* Enviado-especial do Maisfutebol aos Jogos Olímpicos
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Em novembro, Miguel Leal aproveitava um dos raros dias de descanso para relaxar no sofá. Um mail deixou-o sobressaltado, «em choque».

«PARABÉNS, É UM DOS ÁRBITROS NOMEADOS PARA O TORNEIO OLÍMPICO DE TÉNIS NO RIO DE JANEIRO, EM 2016».

Miguel ligou ao pai Francisco, amigo e confidente, incrédulo. «Estão 126 juízes no torneio. 64 são brasileiros e 62 são estrangeiros. Estas escolhas saem de um universo de 797 árbitros. Tinha 0,1% de esperança de ser escolhido».

Os últimos meses levaram-no a dois Grand Slam (Roland Garros e Wimbledon), a vários torneios de referência no mundo ATP e WTA, além de jogos marcantes na Taça Davis.

Nada, porém, que se compare ao privilégio de representar Portugal e a arbitragem nacional de ténis nos Jogos Olímpicos. O Maisfutebol encontrou-o num dos jogos mais marcantes da competição: a derrota de Novak Djokovic às mãos do renascido Juan Martin del Potro.

O juiz português foi o responsável pela cadeira de serviço nesse jogo. Um momento alto numa carreira iniciada em 2007, mas que recua quase duas décadas quando se fala da ligação ao ténis como praticante.

Como iniciou a sua ligação com o ténis?
«Comecei a jogar ténis com quatro anos. A minha tia Magda era jogadora e dava aulas de ténis no Vigorosa. Passei a ir com ela para lá, nas férias de verão, e achei aquilo engraçado».

Atingiu um nível alto?
«Joguei ténis a sério dos oito aos 16 anos. Treinos bidiários, chamadas à seleção… ah e estive integrado no chamado ‘Projeto Ano 2000’. O nosso grupo tinha o Fred Gil, o Rui Machado e o Leonardo Tavares, por exemplo. Joguei muitas vezes com eles e depois tive de os arbitrar. É engraçado. Especialmente na Taça Davis».

Quando decide apostar na arbitragem dentro do mundo do ténis?
«Fui apanha bolas vários anos, passei para juiz de linha e cheguei a árbitro em 2007. Depois de uma fase difícil da minha vida pessoal. Divorciei-me da mãe da minha filha, despedi-me do meu antigo trabalho e fui desafiado para isto».

«Um amigo sugeriu-me tirar o curso de árbitro de ténis. Eu até estava bastante afastado do ténis na altura. Trabalhava no ramo imobiliário e depois fiz um curso de Técnico do Aeroporto. Tinha algum dinheiro e fui seis meses para a Groundforce, no Aeroporto Sá Carneiro. O contrato acabou e mandaram-me embora».

Ainda se lembra do primeiro jogo na arbitragem?
«O primeiro jogo de ténis foi no Vigorosa, torneio de veteranos: Vasco Costa (atual presidente da federação) contra Rui Gama. E rapidamente tudo evoluiu. Em dois meses já estava em torneios interessantes. Acharam que eu tinha jeito».

A escada de evolução na arbitragem é de fácil ascensão?
«Não, nada. Há três níveis nacionais. A evolução funciona através da avaliação e de novos cursos. Depois podemos ser propostos à federação para níveis internacionais. Há quatro níveis internacionais: White Badge, Bronze Badge (onde eu estou), Silver Badge e Gold Badge. A estes dois últimos só se chega por promoção. O exame para Bronze Badge foi a situação de maior pressão e dificuldade em toda a minha vida».

Imagino que ande constantemente a viajar. Não é uma vida saturante?
«Não. Costumo dizer que onde há um aeroporto eu posso viver sem problemas. Só ainda não emigrei por causa da minha filha. O nosso país está parado nesta área e a nível fiscal é muito violento».

Um árbitro de ténis do seu nível ganha muito dinheiro?
«Em determinados momentos, sim. Mas esta é uma carreira para longo prazo. Não é fácil sobreviver da arbitragem. Não temos contratos e em novembro, dezembro e janeiro não há rendimentos. Não há torneios, não há rendimentos. E nem pensar em subsídios de Natal ou de férias».

Que condições são necessárias para se ser um bom árbitro de ténis?
«É preciso ter feeling, senso comum, capacidade de comunicação. A forma como se fala com os atletas e espetadores é determinante. E a capacidade de concentração é a chave. No mínimo fazemos dois jogos por dia. E é esgotante. As pessoas acham que estar quatro horas sentado e a arbitrar não cansa nada. É esgotante, pela concentração exigida».

Quais são as funções do árbitro, além de verbalizar a pontuação?
«O árbitro de ténis controla tudo o que se passa dentro do campo. Juízes de linha, comportamentos na bancada, treinadores, bolas dentro ou fora… Tudo».

No futebol é comum ver abusos verbais com o árbitro. No ténis não é assim?
«A comunicação com os atletas é muito diferente. A imagem de um árbitro no ténis é bastante respeitada. É impensável haver um insulto a um árbitro de ténis. Se acontecer, bem, o jogador é de imediato expulso. Não há tolerância».

Para manter a ordem é obrigado a falar muito com os jogadores?
«Tento evitar isso, até porque os jogadores precisam de estar concentrados. Não fica bem muita interação. Existe cordialidade, cumprimentos antes e depois, mas pouco mais. Não existem reuniões fora do campo, apenas aquele ritual já no court. A comunicação com eles é mínima. A linha está bem definida».

Tem algum torneio favorito no calendário mundial?
«A prova que me dá mais gozo arbitrar é a Taça Davis. Por ser a situação mais delicada. Ter de arbitrar jogos da seleção de Portugal… Seleções dos grupos 2 e 3 podem ter árbitros de cadeira do próprio país, mas existe um juiz chefe que está dentro do campo a supervisionar. No grupo 1, um dos árbitros pode ser local, mas tem de ser Bronze Badge. Além da Taça Davis, adoro o Estoril Open. Estive em Wimbledon e Roland Garros também, falta-me o US Open e o Australia Open».

Qual foi o jogo que mais o marcou até hoje?
«Arbitrei a Caroline Wozniacki quando era o número 1 do mundo, em 2010. E tive o privilégio de inaugurar a nova era do Estoril Open no Court Central. Este ano, o jogo Gastão Elias/Dominic Thiem na Taça Davis foi brutal e o maior desafio que tive até hoje na arbitragem. Perdi três quilos nesse jogo, acabei esgotado».

Tem algum curso superior ou apostou em exclusivo no ténis?
«Sempre escolhi não estudar (risos). Acabei o secundário sem pegar num livro. O meu sonho era ser tenista profissional. Ao perceber que não teria condições para isso, segui diretamente para o mundo do trabalho. Nunca sonhei ser árbitro de arbitragem até ao tal convite em 2007. Aliás, cheguei a pensar que o ténis era um capítulo encerrado para mim».

Está a usufruir desta presença nas Olimpíadas?
«É o maior sonho profissional concretizado nos meus 32 anos de vida. Sou viciado em Desporto, sempre acompanhei os Jogos e participar nisto… não era um objetivo, era um sonho. Tinha 0,1% de esperanças de ser escolhido. Estava em casa, no sofá, tranquilo. Li o mail a informar-me disto e liguei ao meu pai, a pessoa a quem devo tudo. Francisco Ribeiro, antigo jornalista (risos). Sempre me ensinou a lidar bem com os Media».