Quando se fala de Portugal na Rússia dois nomes vêm imediatamente à memória: Carlos Fino e José Milhazes. Durante anos eles entraram nas nossas casas com as notícias de como o mundo estava a mudar a partir de Moscovo.

Ora o primeiro está hoje no Brasil, onde trabalha na embaixada portuguesa. O segundo deixou a Rússia em 2015 e vive agora em Oeiras, com a mulher estoniana que conheceu em Moscovo e com os dois filhos, que se formaram em Lisboa.

O Maisfutebol foi por isso conversar com José Milhazes, para fazer uma radiografia à Rússia. Nada melhor do que um licenciado em história, que viveu todos os loucos últimos anos da União Soviética por dentro, para perceber o que foi e o que é a Rússia.

José Milhazes recordou o dia em que chegou a Moscovo com 18 anos, sem falar uma palavra de russo, para mergulhar na Guerra Fria. A partir falou-se de como era e do que se tornou a Rússia, até ao dia em que o português sentiu que não era bem-vindo. E veio embora.

Foi para a Rússia muito novo, não é?

Fui com 18 anos, em 1977. No final do período revolucionário em Portugal, portanto. Era militante da União de Estudantes Comunistas e, quando me foi feita a proposta para ir estudar para a União Soviética, claro que aceitei. A União Soviética era estar perto da realização do sonho comunista.

O José Milhazes é de Vila do Conde, certo?

Não, sou da Póvoa de Varzim. Mas cresci na Caxinas.

E vai para a União Soviética fazer o ensino universitário...

Exatamente. Vou estudar para a Universidade de Moscovo. Tive um ano só de ensino da língua russa e depois fui para a faculdade como qualquer aluno normal russo.

Aprendeu facilmente o russo?

Quando viajei para Moscovo pensava que era muito mau em línguas. Todas as experiências com línguas estrangeiras não eram famosas. Mas isto é aquele velho princípio: atiras a criança à água e ou ela aprende a nadar ou morre afogada. Eu aprendi a nadar. É uma questão de sobrevivência: precisas de comer, de te deslocar, enfim, tudo isso obriga-te a aprender a falar. Depois há outra questão: 90 por cento dos exames na faculdade eram orais. Por isso não sou muito bom na escrita. Aliás, por isso mesmo a grande parte das minhas traduções são de russo para português.

Chega à União Soviética em 1977, com 18 anos, em plena guerra fria, sem falar russo, enfim, deve ter sido um choque tremendo...?

Eu nunca me senti muito só porque fui integrado num grupo de portugueses. No meu ano fomos umas dezenas. Já lá havia portugueses, também. Depois na residência onde nos colocaram havia brasileiros, espanhóis, latino-americanos, árabes que falavam inglês ou francês. Por isso nunca houve o perigo da solidão. Depois, e a pouco e pouco, fui entrando em contacto com os russos.

Até com russos que falavam português...

Exatamente. Havia muita gente que estudava português por causa das ex-colónias que faziam parte da zona de influência soviética. Havia uma grande necessidade de preparar quadros para enviar para Angola, Moçambique, Guiné: militares, médicos, agrónomos, professores universitários para ensinarem o marxismo-leninismo, geógrafos, enfim. Acontecia muitas pessoas virem falar connosco em português. Recordo sempre um dia em que íamos no elétrico depois de uma aula de educação física a falar no português mais ordinário possível. Eu sento-me e atrás de mim uma velhinha muito simpática diz-me, num português perfeito: ‘vocês são portugueses’. Se houvesse um buraco no elétrico, nós tínhamo-nos enfiado lá...

Hoje é algo utópico hoje isso acontecer, não?

Não. Pelo contrário. É perfeitamente normal que as pessoas que vão ao Mundial encontrem russos que venham falar com elas em português. A língua portuguesa ainda hoje é ensinada em algumas universidades, colégios privados e institutos.

Mas porquê?

Antes de mais porque a Rússia mantém interesses no Brasil, em Angola e em Moçambique, e tem relações especiais com o Brasil. Depois porque há russos que querem vir viver para Portugal ou para o Brasil. Por isso as aulas de português nas grandes cidades não se queixam da falta de alunos.

Como era a União Soviética em 1977?

Era muito fechada, muito restritiva. Não podíamos, por exemplo, sair de Moscovo sem autorização.

Mas havia fronteiras?

Havia uma circular que dava a volta a Moscovo. Podíamos passar essa linha para ir ao aeroporto, porque ficava fora desse círculo, mas a outro lugar qualquer não podíamos ir sem autorização. Até porque muitas das cidades e vilas eram militares. Por isso para ir a São Petersburgo, por exemplo, ou a qualquer outro local, tínhamos de ter autorização e um visto. A polícia podia aparecer e pedir esse visto. Se não o apresentássemos éramos multados e à segunda éramos expulsos do país.

Mas voltando à União Soviética de 1977...

Havia demasiado ideologização da sociedade, que era uma coisa terrível. A propaganda era... E eu fui num período em que a maioria dos soviéticos, sobretudo nas grandes cidades, já olhava para o regime como se fosse uma farsa. Já não acreditava naquilo. Porque via que na realidade as coisas não eram assim. Depois fui estudar numa faculdade que tinha muito de ideológico. Licenciei-me em história. E as limitações eram muitas e levavam-me a questionar os princípios que nós defendíamos: nós defendíamos princípios que eram violados ao nível mais elementar.

Como por exemplo?

Por exemplo, não tínhamos acesso a certas obras da literatura, para investigação, sem autorização do decano da faculdade. Havia temas que eram tabus.

Temas que tivessem a ver com o regime...

Eu tive dois anos de estudo da história do Partido Comunista da União Soviética e a história do Partido Comunista da União Soviética mudava periodicamente: um líder contava à sua maneira, vinha um novo líder e contava de maneira diferente. Quando se dá o golpe militar de 1917 destaca-se duas personagens: Lenine e Trotsky. Depois chega Estaline ao poder, limpa Trotsky da história e passa a ser Lenine e Estaline, primeiro, e Estaline e Lenine, mais tarde. Quando Estaline é derrubado, o Trotsky continua a ser o mau da fita, o Estaline é apagado e o Lenine é figura única. Ou seja, nós estávamos numa revisão permanente da história.

Para um jovem das Caxinas que imaginava que o comunismo era o paraíso deve ter sido um choque...

Claro que eu me fazia muitas perguntas. Depois começas a ver as limitações da sociedade, o nível de vida das pessoas...

As pessoas passavam muitas privações?

Viviam a um nível muito, muito baixo. Eu sou de uma família humilde, uma família de pescadores, e sempre que vinha a Portugal de férias via a evolução das pessoas, como as coisas estavam a melhorar. Na União Soviética isso não acontecia. A qualidade de vida da minha família, que era uma família de pescadores, era melhor do que a qualidade de vida de uma família soviética média. Em Moscovo faltavam os produtos mais essenciais.

Como por exemplo?

Ora faltava pasta de dentes, ora não havia papel higiénico, enfim. Muitas coisas elementares, que não são manias burguesas. Uma coisa que me chocou muito: na União Soviética não havia pensos higiénicos. A pílula não era receitada pelos médicos.

Ninguém tomava?

Só em casos muito excecionais, de pessoas que tivessem boas relações e as fossem comprar ao estrangeiro. O método anticoncetivo mais normal era o aborto. O que fazia com que o número de abortos na União Soviética fosse tão grande que era segredo.

Mas feitos pelo Estado?

Muitos eram feitos pelo Estado, mas a maioria era feita clandestinamente porque as mulheres ultrapassavam o número de abortos permitidos pela lei.

Então o José Milhazes desencantou-se?

Nós estudávamos comunismo científico, que dizia que à medida que o socialismo se vai construindo e se entra numa fase de aproximação ao comunismo, o papel do Estado vai-se diminuindo, até que o Estado desaparece por completo. Mas o que víamos no dia a dia era exatamente o contrário: à medida que o comunismo avançava, o Estado era mais omnipresente e omnipotente na sociedade. Já para não falar na inexistência de pluripartidarismo e liberdade de expressão. Começámos a perceber que algo está mal.

Saiu de uma ditadura em Portugal e passado pouco tempo entrou numa outra ditadura...

Fui encontrar uma ditadura em muitos casos mais rigorosa e forte do que a nossa. Por exemplo na quantidade de presos políticos, nas penas de prisão e na maneira como eram tratados os presos políticos. Isso fez-me pensar. Quer dizer, saímos de uma, se não fosse o 25 de novembro íamos meter-nos noutra, depois viajei para a Rússia e, não obstante Portugal ser um país atrasado, deparei-me com uma sociedade com menos perspetivas de evolução. Portugal, depois do 25 de abril, teve muitas dificuldades, mas foi em frente e iam-se vendo melhorias. Na Rússia não.

Mas voltando atrás: desencantou-se nessa altura com o comunismo?

Durante ainda muito tempo tentei acreditar naquilo. Principalmente quando o Gorbachev chegou ao poder acreditei que a União Soviética podia evoluir para o que eram na altura as sociedades sociais democratas, ou seja, que existisse uma democratização do sistema e que se desenvolvessem no sistema os aspetos que funcionavam. Por exemplo, a educação. Existia uma excelente política de educação, embora depois não se soubesse o que fazer com a educação. Por isso existia a esperança de ver nascer o que se chamava o socialismo de rosto humano. Mas em pouco tempo percebeu-se que o sistema estava podre e que não podia ser reestruturado.

Já agora, como foi viver a Guerra Fria por dentro?

Foi interessante, porque estávamos a viver num dos lados e recebíamos informações dos dois lados. Sabíamos o que se dizia num lado da Guerra Fria e no outro.

Mas recebiam jornais de Portugal, era isso?

Em alguns hotéis havia jornais portugueses, em alguns quiosques das grandes cidades vendia-se o Avante e o Diário, e além disso os pais de alguns alunos enviavam os jornais por correio. Íamos sempre mantendo esse contacto. Claro que a Guerra Fria era preocupante em determinadas situações. Lembro-me por exemplo do choque que provocou em nós a invasão do Afeganistão pela União Soviética em 1979, que depois provocou o boicote aos Jogos Olímpicos de 80. Acordas de manhã, recebes a notícia e ficas de boca aberta. Não queria imaginar que se fosse repetir o que os outros tinham feito: uma intervenção claramente imperialista, que não tinha nada de internacionalismo proletário, até porque no Afeganistão nem proletariado havia.

Mas a Guerra Fria era mais do que esse imperialismo...

A Guerra Fria era sobretudo uma forma de manter os cidadãos soviéticos isolados. Isso interessava muito à União Soviética. Se aquilo se abrisse, como se abriu mais tarde, o regime vinha por ali abaixo, como veio. Eu dou sempre o exemplo da queda do muro de Berlim: se assistirem àquele momento, vejam de onde para onde se desloca a maioria das pessoas...

De Leste para Oeste.

É a chamada votação por pés. A maioria da população vai para o Ocidente. Os que vão para Leste fazem-no por curiosidade e não querem lá ficar. Isto acontece em qualquer sociedade comunista que suavize o aparelho repressivo. É o grande dilema da Coreia do Norte, por exemplo. Se se abre, acabou. Há comparação entre o desenvolvimento sócio-económico da Coreia do Norte e da Coreia do Sul? Por isso eu digo que se o McDonald’s e a Coca-Cola entram na Coreia do Norte, acabam-se os dias do Kim Jong-un.

A não ser que aconteça como no Adeus Lenine, que contruíram uma retórica para explicar que a Coca-Cola era uma invenção comunista...

Exatamente. É curioso: eu fui ver esse filme, o Adeus Lenine, com a minha família aqui em Portugal, e nós ríamo-nos em situação que os portugueses não se riam e os portugueses riam-se em situações que para nós tinham piada nenhuma. Aquilo era a nossa vida. Era a nossa vida.

Mas aquilo que vê foi muito o que vocês viveram?

Claro. Claro. Por exemplo, a Morte do Estaline - que está agora em exibição e que eu aconselho toda a gente a ver, não como um filme histórico, mas como humor negro -, foi proibido na Rússia. O Putin proibiu os russos de verem o filme. Porquê? Há um ditado russo que resume bem o que se passa: quando a cara é torta, a culpa não é do espelho. Mas muita gente ainda culpa o espelho.

Mas voltando à Guerra Fria, não havia um orgulho por se viver num país que era uma superpotência militar?

Mas as pessoas não comem mísseis nem tanques. O problema é que a União Soviética perdeu a corrida social, sobretudo perdeu essa corrida para a Europa.

Portanto a Guerra Fria era alimentada pelo poder soviético mas não pelas pessoas?

As pessoas queriam era ter uma vida digna. Claro que toda a gente fica contente quando está num país que é respeitado. Mas há coisas que as pessoas querem muito mais: sobretudo uma vida digna.

E quando Gorbachev chega ao poder já há uma grande vontade das pessoas de mudar o regime?

Claro. Sem dúvidas. Por isso é que aquilo acabou depressa. Um regime que parecia ser eterno - nunca ninguém imaginava que pudesse cair tão rapidamente, até porque a União Soviética era uma superpotência -, caiu como um baralho de cartas. E caiu muito por causa da militarização da economia e da excessiva intervenção da União Soviética em conflitos internacionais. Foi terrível.

As pessoas não concordavam com isso...

Não é uma questão de não concordar. Ninguém as consultou para nada. Mas se lhes perguntassem toda a gente ia dizer que sim, para não ter problemas. É assim que funcionam as ditaduras.

Havia muitos desertores nesse tempo na União Soviética?

Sim. Houve uma fuga grande quando a União Soviética foi obrigada a autorizar a saída dos judeus para Israel. Até havia uma anedota curiosa, que dizia que judeu não é um povo, é um meio de transporte. Porque havia muitas pessoas que se casavam com judeus só para sair do país. Claro que nem todos iam para Israel, pelo contrário: muitos chegavam a Viena e fugiam para os Estados Unidos. Mas sair da União Soviética era uma coisa terrível. Até mesmo para ir visitar parentes.

O sistema de informações interno era muito forte...

Era forte, mas era mais forte ainda dentro da cabeça das pessoas. Quando se vive numa ditadura, há uma coisa que se mete na cabeça das pessoas: o medo. A polícia pode até não ser já tão eficaz, mas há sempre o medo. Medo de ser escutado, medo de falar em grupo, medo de escrever tudo nas cartas. Esta atmosfera é uma atmosfera absolutamente tenebrosa.

Então por que ficou tantos anos na Rússia?

Essa é uma pergunta que me fazem muitas vezes. Ah e tal, falas mal daquilo, mas ficaste lá. Fiquei lá porque houve uma mudança na minha vida muito brusca e que aconteceu inesperadamente. Há pequenas coisas que fazem mudar tudo: convidaram-me para ser jornalista.

Nessa altura era tradutor?

Era tradutor. Traduzia livros, revistas, enfim. Em 1989, no meio de uma enorme confusão, o Emídio Rangel perguntou-me se não queria ser jornalista.

Para a TSF?

Sim. Eu disse que não sabia nada de jornalismo, mas ele insistiu. Então começo na TSF em 89, logo a seguir vem o Público e mais tarde a SIC. Fui-me envolvendo naquilo. Eu estava numa situação que todos os jornalistas sonham: tinha acesso à informação.

Estava a relatar a história...

Exato. Estava a relatar a história. É daquelas coisas imperdíveis da vida. Dediquei-me tanto ao jornalismo que hoje estou muito arrependido, porque prejudiquei muito a minha vida familiar. Os meus filhos só se lembram de mim a trabalhar como jornalista. Era de manhã à noite. Estive internado no hospital e continuava a trabalhar.

É o bichinho do jornalismo, não é?

É pá, é um bicho tremendo. Que nos suga e nos leva a ficar completamente viciados naquilo.

E durante todo este tempo nunca teve problemas com as autoridades?

Não. Quando comecei a trabalhar a União Soviética estava praticamente no fim e ele tinham muito mais com que se preocupar. Com Gorbachev até havia toda a liberdade para se trabalhar. Mas quando me vim embora, em 2015, tive uma conversa azeda no Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia e foi por isso até que me vim embora, apesar de também já estar na altura: 38 anos já era de mais, nem sei se poderei viver tanto tempo em Portugal.

Mas o que aconteceu?

Foi a única situação em que me fizeram perguntas estúpidas. Eu perdi a cabeça.

Foi assim tão feio?

Foi. Na Rússia temos de renovar a credencial de jornalista todos os anos. Quando quis fazer a renovação da minha credencial, em 2015, estava a haver demora. Eu estava a ficar sem visto e não podia ficar sem visto. Até que fui ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e me começaram a fazer perguntas estúpidas. Por exemplo: quem é Pinto Balsemão? Se queriam saber quem é Pinto Balsemão, ligavam para a embaixada da Rússia em Lisboa e perguntavam. Mas eu lá expliquei, com paciência, que foi nosso Primeiro-Ministro e que é dono da SIC. A segunda pergunta deixou-me furioso: ele telefona-lhe antes dos diretos para dizer mal da Rússia? Eu virei-me para os gajos a perguntar se estavam loucos. Eles dizem-me que os americanos fazem isso e eu respondo que me estou a borrifar para os americanos. Bem, a discussão demorou hora e meia. No fim dizem-me que tenho de renovar a credencial de meio em meio ano. Eu fiz as malas e vim para Portugal.

A Rússia ainda é muito restritiva?

Volta a ser, sim. Houve períodos em que não foi assim. Com Ieltsin, por exemplo, que foi um dirigente terrível, mas que foi o tempo de maior liberdade. Mas com Gorbachev também.

Acha que a Rússia está a caminhar para ser novamente uma ditadura?

Não acho, já é uma certeza: está a caminhar nesse sentido. É um sistema autoritário com características ditatoriais bem visíveis em determinados setores.

Por exemplo no afastamento dos opositores do regime...

Esse é um dos exemplos. Mas há mais. Como há uns dias foi revelado por algumas organizações, o sistema de falsificação de votos nas últimas eleições é muito maior do que se pensava. Mas a mim preocupa-me sobretudo quanto tempo Putin vai estar à frente da Rússia e o que vai acontecer à Rússia. Isso preocupa-me muito.

Mas não há sinais de que ele vá sair...

Sabe-se lá... Isso depende de como são analisadas as coisas. Na sociedade moderna, as coisas mudam de segundo a segundo. Por isso é arriscado fazer previsões.

E que Rússia é esta que vamos encontrar no Mundial?

É um país com alguns focos de desenvolvimento muito bonitos, como é o caso de Moscovo. Há Moscovo, há São Petersburgo, e depois é tudo província. Desafio-o a comprar um telemóvel ou um computador russo.

Não há?

De fabrico russo? Não. Há telemóveis, claro, e dos mais modernos que pode ver. Mas feito na Rússia? Isso é que é sinal de modernidade: as altas tecnologias. Não é dizer que se tem bombas para fazer isto ou aquilo. Mas eu desconfio que a Rússia perdeu o comboio da modernização. E acho que a Rússia não vai ter capacidade para manter esta política externa que tem.

De influência?

De tentativa de influir em várias regiões do mundo. Não tem uma força económica nada semelhante ao Estados Unidos ou à China. De longe.

A sociedade russa mudou muito, entretanto?

Mudou, mudou. Os russos puderam entretanto viajar e correr mundo. Quero acreditar que seja por muito tempo. É saudável que as pessoas possam contactar com o mundo, porque começaram a pensar de uma forma mais ampla. Os mais jovens nas grandes cidades já falam inglês, por exemplo. Mas também há uma certa distorção disto tudo: Moscovo não é um indicativo do desenvolvimento da Rússia. Você chega a Moscovo e vê stands da Maserati ou da Lamborghini, mas não pense que o parque automóvel de Moscovo é comparável ao de Saransk, por exemplo. Saransk vai ser uma novidade para quem lá for, e Portugal vai jogar lá, porque é uma pequena cidade que vivia do complexo de construção militar. E há uma comparação abismal com Moscovo. Por outro lado, há um crescimento da intolerância na Rússia, do xenofobismo, do homofobismo, enfim. Há uma grande confusão entre ser respeitado e ser temido. A Rússia quer ser temida para ser respeitada.

Para terminar, que conselho daria a quem vai à Rússia?

Na Rússia sê russo. Respeitar a Rússia. Por exemplo as mulheres não podem entrar de calças ou de mini-saias nos templos ortodoxos. Portanto não entrem, não sejam feministas na Rússia. Os homossexuais a mesma coisa. Respeitem as regras mais elementares da segurança. É um país diferente. Mas cumprindo as regras básicas, podem ir à vontade. Não vão ter problemas nenhuns.