Quando, em 2009, Tiago assinou pelo Trofense, da II Liga, mesmo tendo propostas de clubes da Primeira, fê-lo com uma convicção: era o passo final para terminar a carreira. Nunca pensou, contudo, que só o faria sete anos mais tarde, já com 40 anos (faz 41 a 4 de julho).

Mas chegou mesmo a hora do adeus. Vinte e três anos depois do primeiro jogo oficial na I Liga, ao serviço do Famalicão, o médio que ao serviço do FC Porto viveu por dentro duas das melhores épocas da história do clube, despediu-se dos relvados na semana passada.

Para trás fica muito que contar e também alguns desgostos, com um a superar os demais: nunca ter sido internacional.

Em conversa com o Maisfutebol, Tiago fez o balanço da carreira, assumiu que ainda não sabe qual será o próximo passo mas sabe bem do que terá mais saudades: «Do jogo em si.»

Qual o segredo para jogar até aos 40?

Acima de tudo, é preciso ter gosto e paixão pela profissão. E também tive a felicidade de não ter nenhuma lesão grave ao longo da minha carreira. Isso também contribuiu para a longevidade que atingi, como é lógico. É preciso também fazer uma boa vida ao longo destes anos, até a nível de alimentação. E depois a motivação, claro, que é sempre importante.

E onde se vai buscar motivação para ano após ano continuar a jogar?

Não é fácil. Ainda por cima esta época foi muito difícil. Passamos por situações cruéis. Estamos a falar do Campeonato de Portugal, não tem nada a ver com uma Liga profissional. Tudo é diferente. A situação financeira do clube, como é do conhecimento público, é dramática. A maioria dos jogadores ganhavam para a gasolina, para as despesas do dia a dia. E mesmo assim o clube tinha dificuldades em pagar. Chegamos a estar com seis meses a receber ajudas de custo. Não era propriamente um vencimento. Tudo isso não é fácil. Mas sendo o clube da minha terra, onde nasci para o futebol…Só nós sabemos o que passamos. Fomos uns campeões.

Curiosamente, mesmo sendo a última, esta até foi a época da carreira em que marcou mais golos (três).

Não é muito vulgar marcar golos, sinceramente. Ao longo da minha carreira, se fizesse um golo por época já era muito bom. As situações e as oportunidades surgiram. São momentos que surgem e não sabemos explicar.

Agora que assumiu o adeus, já sabe o que vai fazer?

Não. Sinceramente ainda não tomei nenhuma decisão. Não tenho pressa. Vou aguardar, ponderar e perceber também qual o futuro do clube.

Já se habituou à ideia de ser, agora, um ex-futebolista?

Sinceramente ainda não caí na realidade. Porque acabou o Campeonato no domingo, ainda tenho um jogo para fazer, mas será uma homenagem do clube. Para mim é um enorme orgulho, um reconhecimento por parte das pessoas do clube. Não vai ser fácil habituar-me. São muitos jogos de futebol profissional, quase 23 anos. A minha vida foi o futebol. Vou sentir falta do balneário, como é lógico.

Que balanço faz da sua carreira? Cumpriu todos os sonhos que tinha?

Já tinha comunicado que esta seria a minha última temporada. Não é que não tivesse condições para jogar. Tenho. Físicas e morais. Apesar dos meus 40 anos, não é por acaso que se falhei dois ou três jogos esta época foi muito. É da minha forma de ser. Não era capaz de andar pelos relvados a arrastar-me. Se me sentisse a mais, era o primeiro a retirar-me. Tenho consciência, portanto, que poderia jogar mais um ano ou dois, mas tudo tem um fim. Acabo com dignidade, no clube onde me iniciei. Perguntaram-me se foi um dia triste, o do último jogo, mas disse sempre que não. Pelo contrário. Foi um dia marcante, de emoções. Saio com orgulho do grande caminho que trilhei ao longo da minha carreira desportiva. Gostaria de ter representado a seleção A. Fui internacional, mas não pela seleção A. Foi o único ponto que faltou. De resto não tenho se não orgulho do que construí.

Foi lançado no Famalicão pelo Abel Braga em 93. Era um futebol muito diferente naquela altura?

Não tinha nada a ver com o de hoje, de facto. Eu era um menino, na altura. Assinei pelo Famalicão quando tinha apenas 17 anos, era um júnior no Trofense, embora já jogasse pelos seniores. Fui da II Divisão B para a Liga. Era um outro patamar, outro futebol. Era um futebol distinto. Hoje em dia o futebol é mais físico, mais competitivo, antigamente havia mais qualidade. Havia mais craques. Eu costumo dizer aos miúdos para aproveitarem porque hoje em dia é muito mais fácil chegar à I Liga.

Chega relativamente cedo na carreira ao Benfica. Como foi essa experiência?

Foi boa. O Benfica é um clube grande, mas apanhei um Benfica que não estava estável. Não era tão organizado como é hoje. Agora é um clube muito mais respeitado. No meu tempo, infelizmente, não era assim. Mas fui feliz e apesar da minha juventude conquistei o meu espaço e o carinho das pessoas.

Essa instabilidade do Benfica impediu-o de afirmar-se mais no clube?

É natural. Quando as coisas não correm da melhor maneira é mais difícil para triunfar. Mas mesmo o clube estando na situação em que estava, acho que afirmei-me. Só que situações extra-futebol que não percebemos, mas é a verdade, porque infelizmente no futebol há muitos interesses, também condicionam. Nesse ano o Benfica não era estável, nem organizado. De um ano para o outro saíam dez jogadores e vinham dez. Quando é assim é difícil um clube conquistar títulos.

Apanhou vários treinadores lá, também, não é?

Tive três. Fui para lá com o Manuel José e depois tive o Graemme Souness e um período curto com o Mario Wilson. O Manuel José é que apostou mais em mim. Era aquela figura irreverente. Um treinador que metia respeito.

Por que deixou o Benfica?

Não fui eu que deixei (risos). As pessoas é que optaram pela minha dispensa…

Ficou magoado?

Na altura não foi fácil. Estava a jogar. Acabei a época a titular, portanto imagine o meu espanto quando na pré-temporada me disseram que eu ia ser dispensado, porque precisava de jogar.

Foi uma decisão do Souness?

Creio que sim. Na altura chegou o Michael Thomas. Ele tinha outras ideias que não passavam por mim.

Seguiu para Espanha. Era uma realidade já diferente da portuguesa?

Fui para a II Liga espanhola [ndr. Rayo Vallecano e depois Tenerife], mas aquilo era praticamente a I Liga portuguesa. Naquele ano, a II Divisão tinha o Atlético Madrid, tinha o Betis. Era um campeonato fortíssimo. E o futebol em si era apaixonante, com estádios cheios.

Em Leiria conheceu o José Mourinho. Como era trabalhar com ele?

Esteve meia temporada em Leiria até ir para o FC Porto. Quando saiu, o U. Leiria estava em segundo lugar. Não é por acaso que acontece. Lembro-me bem da forma como lidava com os jogadores. Era fantástico. Ao contrário do que muitos pensam, que ele é um treinador arrogante e antipático, não é nada disso.

Ele dizia mesmo aos jogadores que os levava com ele se o ajudassem a chegar a um clube de topo?

Ele não olhava a nomes. Olhava ao caráter e ao jogador em si. Quem ele visse que o ajudava, que tinha valor e caráter, ele ajudá-lo-ia.

Acabou por levá-lo a si para o FC Porto…

Levou-me a mim, mas também ao Derlei e ao Nuno Valente. Eles foram antes de mim até. Eu fui substituir o Paredes. A passagem pelo FC Porto foi muito positiva. No primeiro ano passei por momentos inesquecíveis. Aquela equipa ganhou tudo. Taça UEFA, campeonato, Taça de Portugal, Supertaça. Quando é assim só nos pudemos orgulhar.

Dizia-se que aquele FC Porto tinha um grande grupo…

E era verdade. Aliás, isso foi fundamental para a conquista de títulos. É meio caminho andado tendo um bom balneário. Era um cenário totalmente diferente daquele que encontrei no Benfica. O FC Porto era organizado, era estável, tinha mística, tinha jogadores respeitados no balneário. Foi fácil integrar aquele grupo.

A concorrência para jogar era forte. Havia Costinha e ainda Paulinho Santos. Serviram de professores, também?

Estamos sempre a aprender, independentemente da idade. O Paulinho já estava numa fase complicada da carreira, tinha sido várias vezes operado ao joelho. Quem jogava mais era o Costinha. Fez uma temporada muito boa. A concorrência era forte, portanto. E ainda bem.

Depois ainda passou pelo Boavista. Faltou-lhe o Sporting, não?

(Risos) Estive em dois grandes e já me posso orgulhar disso. Não me compete falar do Sporting, mas do privilégio que foi representar outros grandes clubes de Portugal.

Já agora, tem clube do coração?

Tenho, claro. É o Trofense.

Quando regressou ao clube, em 2009, imaginou que ainda ia jogar tantos anos?

Sinceramente não. Quando voltei pensei que iria jogar mais dois anitos e depois acabava. Nesse ano subi com a U. Leiria à Liga e o Trofense desceu à II Liga. Eu tinha uma proposta do Rio Ave, mas optei pelo Trofense porque já ia com a ideia de acabar a minha carreira lá, como sempre quis. Mas já lá vão sete temporadas…

Alguém que joga até tão tarde e já com tantos anos nos escalões secundários, como vê estes casos recentes de jogadores que são acusados de receber dinheiro para prejudicar a própria equipa?

É do pior que pode acontecer. Sei que não é fácil a situação que alguns passam. Infelizmente, atualmente, a situação financeira dos clubes é má. O pouco que prometem pagar não pagam e depois é natural que, no desespero, alguns possam ficar mais vulneráveis. Salários em atraso ajuda, claro. Mas também tem a ver com a personalidade e caráter de cada um. Eu quero é que isso se resolva e pelo melhor.

Do que vai ter mais saudades no futebol?

Do jogo em si, porque tinha paixão no que fazia. Mesmo no Campeonato Nacional de Seniores era como quando comecei a carreira, como quando tinha 18 anos.

Hoje em dia o jogador de futebol é um ‘personagem’ diferente de 1993, quando começou a jogar?

As mentalidades são outras. Antigamente havia mais respeito pelos mais velhos. Ouviam os conselhos. Hoje em dia menos, sinceramente. Acho que a grande diferença é essa.

Os números da carreira de Tiago:

1993/94- Famalicão, 14 jogos

1994/95- Famalicão, 30 jogos (2 golos)

1995/96- Marítimo, 20 jogos

1996/97- Marítimo, 16 jogos e Benfica, 6 jogos

1997/98- Benfica, 24 jogos (1 golo)

1998/99- Rayo Vallecano, 22 jogos (1 golo)

1999/00- Tenerife, 29 jogos

2000/01- U. Leiria, 29 jogos

2001/02- U. Leiria, 35 jogos (2 golos)

2002/03- FC Porto, 35 jogos (2 golos)

2003/04- FC Porto, 4 jogos e U. Leiria, 18 jogos (1 golo)

2004/05- Boavista, 33 jogos (1 golo)

2005/06- Boavista, 32 jogos

2006/07- Boavista 26 jogos

2007/08- U. Leiria, 31 jogos

2008/09- U. Leiria, 33 jogos (1 golo)

2009/10- Trofense, 34 jogos

2010/11- Trofense, 31 jogos (1 golo)

2011/12- Trofense, 33 jogos

2012/13- Trofense, 43 jogos

2013/14- Trofense, 46 jogos (2 golos)

2014/15- Trofense, 37 jogos (1 golo)

2015/16- Trofense, 28 jogos (3 golos)