No verão de 2014, o FC Porto perde-se de amores por Malthe Johansen. Menino prodígio da formação do Brondby, internacional sub-19 pela Dinamarca, defesa central de rigidez nórdica e serenidade tibetana.

Malthe chega ao Dragão emprestado, faz 23 jogos pelos juniores, torna-se campeão nacional, participa ativamente na UEFA Youth League e merece uma chamada de Luís Castro à equipa B.

Sem pré-aviso, Malthe Johansen larga o FC Porto, volta a Copenhaga, desinteressa-se gradualmente pelo futebol e muda radicalmente de vida. Em 2018, localizado pelo Maisfutebol, aceita contar a sua história. Rara, pois claro.

De promessa sólida a alma livre, de poeta e artista. Em quatro anos apenas. Porquê?

«Decidi abandonar o futebol, sim, posso confirmar», diz no primeiro contato com o nosso jornal. «Perdi a paixão. Perdi aquela sensação extraordinária que sentia ao entrar em campo. Preferi parar enquanto sou jovem e investir na minha formação e educação.»

Malthe Johansen, hoje com 22 anos, confessa que as dúvidas começaram a surgir ainda em Portugal. «Longe da família, dos lugares importantes», o ex-dragão começa a colocar tudo em causa. O estilo de vida, o compromisso intenso e diário, a simples obrigação de treinar.

Malthe Johansen nos festejos do título nacional de Sub19

Uma lesão no joelho deixa-o dois meses de lado, mas no regresso as coisas melhoram para Malthe. Impõe-se como titular, destaca-se na equipa de António Folha e é convocado para um jogo da equipa B no Funchal.

Ironicamente, esse jogo precipita o regresso antecipado à Dinamarca. «Aconteceu um incidente grave», revela Malthe Johansen. «Não quero dizer mais do que isso. Só posso referir que apanhei um avião para o Porto sozinho e fui de imediato para Copenhaga. Não me voltaram a por a vista em cima no FC Porto.» Maio de 2015.

Malthe Johansen sabe o que diz. Não é o típico adolescente que abandona tudo para se fechar numa redoma de futebol e conhecimentos primários. Malthe lê, informa-se, é culto, pensa complexamente. Em voz alta, reflete sobre a existência e o planeta para o Maisfutebol.

«O que levo do futebol? Os amigos. Os que me eram próximos continuam a ser próximos. O que ambiciona cada ser humano? Ser feliz. Eu deixei de ser feliz no futebol. Tenho saudades do ambiente do balneário, das brincadeiras, mas não mais do que isso.»

Em Copenhaga, Malthe frequenta a universidade e trabalha nos tempos livres na restauração. No próximo ano, promete, vai «viajar muito e conhecer o mundo». «Quero voltar ao Porto e mostrar à minha namorada o quão bela a cidade é.»

Hulk vs. Malthe: um está na China, o outro na universidade 

Nesta segunda vida de Malthe, o sacrifício desportivo é inexistente. O dinamarquês é um asceta convicto, um diletante, faz só o que lhe apetece. «Jogo futebol de longe a longe com amigos, nada sério. Estou muito feliz por poder experimentar coisas novas.»

Do FC Porto, já em 2015, Malthe Johansen volta ao Brondby, joga a Liga Europa, mas sai no final da época. Ainda experimenta um ano num clube do escalão secundário, já sem ponta de motivação.

«Não é normal um jogador vestir a camisola do FC Porto, um dos gigantes da Europa, e não sentir paixão. O problema era meu, não acuso ninguém de nada. Tenho memórias fantásticas de Portugal. A vitória contra o Real Madrid na UEFA Youth League, o título nacional, um 3-0 contra o Benfica… joguei num clube extraordinário.»

Malthe Johansen destaca sobretudo a qualidade de Rúben Neves e André Silva, «colegas especiais». «O Rúben treinou três/quatro vezes connosco e foi logo chamado à equipa principal. Gostava de ter jogado mais com ele. Era impressionante a forma como não cometia erros nem falhava passes. Impressionante mesmo», recorda.

Sobre António Folha e Luís Castro, os treinadores, Malthe desfaz-se em elogios. «O Folha, principalmente ele, ajudou-me nos bons e nos maus momentos. Era fantástico, bem como os adjuntos, a equipa médica, todo o staff. Fantásticos, nada a apontar.»

E o futuro, Malthe? O futebol está definitivamente sepultado? «Não faz parte dos meus planos um regresso ao futebol. Estou a adorar esta fase da minha vida e a sentir, de facto, que estou a viver. Finalmente a viver.»