«Yeah, sou eu»

Tal como em campo, o inglês já finta um pouco o português…

Foi assim que Domingos Quina se apresentou ao Maisfutebol, já em Londres, depois da aventura no Azerbaijão.

Aos oito anos trocou as «bolas balão» na Guiné pelas bolas a sério em Portugal.

Por conselho do pai, Samuel Quina, antigo jogador do Benfica, deixou o cimento das ruas da Amadora e foi pisar os relvados no Benfica.

Agora está a um passo da Premier League.

O título europeu em sub-17 deu-lhe projeção mas parece não ter beliscado a alegria de menino, nem a humildade com que encara a vida. Até porque em casa tem quem lhe puxe as orelhas, se necessário.

Até este Europeu, provavelmente muita gente não conhecia o Domingos. Como é que se define enquanto jogador?

«Sou um jogador simples mas completo, tenho um pouco de tudo. Não sou muito rápido, menos quando tenho a bola nos pés. Adoro fazer as coisas acontecer, criar jogo e sobretudo fazer coisas que as pessoas não estão à espera que aconteça. “I love suprises!” Adoro surpresas dentro de campo (risos)»

E fora dos relvados?

«Sou também um rapaz simples, que gosta de aproveitar o tempo livre, se bem que agora já não vou ter praticamente. Mas gosto de me divertir, de rir, de estar em casa a jogar consola. Não sou muito de sair, mas gosto de sair com os meus amigos»

Domingos Quina (à esquerda) com Mésaque Djú, durante o Europeu Sub-17

Como é que cresceu este bichinho pelo futebol? Houve aí alguma mãozinha do pai?

«“No”, foi uma escolha minha. Desde que me conheço que gostava de jogar à bola. Lembro-me que na Guiné não jogava com bolas boas, mas também não eram de trapo, eram “like” bolas balão. Rebentavam sempre e depois tínhamos de ir comprar outras. Nas ruas, com os amigos, comecei a descobrir a beleza do futebol, e encantou-me logo. O meu pai nunca me disse para ser jogador, mas deixou-me. Sempre nos deixou fazer o que queríamos. Ele apoia-me em tudo e mais agora porque sabe que eu tenho muitas “chances”, muitas possibilidades. Quer sempre que eu aprenda»

A certa altura apareceu o Benfica. Foi uma escolha pessoal ou do pai?

«Eu vim da Guiné e obviamente que o meu pai gostava que eu fosse para o Benfica. Ele é fanático, eu sou benfiquista mas mais tranquilo (risos). Mas foi por minha vontade. Cheguei lá, treinei, gostaram de mim, e fiquei»

Como foi a experiência lá?

«Foi muito boa, trataram-me sempre muito bem. Às vezes tenho saudades, porque deixei muitos amigos, ficaram todos lá. Quando vou à seleção é ainda mais especial porque reencontro muitos dos meus amigos. Ficamos a falar e a divertir-nos, a lembrar os tempos antigos»

Por que saiu do Benfica então?

«Porque queria novos desafios, queria melhorar enquanto jogador. Foi então que fui para Inglaterra, sem os meus pais. Inicialmente fiquei em casa de um familiar. Ele conhecia um homem no Fulham, e sugeriu-me fazer lá uns treinos para ver se gostava ou não do futebol praticado. Fui lá treinar e gostei. Só tive dois treinos no Fulham, depois o meu antigo “manager”, empresário, que tinha sido jogador do Chelsea, achou que o Chelsea era o melhor para mim. E a verdade é que adorei também»

Como é que um jovem português cresce em Londres?

«(Risos) Foi muito divertido ao princípio, porque não sabia falar inglês nem nada, era engraçado. Foi uma aprendizagem e tudo se resolveu bem. Os meus amigos ainda hoje brincam comigo “ah e tal, agora sabes falar, mas antes nem uma palavra dizias, nada”. Foi difícil mas giro»

O jovem vive em Londres desde 2012, altura em que ingressou no Chelsea

Depois do Chelsea, o West Ham. Agora que vai ficar nos «hammers», qual o sentimento?

«“Yeah”, eles já me tinham dito que contavam comigo ainda antes do Europeu, então já estava tudo tratado. Estou tranquilo e focado no que tenho de fazer»

Com esta renovação fica mais próximo de dar o salto para a equipa principal, ou ainda é cedo?

«No futebol nada é cedo, tudo pode acontecer. Temos de estar preparados para tudo, saber que tudo pode acontecer, o futebol é assim. Temos de fazer o melhor todos os dias para melhorar, para ter oportunidades. Agora vou estar a competir com os juniores do West Ham, vou para um nível mais alto. Já tinha experimentado e adorei treinar com eles, trabalha-se mais mas também se evolui mais. A partir daí tudo é possível»

Já se cruzou alguma vez com Bilic, o treinador principal? O que disse ele?

«Foi ele a grande razão pela qual assinei com o West Ham. Fiz treinos nos juniores com ele e depois convenceu-me a ficar. “You know”, há clubes que compram jogadores por vinte euros e para eles isso não faz diferença, mas há outros que os compram por dez e vão querer recuperar o dinheiro investido mais tarde. Querem que o jogador evolua porque precisam. E é mesmo, eles compram um jogador para o ajudar a evoluir. O Bilic falou comigo porque gostou do meu trabalho, só que eu estava a rir-me e nem me lembro do que ele disse (risos)»

Gostava de voltar a Portugal um dia, ou o objetivo é mesmo fazer carreira em Inglaterra?

«Em Inglaterra, porque é a melhor liga do mundo para se jogar. Mas amanhã posso ter de ir para outro lado, nunca se sabe. Estou muito feliz aqui, tenho pessoas que acreditam em mim»

Com 16 anos, é visto como uma promessa do futebol português. O que pensa disso?

«Epá é bom ouvir isso, mas tenho de me manter humilde e saber o que tenho de fazer. As opiniões das pessoas são diferentes e eu só tenho de me focar no meu trabalho e tentar melhorar»

O médio foi um dos jogadores em destaque no Europeu Sub-17 (foto André Sanano/FPF)

Há algum exemplo que siga? Agora fala-se muito do Renato Sanches, é um bom exemplo?

«É um bom exemplo de um miúdo que chegou lá acima, e que aproveitou bem a oportunidade que teve, e é claro que gostava que acontecesse o mesmo comigo. Mas o meu exemplo é o Iniesta. Gostava muito de ser como ele, porque torna as coisas simples e bonitas e admiro o estilo de jogo dele. Mas gosto muito também do Pogba e do Cristiano Ronaldo. Aliás, gostava de jogar com o Cristiano…com, nunca contra (risos)»

O pai Samuel foi um central invulgar (saiba porquê), mas teve uma carreira interessante. Ainda lhe dá conselhos?

«Epá eu estive a ver umas fotos dele quando era novo e não parecia nada um central (risos). Não sei se é por causa disso, mas agora diz que tenho de ir para o “GYM”, para o ginásio. Até porque, se ele tivesse tido mais massa, se calhar jogava mais tempo no Benfica. Ele diz-me que isso ajuda até a evitar lesões. Anda sempre a dar-me conselhos sobre o que posso ou não posso comer. Mas há muito respeito um pelo outro, somos tranquilos aqui em casa»

Em relação ao Europeu. O que sentiu depois de vencer o troféu?

«Foi uma alegria enorme. Trabalhámos muito e fomos melhores. Fazíamos muitas coisas que os outros não faziam. A certa altura, eu e os meus colegas pensámos «epá temos de ganhar esse torneio, senão algo está errado”, porque eramos melhor do que as outras equipas, não fazia sentido não ganhar. Depois, claro, foi uma festa ainda maior por ter sido após penaltis»

Qual é que foi o segredo para a vitória?

«Somos muito competitivos, mas também muito unidos, e isso ficou provado em campo. Jogámos como equipa e com vontade de ganhar. Não havia segredos, além do grito de guerra antes dos jogos. Mesmo fora de campo não tivemos nada para fazer, ficávamos no quarto a ouvir música e a jogar»

Domingos foi o «número 10» da seleção no Europeu sub-17 (foto André Sanano/FPF)

Lembro-me que havia muitos curiosos sobre o nº10 da seleção. Correu bem…

«Acho que me correu bem o Europeu, mas podia ter corrido melhor. Acho que correria melhor se estivesse no mesmo nível “physique”, físico dos meus colegas. É também por isso que o meu pai me fala do “GYM”. Mas ele ficou satisfeito. No final ligou-me a dar os parabéns: “eh lá, já és campeão” (risos)»

Serão vocês a nova geração de ouro do futebol português? Vê coisas boas no futuro?

«Se continuarmos assim acho que podemos ser a geração de ouro, mas vamos ver o que o futuro traz. Temos de trabalhar e acreditar, fazer com que as coisas aconteçam. Acho que temos grandes hipóteses de conquistar algo maior no futuro. Quando olho para as outras seleções sinto que somos os melhores da nossa geração, por isso é que somos campeões. Acho que o futuro de Portugal está garantido, mas depende de nós fazer com isso que aconteça, porque ainda há um longo caminho até lá».