Respirar fundo. Escolher o caminho certo e ser feliz. Pedro Pereira teve de se afastar do Estádio da Luz, e do plantel do Benfica, para voltar a sentir-se confortável num relvado de futebol. 

Em entrevista ao Maisfutebol, o lateral direito de 22 anos comunica com uma maturidade rara e aborda sem qualquer tipo de preconceito os dias de exigência insuportável de águia ao peito.

Pedro Pereira fala nesta parte da conversa sobre os sete meses ao serviço do Bristol City e confessa ter como objetivo a entrada no distinto mundo da Premier League 

Uma entrevista de emoções fortes, um futebolista de enorme consciência.

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Maisfutebol – Um golo e uma assistência nos últimos dois jogos no Bristol. Está a viver o melhor momento desde a chegada a Inglaterra?

Pedro Pereira – O ano de 2020 está a correr bem. A determinada altura perdi algum espaço na equipa, o que acaba por ser normal com os atletas emprestados. Há outras coisas à volta do futebol e eu tenho de entender isso. Mas acho que as coisas me têm corrido bem no Bristol. Tenho tentado agarrar as minhas oportunidades.

MF – O Pedro disse em agosto que jogar em Inglaterra era um sonho. Está a confirmar todas as expetativas que tinha?

PP – Estou a gostar bastante. A liga é competitiva e difícil. Eu precisava de jogar e esta foi a escolha certa. São muitos jogos, a carga física é pesada, a carga psicológica também. O clima faz com que os jogos sejam ainda mais duros. Tudo isto tem-me ajudado a interpretar outros cenários de jogo, que não aquele a que eu estava mais habituado: ter a bola, atacar; ter a bola, atacar. Na formação do Benfica era muito assim. Temos de olhar para o jogo com esperteza, com ratice e o Championship tem-me dado tudo isso.


MF – Sente-se mais jogador depois de sete meses em Inglaterra?

PP – Sem dúvida. Tenho identificado alguns aspetos em que melhorei. Gosto muito de analisar as minhas exibições e de pedir conselhos a amigos que estejam no mundo do futebol.


MF – O Championship tem um nível superior à liga portuguesa?

PP – Só fiz um jogo pelo Benfica na Liga, mas em Itália joguei contra a Juventus e o Inter, por exemplo, e o nível de intensidade aqui no Championship é igual ou superior. São jogos muito partidos, as equipas olham menos para o aspeto tático e mais para o aspeto físico. Exploram muito o contra-ataque e o espaço nas costas das defesas. O ritmo é altíssimo, há sempre várias oportunidades de golo. Para eu estar bem, tenho mesmo de apresentar um nível físico alto. Eles querem laterais capazes de suportar os duelos e de fazer o corredor inteiro. Se aliar a isto a aprendizagem tática que tive em Itália, acho que me posso considerar um atleta mais completo.


MF – O Bristol está em sétimo e a um ponto do play-off de subida à Premier League. O objetivo do clube é subir de escalão?

PP – Sim, o objetivo foi sempre esse. O plano que me apresentaram até passava por estar entre os dois primeiros e subir diretamente. Agora passa mais por chegar ao play-off.


MF – Que condições encontrou no Bristol?

PP – Nos últimos anos tem investido bastante na equipa profissional e no estádio. O estádio está sempre cheio, leva 27 mil espetadores, e no próximo ano já terá concluído o novo centro de treinos. Sinto que é um clube que se está claramente a preparar para subir à Premier League. Não só para subir, mas para se manter por lá durante muitos anos.


MF – Está a gostar de viver em Bristol?

PP – Sim, as pessoas aqui dizem que esta é uma Inglaterra diferente. É uma cidade multicultural e isso também facilitou a minha adaptação. Consigo perceber a influência de vários países no meu dia a dia.


MF – Há uma importante equipa de críquete na cidade. Já foi ver algum jogo?

PP – Não, não, não me desperta grande curiosidade (risos).


MF – O Brexit mexeu com a sua vida ou não foi minimamente afetado até agora?

PP – Não tenho sentido problemas. No clube disseram que me manteriam a par de tudo e ajudariam a tratar de todas as burocracias necessárias. Até agora, sinceramente, não senti nenhum problema.


MF – Jogar na Premier League é um objetivo claro para o Pedro?

PP – Sim. Tenho a ambição de chegar à Premier League. Um dos meus sonhos passava por jogar em Inglaterra e o Championship está a ser fundamental para a minha evolução. Ambiciono jogar na Premier League, sim.


MF – No início da conversa dizia que ser um atleta emprestado pode ser prejudicial. Quer explicar melhor essa ideia?

PP – Quando as coisas correm bem e os atletas emprestados estão a jogar, tudo bem. Mas quando os resultados não são tão bons, é normal ver os clubes a apostarem mais nos atletas com vínculo e menos nos atletas emprestados. Isso para mim é normal. Nas fases negativas, não faz muito sentido investir num jogador que pertence a outro emblema e que sairá no final da época. Pelo lado do business, entendo. Mas é difícil para quem está nessa situação, como estou esta época, engolir algumas opções.


MF – O Bristol já manifestou interesse em exercer a opção de compra sobre o seu passe?

PP – Sei que as pessoas daqui estão contentes com o meu trabalho e o meu desempenho, mas ainda faltam alguns meses para o final da época. Veremos mais à frente.


MF – Como é um dia normal do Pedro em Bristol?

PP – Foi difícil habituar-me ao inverno. O clima é duro, os dias são escuros e eu adoro o sol português. O sol dá-me alegria e sinto falta disso, mas adaptei-me bem. Os meus dias são simples. Acordo cedo e falo com o meu mental coach, o Pedro Seabra, logo de manhã. Ele é uma pessoa cinco estrelas e tem-me ajudado bastante. Desde que trabalho com ele, passei a olhar de forma diferente para outros aspetos da minha vida. Depois sigo para o treino, a seguir faço gelo e alongamentos, convivemos um pouco e venho para casa. Passo a tarde com a minha namorada, ela tem sido um apoio fundamental. É importante chegar a casa e ter uma pessoa sempre ao nosso lado, nos dias bons e menos bons.  


MF – É possível andar tranquilamente nas ruas e jantar em restaurantes ou os adeptos ingleses incomodam?

PP – Não incomodam nada (risos). Aqui é muito mais fácil do que em Itália. Em Génova estavam sempre a parar-me e a pedir fotografias, aqui não. É tranquilo.


MF – Costuma estar com os outros portugueses que jogam em Inglaterra?

PP – Não. Falámos bastante, mas não é fácil combinar um almoço ou um jantar. As agendas são complicadas e as distâncias não ajudam. Mas no Championship defrontei o Krovinovic e falei com ele. Tem estado a jogar muito bem. O Pelé também tem estado bem no Reading e no Nottingham Forest o Yuri Ribeiro tem jogado quase sempre a um bom nível.


MF – Em Portugal é comum ver os treinadores a queixarem-se do excesso de jogos. Como é que a agenda sobrecarregada é gerida em Inglaterra?

PP – No início, confesso, fiquei surpreendido ao ver que íamos jogar tantas vezes. Championship, FA Cup, Carabao Cup, outras provas regionais. É normal jogar sete vezes num mês. Para as pessoas daqui é muito normal. Jogar, recuperar, jogar, recuperar. É essa a cultura britânica.  


MF – Tem o objetivo de estar a médio-prazo num Mundial ou Europeu de seleções?

PP – Sim, é um objetivo e um sonho claro chegar à Seleção A. Para já estou nos Sub-21 e pretendo estar no Europeu. Há muitas e boas opções para a minha posição, mas se mantiver o meu nível atual acho que posso lá chegar. Sempre gostei de ver jogar o Kyle Walker, o Alexander Arnold e o João Cancelo na minha posição. Olho muito para o que eles fazem.