Washington chegou ao Nacional no defeso da temporada passada. De forma discreta, como foi quase toda a sua vida. Mesmo em campo, não é dos jogadores mais exuberantes que o futebol já viu, mas os números provam como se tornou vital na equipa de Manuel Machado.

Na época passada cumpriu 34 jogos. Este ano já soma sete. Ainda busca o primeiro golo, mas essa também não é a sua principal função em campo. Daí a discrição que referíamos.

Pegou de estaca no miolo do Nacional e quem o vê jogar pode testemunhar a força de um jogador de combate. A mesma que teve de ter para ultrapassar fases difíceis da vida, quer no seu início, antes de ser jogador, quer durante o percurso.

Em 2011, Washington chegou mesmo a interromper a carreira por mais de um ano face às poucas alternativas que apareciam. Dedicou-se a outro negócio: vendedor de chinelos havaianas, uma das imagens de marca do Brasil. Voltaria aos relvados. Em boa hora dirá Manuel Machado e companhia.

Parte II: «Manuel Machado não xinga ninguém»

Sempre sonhou ser jogador de futebol?

Sempre. Desde pequeno. Joguei muitas vezes na rua descalço e também nuns campinhos de terra que no Brasil chamamos de «terrão». Chegava a casa todo sujo, com o dedo machucado por chutar o asfalto em vez da bola…Sempre tive este sonho.

Foi uma infância difícil?

Não sei…Mas é verdade que muitos amigos conquistavam o que queriam mais facilmente. Por exemplo, quando comecei a treinar no Corinthians foi difícil, pela falta de dinheiro. Vou dar um exemplo. Imagine que tinha o equivalente a 10 euros. Isso não chegava para apanhar dois autocarros para ir e dois autocarros para voltar, sendo que, quando acabava o treino, era preciso comer um lanche, beber um suco, porque a viagem para casa eram duas horas e ficava com fome claro. Aquele dinheiro não dava para tudo. Portanto, quando o motorista não deixava passar por baixo da cancela não podia lanchar ou apanhava só um autocarro e fazia o resto a pé. E aí a comparação com os amigos era mais dura, porque esses tinham condições financeiras melhores e já iam de carro, já levavam mais dinheiro. Para uma criança é sempre duro.

É verdade que, mais tarde, chegou a interromper a sua carreira por falta de propostas? Achou que ia deixar de jogar futebol nessa altura?

Isso foi em 2011. Terminou o meu contrato com o Figueirense e fiquei à espera que alguma coisa acontecesse. Mas não acontecia nada. Ou apareciam propostas sem interesse, com valores muito baixos. Fiquei um ano e três meses em casa sem jogar. Foi o momento mais difícil da minha carreira. Tive de me arranjar outra coisa para ganhar dinheiro e comecei a vender chinelos havaianas. Era um negócio que ainda dava para explorar muito no Brasil. Não havia aquela epidemia que é hoje. Comprávamos as havaianas feitas e depois, eu e a minha esposa, decorávamos manualmente e vendíamos. Tudo feito à mão, trabalhado. Chama muito a atenção. Começamos devagar, a vender um par aqui, outro ali, mas quando o dinheiro começou a faltar tivemos de apostar muito nisso.

Essa fase deixou-o preparado para tudo o que ainda pode surgir na sua carreira?

Foi uma lição que eu tive. Nunca pensei que ia passar por aquilo. Deixou-me mais adulto. Dou mais valor a tudo hoje. Naquela altura não tinha um euro para comprar pão...Cheguei a ter só dez euros no bolso... Nem fruta conseguia comprar para a minha mãe. Foi uma fase muito complicada. Tão cedo espero não passar por algo parecido.

Antes disso, porém, esteve na Sérvia, a sua primeira experiência no futebol europeu. Como foi?

Fui para lá com 18 anos. Como eu disse, tinha o sonho de ser jogador de futebol, portanto quando apareceu a proposta disse logo que sim. Nem sabia como era o idioma, nem como era a comida. Só queria ser jogador e acabei logo por ir. Cheguei lá e não sabia dizer nada. Nem inglês falava. Ia comer ao restaurante e não sabia falar. Apontava para o menu. Um dia estava a morrer de fome e um amigo convidou-me para ir comer uma pizza. Eu adoro, disse logo que sim. Como gostava muito, nem pensei, apontei uma à sorte porque podia ser qualquer uma. Quando veio a pizza, nem é bom falar. Era um sabor horrível…Devia ser justamente o único sabor que eu não gostava. Não queria devolver porque era o meu amigo a pagar e era chato. Fui empurrando uma ou duas fatias até não dar mais…

E mesmo o clima, também não é propriamente de São Paulo...

Pois, o clima também assustou. Cheguei a apanhar 10 graus negativos. Não estava preparado para isso. No Brasil o máximo que apanhamos é 13, 15 graus. Lá via as ruas cheias de neve, os carros também cobertos. Foi muito difícil.

Dá-se melhor em Portugal?

Com certeza. Portugal é parecido com o Brasil. A Madeira então é muito parecida com São Paulo, até na temperatura.