«Penso que a credibilidade do desporto sofreu ferimentos graves nos últimos meses com a FIFA e as suas formas particulares de corrupção. E, agora, a IAAF. E estes são dois dos desportos mais importantes no mundo. Não fica por aí. A opinião pública vai começar a achar que todo o desporto está corrompido.»
Richard W. Pound, presidente da comissão independente antidoping da AMA

Este é o estado atual do desporto no que respeita à sua credibilidade: esta credibilidade está minada pela corrupção e pelo doping. Estes são males do desporto que estão a vir ao de cima de há meses para cá em duas das (se não mesmo nas) suas manifestações mais populares: no futebol e no atletismo – tenha-se em conta o que significam o Campeonato do Mundo de futebol e os Jogos Olímpicos.

O escândalo de corrupção que abala a FIFA e (passe o chavão) os vários andares do edifício do futebol ainda está em plena efervescência – com mais um episódio nesta segunda-feira. O escândalo de doping que envolve o atletismo teve também hoje uma confirmação da mentira em que esta modalidade se vê hoje envolvida.

Entre as diferenças que há entre os dois escândalos, uma delas sobressaiu nesta segunda-feira pelo alcance das acusações presentes: no atletismo, a batota vai ao ponto da interferência nos (verdadeiros) resultados desportivos dos atletas – como aconteceu com outras modalidades manchadas pelo doping, como o ciclismo, por exemplo.



A divulgação nesta segunda-feira do Relatório da Comissão Independente (CI) da Agência Mundial Antidopagem (AMA) descredibiliza de cima a baixo o atletismo da Rússia até ao ponto de recomendar a suspensão deste país. O documento pretende responder a «alegações de doping generalizado no desporto» e acaba também por implicar a própria Associação Internacional das Federações de Atletismo (IAAF).

Há pouco menos de um ano, a difusão do documentário «Doping confidencial: como a Rússia fabrica os seus vencedores?» abalou o atletismo mundial pondo em causa uma das principais potências na generalidade das especialidades da modalidade. O cerco apertou-se, as reações fizeram-se ouvir. Agora, querem fazer-se sentir.

A 14 de dezembro do ano passado, a AMA lançou a CI cujo Relatório foi agora apresentado. As conclusões são devastadoras para a Rússia; responsabilizando desde os atletas à federação de atletismo e à agência anti-dopagem russas, mas não só. Nas suas declarações desta segunda-feira, Dick Pound levou o doping no atletismo russo ao ponto mais alto que é possível conceber: «A nossa conclusão é que isto tudo não podia acontecer sem conhecimento ou consentimento do Estado.»



Os responsáveis russos refutam as acusações e remetem a sua defesa para o próximo Concelho da IAAF, no final deste mês. O presidente da federação internacional, Sebastian Coe, já fez, por sua vez, um ultimato à Rússia para dar esclarecimentos até final da semana. A Interpol iniciou uma investigação à escala mundial.

O atletismo vê-se a contas com as autoridades transnacionais depois de o seu ex-presidente, Lamine Diack, também ter sido colocado sob suspeita de corrupção pelas autoridades francesas. O senegalês de 82 anos, antecessor de Coe, é suspeito de ter sido subornado para encobrir resultados positivos de doping. As malhas do descrédito vão dos resultados em si às instâncias que por eles mais devem zelar.

No futebol, o descrédito também está nos níveis mais altos dos edifícios. No futebol, as autoridades policiais de vários países também já entraram em campo. Nesta segunda-feira, a investigação alemã sobre as suspeitas de subornos para a atribuição do Mundial 2006 levou à demissão do presidente da Federação Alemã de Futebol, Wolfgang Niersbach.

Também nesta segunda-feira, Luis Bedoya se demitiu da presidência da Federação Colombiana de Futebol. O recém-empossado dirigente invocou razões pessoais, mas o organismo a que presidia não ficou de fora do escândalo de corrupção que desde maio colocou a FIFA em questão.



A investigação das autoridades dos Estados Unidos fez 14 arguidos e incide sobre atos de corrupção através do futebol. A investigação suíça incide sobre as atribuições das organizações dos Mundiais 2018, na Rússia, e 2022, no Qatar. Pelo meio, têm-se feito confissões, detenções, extradições e suspensões. Os exemplos mais altos foram as de Sepp Blatter, Michel Platini e Jérôme Valcke.

Os escândalos vão-se conhecendo entre acusações de doping e de corrupção. E apanham na sua rede de ação desde os atletas mais conhecidos e os seus resultados aos mais altos dirigentes, num reflexo da atual saúde do desporto mundial e nas suas modalidades. E está-se só a falar de males endógenos... Não são tema desta atualização de escândalos os males exógenos, como o lado negro das apostas...