Viagem às ideias e convicções de Vasco Seabra, treinador do Paços de Ferreira, o mais jovem da Liga. Conversa exclusiva com o Maisfutebol, numa fase em que os pacenses já garantiram a manutenção e atravessam um excelente ciclo de resultados: duas vitórias consecutivas.

Reflexão, ainda, sobre o estatuto de treinador dentro da Liga portuguesa. A vida não está fácil para eles e Vasco aponta dois motivos para isso. Uma figura para acompanhar com muita atenção.

Parte 1: da loja de desporto dos pais ao banco do Paços

Parte 2: «Paulo Fonseca é a minha grande referência»

Maisfutebol - Janeiro foi um mês difícil. Os resultados melhoraram só a seguir. Consegue explicar isto?
Vasco Seabra - «Nos últimos 11 jogos temos 15 pontos conquistados, apenas duas derrotas e a quarta melhor defesa. Não é por acaso. Tudo isto aconteceu depois do fecho de mercado. Senti que a equipa e o grupo estabilizaram. Treinar bem durante a semana permitiu o crescimento da equipa. Sinto essa evolução. Agora treinamos mais intensamente nos dois primeiros dias da semana e diminuímos nos dias seguintes. Na antevéspera só trabalhamos bolas paradas. Quero que os jogadores, e até nós treinadores, cheguem frescos aos jogos. Na noite de véspera do jogo durmo descansado, na noite seguinte não prego olho. Chego à almofada e visualizo tudo.»

MF - Como combate essas insónias?
VS - «Bem, é assim: ou adormeço logo e acordo uma hora e meia depois; ou estou acordado até às seis da manhã. Temos os jogos filmados e vou observá-los durante a madrugada, pormenor a pormenor, jogada a jogada. O que correu mal, o que fizemos bem… É importante identificar tudo.»

MF - Consegue identificar o melhor jogo do Paços com o Vasco como treinador?
VS - «Houve fases boas em vários jogos. Perdemos 3-1 no Marítimo, mas entre o segundo golo deles – aos dez minutos – e o nosso primeiro golo, estivemos próximos do que pretendo. Contra o Chaves perdemos e na segunda parte fizemos uma exibição excelente. E agora a vitória sobre o Sp. Braga. Defensivamente temos sentido um padrão coletivo muito bem identificado com a defesa zonal e a organização. E temos vindo a ganhar metros.»

MF - Faltavam as vitórias fora de Paços de Ferreira.
VS - «Tivemos uma fase em que não pontuámos fora. Sete ou oito jogos. Isso provoca tensão. Em Vila do Conde estivemos bem organizados, tivemos sacrifício. Eu fui expulso porque também me senti tenso e menos paciente com o árbitro. Não fomos afoitos ofensivamente, mas mantivemos a baliza a zero. Foi um momento de viragem, sentimos que a partir daqui a equipa começou a acreditar mais nos jogos fora.»

MF - O processo é o mais importante?
VS - «Eu quero ganhar sempre agarrado a uma ideia. O processo é fundamental.»

MF - Gosta mais de um jogo espetacular, descontrolado, ou de um jogo organizado?
VS - «Sei que os adeptos respondem sempre a primeira opção, mas eu prefiro ter controlo e organização sobre os meus jogos. Entusiasma-me mais ver a equipa saber o que fazer com bola, reagir à perda e saber de que forma deve construir de imediato. É isso que cria fluidez na dinâmica. Mas gosto de um jogo positivo. Não gosto de ter só posse e fazer dois remates o jogo inteiro.»

MF - Mas este Paços não joga futebol direto.
VS - «Não, nem vai jogar. Aposto muito na primeira fase de construção, não quero bola direta no ponta-de-lança e acreditar nas segundas bolas. Corremos alguns riscos na primeira fase de construção, mas temos jogadores com coragem. Errar é normal, se calhar vamos expor a equipa, mas sei que muitas vezes vou criar situações de golo também. Este equilíbrio, esta balança, é fundamental.»

MF - Essa coragem é aplicável até nos jogos contra os três grandes?
VS - «Acredito que sim. Não mudámos nada na nossa forma de treinar antes desses jogos mais mediáticos. Em Alvalade disseram que éramos lunáticos, porque tínhamos uma linha defensiva curta. É essa a minha intenção. Encurtar a equipa, pressionar e sair com qualidade. Não acredito numa equipa camaleónica, sempre a mudar. Não, tenho ideias muito sólidas e agarro-me a elas. Na continuidade, o processo cria intencionalidade.»

MF - Mas nem sempre é possível ter bola. É preciso sofrer.
VS - «Treinamos todos os dias os quatro momentos de jogo e as bolas paradas. Estamos preparados para isso e cada um dos jogadores sabe o que deve fazer em momentos de pressão. Contra o Benfica, por exemplo na segunda parte, reagimos e passámos a ligar melhor o jogo na transição. Na primeira parte não foi possível, mas adaptámo-nos. Depois, sim, acalmámos, rodámos a bola e tivemos ocasiões claras de golo.»

MF - Como são as palestras do Vasco no balneário?
VS - «Antes dos jogos não duram mais de três/quatro minutos. No dia a seguir ao jogo, seis/sete minutos. Falo muito com os jogadores, individualmente, por respeito. Há atletas que não são convocados e explico-lhes o meu ponto de vista, sem problemas. Sempre lhes disse o que acho deles, olhos nos olhos. Tenho uma relação próxima com os atletas. O mais importante é ser fiel ao que sou e penso. Ser falso… nem pensar.»

MF - 32 futebolistas no balneário. Não é fácil gerir.
VS - «É fascinante tomar decisões. Com respeito, mas sem reservas. Um dos meus maiores desafios como treinador é desvincular-me do lado emocional e focar-me no que é o melhor para a equipa. Há atletas de quem gosto e tenho de deixar de fora. Tenho de ser honesto. Comigo e com o grupo. Isso, com o tempo, passou a ser a parte mais simples para mim.»

MF - Cinco meses depois, qual é o balanço?
VS - «É bom, é positivo. Temos dado todas as semanas mais um passinho. Aliás, eu já disse aos meus amigos que não posso voltar a falar em crescimento nas conferências de imprensa (risos). Tão perto do fim e a equipa ainda cresce? Ninguém se acredita. Mas está, está a crescer e a descobrir novos caminhos dentro do jogo.»

MF - Não o assusta estar num campeonato onde o treinador parece ser uma figura descartável?
VS - «Percebo a pergunta. E encontro dois motivos para isso. Primeiro, há mais dinheiro nos clubes, devido aos novos direitos televisivos. Isso traz impaciência. Qualquer resultado menos agradável torna o despedimento mais simples. Segundo, os clubes têm de conhecer melhor o treinador que contratam. Se contratamos alguém que conhecemos bem, vamos acreditar nele até ao fim. Não basta ver dois jogos e ouvir um testemunho simpático.»