Janeiro de 2016. O casamento de Quim Machado com o V. Setúbal parece para durar. Os sadinos jogam bem à bola e parecem lançado para uma época tranquila. Como consequência, clube e treinador renovam os votos e prolongam a ligação até ao verão de 2017.

Ainda nesse mês, aquele castelo que parecia sólido começou a ruir. À venda de Suk ao FC Porto, juntou-se o regresso de Rúben Semedo ao Sporting. Sem eles o Vitória nunca mais foi o mesmo, admite Quim Machado nesta entrevista ao MAISFUTEBOL, onde diz que, com eles, na equipa era possível dobrar o número de pontos alcançados primeira metade da época. «Ainda tentámos com outros mas as características não eram as mesmas», afirma resignado.

O técnico, de 49 anos, admite que foi vítima do sucesso que a equipa teve na primeira metade da época mas recusa fazer um balanço positivo de uma época na qual a permanência só foi assegurada na última jornada. Admite também que as semanas que se sucederam à derrota caseira com o Tondela (31.ª jornada) foram difíceis.

Sem clube desde que rescindiu por mútuo acordo com o Vitória, Quim Machado ainda não decidiu qual será o próximo passo a dar na carreira.

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Ficou surpreendido com o fim da sua ligação ao V. Setúbal quando ainda tinha mais um ano de contrato?

Não foi a direção Vitória que terminou a ligação. Foi uma decisão tomada em conjunto. Depois do campeonato terminar fui para casa e pensei um ou dois dias no que seria melhor.

O melhor foi sair?

Depois da segunda volta, que foi muito intensa e difícil, achei que o melhor era terminar a ligação e acabar com este projeto. Tinha renovado em janeiro por mais um ano, mas há alturas em que também devemos saber quando é a melhor hora para sair.

Não chegámos ao quinto lugar por acaso.

Na conferência de imprensa depois do jogo com o Paços [última jornada] disse que sentia ter condições para continuar. Mas lá no íntimo não pensava que, acontecesse o que acontecesse, deixaria de ser treinador do V. Setúbal?

As últimas semanas não foram fáceis e aquele jogo em casa com o Tondela… Perdemos contra uma equipa que estava na zona de descida. E esse jogo levou ao desgaste da massa associativa. O que sempre comuniquei foi que nunca iríamos descer porque nunca estivemos abaixo da linha de água e que as exibições que fazíamos davam-nos essa garantia. Nós jogávamos bem, mas depois tínhamos dificuldades em fazer golos. Depois do último jogo fui para casa pensar, com calma, naquilo que era melhor. No final do campeonato tens tempo para pôr as coisas todas na balança, ver tudo com calma e decidir qual é a melhor solução.

O Vitória chegou a estar em posição europeia. Ficou surpreendido com aquele arranque de campeonato?

Não chegámos ao quinto lugar por acaso! A crítica era unânime. Jogávamos bem, marcávamos golos, estivemos muito tempo nos três melhores ataques da Liga. Não chegámos lá por acaso e semana após semana demonstrávamos isso. Éramos fortes, podíamos não ganhar muitos jogos mas também não perdíamos. Mas o que é que a massa associativa espera quando terminas a primeira volta com 22 pontos?

Mais 22 na segunda volta?

Exato! Ao não conseguires, é evidente que… Mas quem está por dentro do futebol e analisa o que fizemos nota que há trabalho. Foi uma pena, mas a última imagem é a que fica. Nós não tínhamos jogadores com muita experiência de Liga mas com Suk e Semedo, que estavam acima da média, não via problemas para não conseguirmos isso [22 pontos] na segunda volta.

Mas sente que a fasquia ficou mais elevada depois daquele bom arranque de época? Que a simples manutenção não era suficiente para os adeptos?

Foi o que aconteceu. Tivemos uma má segunda volta, sim. Mas nós é que terminámos o campeonato com o rótulo de equipa que não jogava nada. E o Tondela é que acaba por ser a mesma equipa e fez os nossos pontos. Agora, o Tondela é que foi a equipa sensação e o Vitória deixou de ser. Fez o inverso. Mas no futebol a última imagem é a que fica.

Foi vítima do seu próprio sucesso na primeira volta?

Um pouco, sim. Mas o meu discurso lá dentro e para a comunicação social nunca foi o de jogarmos para a Liga Europa. O meu compromisso com os jogadores era continuar com o que estávamos a fazer e valorizá-los: torná-los melhores jogadores e eles ao mesmo tempo tornarem-me melhor treinador. Valorizámos o André Horta, o Costinha, o Semedo, o Suk, o André Claro nunca tinha feito tantos golos numa época, o Ruca, o Vasco [Costa], o Fábio Pacheco. Há um trabalho que as pessoas podem querer esconder pela nossa segunda volta mas há que lembrar que em determinados jogos fomos infelizes e isso levou a que não conseguíssemos mais três, quatro cinco ponto. Se terminássemos com mais três, quatro, cinco pontos, ninguém falava da segunda volta do Vitória.

Chegámos a janeiro, e isso fez toda a diferença, e o Suk e o Semedo saíram.

Alguma vez pensou que a equipa fosse quebrar tanto apesar das saídas de Suk e Rúben Semedo?

Nós falamos internamente e sabemos que é difícil substituir jogadores que na altura estão a fazer uma grande época. E é difícil acertar, porque o mercado de inverno não é fácil. Não esperávamos fazer esta segunda volta, mas dizia nas palestras que a segunda volta ia ser muito mais difícil. Porque as equipas já nos conheciam melhor e sem esses jogadores perdemos qualidade de jogo.

(…)

Chegámos a janeiro, e isso fez toda a diferença, e o Suk e o Semedo saíram. Preparámos a equipa na pré-época com esses jogadores para jogar de uma determinada forma. Éramos uma ofensiva, jogávamos claramente ao ataque, em pressão alta. Precisávamos de jogadores como o Semedo, rápido, que permitia ir buscar a equipa adversária num contra-ataque. É o futuro central da Seleção Nacional. Tínhamos o Suk na frente, que era um jogador de profundidade e que ao mesmo tempo abria espaços para o André Claro. Nós perdemos isso depois de janeiro. O André Claro deixou de ter esse apoio, cá atrás as opções que tínhamos não eram iguais. E o Suk era o terceiro melhor marcador da Liga. E além disso davam-nos uma grande força no jogo aéreo defensivo. Ainda tentámos com outros mas as características não eram as mesmas.

As ideias que tinha para a equipa também tiveram de mudar?

Sem o Semedo e sem o Suk tínhamos muita dificuldade na construção de jogo. O Semedo é forte tecnicamente e tem facilidade em sair a jogar. Não foi por acaso que ele voltou para o Sporting e é titular. E sabe que nos grandes é preciso ter qualidade a sair a jogar. Mas mesmo o próprio Venâncio jogava muito mais com o Semedo, era mais confiante. Sem ele passou a haver mais receio, a equipa não subia tanto... Quando o processo também é mais lento cá atrás, isso facilita a vida aos adversários. E o Suk era perigoso, fazia golo e permitia-nos jogar mais tempo no meio-campo contrário porque as outras equipas tinham algum receio.

Com Lopetegui no FC Porto-V. Setúbal (2-0), em novembro, em jogo da 10.ª jornada.
Os sadinos chegaram ao Dragão no 6.º lugar

Disse que a equipa, apesar dos resultados, também jogava bem na segunda volta. Para além das saídas de Suk e Rúben Semedo, o que acha que pode ter contribuído para a queda da equipa na classificação?

Tivemos bons jogos. Fomos a Guimarães e empatámos 2-2 com nove homens em campo. Em casa, contra o Marítimo, estávamos a ganhar 1-0 e a dez minutos do fim há um penálti duvidoso. Perdemos em casa com o Moreirense e há um penálti a nosso favor que nos dava um ponto. Após as saídas do Suk e do Rúben Semedo tivemos ali quatro ou cinco jogos onde continuámos a jogar bem mas não conseguimos os pontos. Depois, a determinada altura, começámos a ter muitos jogadores ausentes por castigo. Quando regressámos e pensámos que tínhamos de fazer três pontos para nos salvarmos instalou-se a pressão.

O trabalho foi bom apesar da maioria das pessoas achar que foi mau. Acho que fizemos um grande trabalho.

Os jogadores acusaram o peso da responsabilidade?

Não se libertaram disso. Semana após semana fala-se que mais uma vitória chega e quando isso não se consegue… pesa nos jogadores. E é nesses momentos que a falta de experiência vem ao de cima. Houve jogos que iniciámos com sete ou oito jogadores que nunca tinham jogado na Liga.

O que levou consigo para o Vitória?

Acho que deixei a minha marca. Jogávamos bem, sinceramente. Foi pena depois daquela primeira volta. Mas analisando friamente, o trabalho foi bom apesar da maioria das pessoas achar que foi mau. Acho que fizemos um grande trabalho.

É como disse há pouco. A última imagem é a que fica…

Sim, é isso. E foi a da segunda volta, com pouco pontos. É assim o futebol. Infelizmente ou felizmente.

Está agora sem clube. Já decidiu qual vai ser o próximo passo a dar?

Às vezes temos de parar para pensar e tomar as opções certas. Estou nessa fase. Se tiver de ficar de fora, ficarei e vou aprendendo enquanto espero pelo que é melhor para mim.

Mas considera a hipótese de ficar de fora durante algum tempo?

Já tive alguns convites, que rejeitei. Há também a possibilidade do estrangeiro. Já fui emigrante e não tenho dificuldade em adaptar-me. Mas sim. Não parar totalmente porque queremos é estar a trabalhar, mas se não aparecer neste momento o que pense que é melhor, se calhar o melhor é não entrar já. O futebol é mesmo assim: entramos com o azar de colegas nossos. Vamos ver o que acontece.

E o que era melhor para si? A I Liga está a ficar definida...

Não sou treinador de I Liga nem de II Liga. Sou treinador de futebol e o que temos de fazer é analisar os projetos e saber se eles se enquadram na nossa forma de pensar. É ver tranquilamente o que vai dar. Quero estar num projeto no qual me sinta bem. Muita gente não sabe, mas treinei três equipas na II Liga e duas delas subiram de divisão. Na I Liga valorizei sempre jogadores. Repito: considero que este ano fizemos um excelente trabalho no Vitória. Quero estar num projeto onde me sinta bem, independentemente se é na I Liga, na II Liga ou no estrangeiro.