria deixá-los desistir, independentemente do que tivesse acontecido nos últimos jogos. E tínhamos de lutar até não termos mais forças. Até não termos mais sangue. Felizmente, eles acabaram a época com bastante sangue (risos). Era uma equipa com grande intensidade, que acreditava no que estava a fazer. E a minha mensagem era que nunca os ia deixar desistir.

Petit no banco do Tondela

Queria que cada um deles fosse um «Petit» dentro de campo?

Sim. Essa foi a minha maneira de ser como jogador. Não é o dar porrada. Eu gosto de uma equipa que reaja à perda da bola, que tenha intensidade com e sem posse. E os jogadores demoram a trabalhar essa forma de jogar, mas foram fenomenais em todos os jogos. Houve alguns em que perdemos e não merecíamos, outros em que tivemos essa sorte, mas foi um trabalho muito bem feito.

Nas últimas jornadas, esteve afastado do banco. Esses momentos foram mais difíceis?

É claro que gostamos de estar mais perto dos jogadores e sentir o cheiro da relva. Mas nessa altura a equipa já estava a crescer e teve uma grande intensidade. Os jogadores já sabiam o que tinham de fazer, e, comigo no banco ou na bancada, a equipa já estava sistematizada. Nos jogos em casa estava mais perto do banco e foi mais fácil do que em Setúbal e em Paços [de Ferreira], mas confiei sempre na minha equipa técnica.

No final do último jogo afirmou que o que o Tondela conseguira não era um milagre. Mas, nessa madrugada, quando ainda todos festejavam, iniciou uma caminhada para Fátima.

Foram dois anos difíceis que nós, equipa técnica, tínhamos tido. E prometemos que se conseguíssemos o nosso objetivo, mal acabasse o jogo, íamos. Muita gente fala num milagre, e aceito que se possa falar. Mas conseguímo-lo pelo trabalho e pela competência. Isso é que foi fundamental.

Vitória no Dragão foi um dos pontos altos na Liga

Renovou pelo Tondela por mais duas épocas. É um reconhecimento, de ambas as partes, de que as coisas foram bem feitas apesar do sofrimento até ao fim?

Sim. Eu e o presidente estamos sempre a falar sobre o que é o melhor para o clube. Assinei por dois anos porque acredito que o Tondela é um clube que merece estar na I Liga. Este é um projeto de dois anos em que queremos que o clube possa cimentar-se neste campeonato. Mas sabemos que é difícil. A competitividade está a aumentar, tal como a qualidade dos treinadores, mas queremos ter um projeto que sirva para consolidar o Tondela na I Liga.

E ser um Arouca, no futuro?

Não. Não pensamos nisso. Pensamos em fazer um plantel à altura daquilo que é a qualidade do Tondela. Pensamos em fazer uma boa pré-época, em entrar bem no campeonato e em fazer o nosso melhor. Queremos praticar um bom futebol, para que os adeptos sintam orgulho no que estamos a fazer e venham cada vez mais ao estádio. Queremos que todos se orgulhem daquilo que estamos a fazer.

Só há quatro jogadores com contrato com o Tondela. O plantel da próxima época vai ser construído tentando manter a estrutura?

Há alguns jogadores que têm contrato e outros que, não tendo, foram fundamentais naquilo que alcançámos. Temos de partir de uma base de jogadores que estiveram aqui esta época, com outros que possam vir e que se possam integrar e saber o que é este clube. E essses jogadores que possam ficar têm de ser os primeiros a receber os novos jogadores da melhor maneira. Porque a integração é sempre fundamental para entrarmos bem na pré-época. Vai fazer uma escolha para que possamos ter um bom plantel para alcançar a permanência o mais depressa possível.

«Já está?» À pergunta atirada com um alívio notório, respondemos afirmativamente. Despedimo-nos agradecendo o esforço que reconhecemos no nosso interlocutor, mas aí, já em fuga – das perguntas e respostas, leia-se – já vemos um Petit bem-humorado: «Não faz mal, era pior se estivesse em casa, era sinal que não tínhamos conseguido.»