Dez anos de FC Porto. Um título nacional de juniores, duas Premier League International Cup. Capitão em quase todos os escalões de formação até à equipa B. Do treinadores António Folha a Luís Castro, até às chamadas ao Olival, para treinar com a equipa principal, com Sérgio Conceição e Nuno Espírito Santo.

No último verão, aos 21 anos – hoje com 22 – Rui Pires rumou a França sem o sonho cumprido de jogar no plantel principal do Dragão. Em solo gaulês, o Troyes, para jogar a II Liga francesa. Porém, uma lesão grave num joelho, em novembro último, ditou o fim antecipado da época.

A partir do Porto, onde está a fazer a reabilitação física, o internacional jovem por Portugal, que capitaneou a equipa até à final perdida no Euro sub-19 de 2017, na Geórgia, fala de tudo: dos primeiros dois anos a fazer viagens de Mirandela até ao Porto para treinar, da década de dragão ao peito, da lesão e da nova experiência no estrangeiro.

PARTE II: Mirandela-Porto: «Apanhava obras, trânsito e às vezes nem treinava»
PARTE III: «Sonho entrar no Dragão e jogar pela equipa principal do FC Porto»

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Maisfutebol (MF) – Para muitos futebolistas, o fim de época está em causa pela pandemia da covid-19, mas para o Rui acabou mais cedo com uma lesão grave. Como está a recuperação?

Rui Pires (RP) – Infelizmente a época, para mim, acabou a 30 de novembro. Foi bastante complicado no início. Nunca imaginei ser a rotura total de ligamentos. Conseguia caminhar, fazer as coisas normalmente no dia a seguir. Foi um bocado um choque quando recebi a notícia. Mas estou a recuperar bem, a ficar forte. Com esta situação não sei, mas vai permitir-me começar a nova época em boas condições.

MF – Após a lesão, foi tratado em Portugal?

RP – Sim. No dia da ressonância magnética, as pessoas do clube disseram-me para decidir. Se preferia vir para Portugal para estar junto da família ou ficar em França. Achámos melhor voltar para Portugal. Como nos primeiros tempos era só canadianas, fisioterapia todos os dias, era mais fácil estar junto da família. Fui operado pelo doutor Noronha, no Porto. Tive sempre acompanhamento e continuei a fisioterapia com um fisioterapeuta que esteve em grandes clubes, no Manchester, no Mónaco e no FC Porto. Tem sido um dos meus grandes apoios, o Tiago Silva, ele e a minha família.

MF – Está nesta altura no Porto.

RP – Sim, a minha terra natal é São Pedro Velho, aldeia de Mirandela, os meus pais estão lá com a minha avó. Para continuar a fisioterapia e os treinos que posso fazer, foi melhor ficar cá.

MF – A recuperação vai em quatro meses. Quanto tempo lhe apontam para o regresso?

RP – O médico da equipa disse que era uma lesão para oito meses, no mínimo. A fisioterapia pode fazer-se em seis meses, mas é cedo para começar a jogar a um nível alto. Tanto o doutor da equipa como o doutor Noronha insistiram para ter calma na recuperação e fazer até oito meses. Certamente vou estar pronto para a pré-época.

MF – Emocionalmente é um processo duro…

RP – É... Eu já comentei com familiares e amigos. Quando um jogador vê alguém ter esta lesão, fica triste, mas ninguém sabe realmente o que é passar por esta lesão. Só o facto de ir à casa de banho, de tomar banho, o não conseguirmos fazer nada sozinhos... É bastante complicado o primeiro mês, nós deixamos de saber caminhar. Nos primeiros tempos foi complicado saber que a época tinha acabado para mim. Mas ultrapassei. Faz-nos pensar e ficar mais fortes noutros aspetos.

MF – Caminhar nos primeiros tempos era difícil. Como ultrapassou essas debilidades?

RP – (risos). Eu estou no Porto a morar com a minha namorada e a minha irmã. Elas são o meu grande apoio e os meus pais também vêm cá. Não é fácil e precisamos de estar acompanhados para as refeições, para tomar banho. Eu não conseguia tomar banho sozinho. Para caminhar, para fazer as coisas simples. Precisava de estar constantemente a fazer gelo, de alguém perto de mim.

MF – É a primeira etapa da carreira fora de Portugal. Como surgiu França, o Troyes?

RP – Tive várias propostas da I Liga de Portugal. Itália e Espanha, segundas ligas. Esta hipótese de ir para França foi porque gostei do projeto. Depositaram confiança em mim. Após falar com várias pessoas ligadas ao futebol e dentro do campeonato francês, que eu não conhecia, as hipóteses apontaram para lá. É uma equipa que está na luta pela subida e já disputou a I Liga. Foi um desafio. Saí da minha zona de conforto, estava no Porto há dez anos. Estou feliz. Com a lesão, estragou um bocadinho o primeiro ano, mas consegui adaptar-me bem.

MF – Mas numa fase inicial da carreira, o estrangeiro, um clube desconhecido, não poderia ser arriscado?

RP – Eu gosto de ter posse de bola. Sou a favor do estilo de jogo com bola. Preferi estar numa equipa de II Liga para lutar para uma subida, em que vamos a qualquer estádio e controlamos o jogo, do que estar numa equipa da I Liga. As propostas que tive eram de equipas supostamente de meio da tabela para baixo e foi esse um bocadinho o meu ponto de vista. E claro: financeiramente, é superior à I Liga em Portugal. Falei com várias pessoas que estão dentro do futebol francês, italiano, espanhol e todos disseram que seria uma oportunidade para eu crescer.

MF – Que clubes da I Liga foram? E com quem se aconselhou?

RP – Acho que alguns foram públicos. O Paços de Ferreira, o Belenenses também. Com quem me aconselhei, não vale a pena dizer, mas são pessoas que estão dentro de várias ligas. Falavam-me, a nível físico, que o jogo lá é intenso. E dos adeptos. Quando vou a qualquer estádio, há sempre 10 a 15 mil pessoas, coisa que aqui não conseguimos em todos os jogos.

MF – A segunda liga francesa parou com o Troyes está no quarto lugar, em zona de play-off. Como antecipa o final de época? Pode estar uma subida em jogo…

RP – Nós - e muitas equipas - não queremos que o campeonato pare. Primeiro está a saúde e penso que só deve retomar quando as coisas estiverem tranquilas. Estamos a dois pontos do segundo lugar, os dois primeiros dão subida direta, os outros três vão disputar um play-off. Toda a gente quer estar nos dois primeiros lugares e faltando dez jornadas, estando a dois pontos, não é nada. Estamos na luta para a subida e que consigamos subir diretamente ou pelo play-off.

MF – Sentiu diferenças do futebol português para o francês?

RP – Eu não tive oportunidade de estar numa I Liga em Portugal, mas de uma II Liga portuguesa para uma francesa senti muita diferença. A nível de espetadores, jogos todos transmitidos na televisão e, a nível de jogo, há mais intensidade e qualidade. Jogadores com qualidade – estou a falar da minha equipa - a maior parte já estiveram na I Liga, representam seleções nacionais.

MF – O Troyes, numa I Liga portuguesa, ficaria a lutar por…

RP – (risos). Não consigo imaginar. É um nível alto, claro que em Portugal temos equipas com qualidade, tirando FC Porto, Benfica, Sporting, V. Guimarães, Sp. Braga, as cinco equipas top portuguesas, outras também têm qualidade. Obviamente, lá fora, há equipas mais fortes financeiramente e é um ponto forte para muitos jogadores quererem sair do nosso país.

MF – No Troyes encontrou um jogador que passou por Portugal e pelo FC Porto, Suk.

RP – Ele só foi em janeiro. Um jogador que está lá e esteve no Sporting é o Kiki Kouyaté. Ajudou-me bastante na adaptação, fala um pouco português. Mas todos ambientaram-me bem e o clube dispôs logo aulas de francês, tanto para mim como para a minha namorada. Qualquer pessoa, no estrangeiro, gosta de ser bem tratada e ambientei-me bem.

MF – Além do futebol, como é a vida, a comida, os costumes em Troyes?

RP – A comida, claro que a portuguesa é melhor (risos), mas eu também sou fanático. Os costumes, parecidos com Portugal. Uma das coisas que notei é que os supermercados ao domingo estão de folga, em Portugal seria boa ideia. Também vemos pessoas de diferentes países, como árabes, africanos. Temos o necessário, não há muito trânsito e é uma cidade bonita, com construções antigas e os turistas enchem a cidade.

MF – Tem contrato até 2022. É para cumprir ou há outros objetivos?

RP – O grande objetivo é conseguir subir para a I Liga e permanecer lá. Qualquer jogador tem ambição de chegar mais longe, mas quero ajudar a equipa a subir para I Liga.