Sinais de proibido sobre a sua imagem e mensagens bem claras em inglês com a inscrição «not welcome», tarjas no estádio e graffitis nas paredes do bairro com mensagens «vete ya!» ou «fuera»… Não podia ser pior a receção em Vallecas a Roman Zozulya, que chegou, foi apresentado e partiu, contestado pelos adeptos do Rayo.

O avançado ucraniano cedido pelo Bétis de Sevilha seria um reforço de inverno importante para ajudar a equipa de Madrid na luta pela permanência na Segunda Divisão Espanhola, onde caiu nesta temporada. Porém, em Vallecas, as convicções políticas pesam e se o contestado presidente Raúl Presa transige, os Bukaneros, adeptos do clube, não.

Na base da polémica está a posição política de Zozulya. Como não podia estar? Era expectável o choque entre um ultranacionalista ucraniano, conotado com a extrema-direita, e um bairro tão profundamente esquerdista que durante o franquismo era conhecido como «Pequena Rússia».

O avançado internacional de 27 anos, formado no Dínamo de Kiev e que fez a maior parte da sua carreira no Dnipro, onde jogou até agosto de 2016, defende a intervenção militar do exército contra as forças pró-Russas, que ocupam a região de Donbass no leste do país. As suas iniciativas de apoio levaram-no a fazer donativos e a ceder a sua imagem para propaganda do Exército Popular, uma milícia de voluntários nacionalistas pró-governo de Kiev. No entanto, é sobretudo a sua atividade nas redes sociais que o conotou como simpatizante nazi.

Na sua conta no Twitter, Zozulya manifesta a sua admiração por Stepan Bandera, nacionalista ucraniano, anticomunista e antissoviético, que durante a II Guerra Mundial foi colaboracionista do regime nazi. Uma figura controversa e um inimigo russo, que acabou por ser assassinado pelo KGB em 1959, em Munique, onde estava exilado.

O próprio Zuzulya negou, porém, as acusações de extremista numa recente entrevista televisiva (ver abaixo): «Nazi? Essa pergunta faz-me rir. A única coisa que faço é ajudar o meu país.» Quem o defende salienta que a relação histórica do nacionalismo ucraniano com o nazismo é abusiva e promovida pelos meios de comunicação russos. O caso levou até a embaixada da Ucrânia em Madrid a defender em comunicado o atleta, sublinhando o seu «orgulho» no futebolista, «um jovem patriota e valente».

Apesar da sua defesa, Zozulya não regressa ao Rayo (o prazo terminou segunda-feira), e como já foi inscrito por dois clubes não poderá jogar até ao final da época. O clamor em Vallecas não é só dos ultras mais antifascistas de Espanha, que segunda-feira apresentaram os seus argumentos em conferência de imprensa. A generalidade dos adeptos também não admite que a camisola que veste por exemplo o defesa-central português Zé Castro seja envergada por um ucraniano que no bairro é considerado «facho» (aliás, «facha» em castelhano).

A contestação alastra até ao presidente Presa, que comprou o clube falido em 2011 e aparece agora retratado pelos adeptos com umas orelhas de Mickey Mouse. Por decisões como esta e por outras, como a de criar um franchise do Rayo em Oklahoma, nos Estados Unidos, por trair os princípios de clube de bairro defendido pelos madridistas, apostando num projeto comercial sem propósito, que entretanto fracassou.

'Vallekas', a república do Rayo

Na Madrid do Real e do Atlético, o Rayo é um pequeno enclave resistente: o clube do bairro operário de 300 mil habitantes no sul da capital, uma zona de resistência ao regime franquista, conhecida pela sua militância proletária, celebrada nas trovas do cantautor Luis Pastor ou, mais recentemente, nos ritmos sincopados do grupo Ska-P. Um bairro subversivo, que escreve o seu nome com «K», «Vallekas», e que se considera uma espécie de república independente no reino espanhol. Aqui germinam movimentos anárquicos e comunistas na capital espanhola e é onde, por exemplo, vive Pablo Iglésias, líder do movimento político Podemos.

Não é de estranhar que o contexto político-social se alastre até ao futebol. O Rayo está, portanto, para lá do desporto. É o clube que criou um equipamento alternativo arco-íris, contra a discriminação, cujos adeptos e plantel se mobilizaram no final de 2014 para evitar o despejo da octogenária Carmen Martínez e também para ajudar a contribuir para pagar os tratamentos oncológicos de Wilfred Agbonavbare (ex-guarda-redes nigeriano do Rayo na década de 90), que faleceu em janeiro de 2015.

No entanto, são também estes adeptos que barram à entrada um futebolista como Zozulya e pedem a demissão do presidente Presa por mais uma afronta aos seus valores.

Como se a letra dos Ska-P no tema Rayo Vallecano, dedicado ao clube, fosse a lei do bairro:

«Somos los hinchas, más anarquistas, 

los más borrachos, los más antifascistas. 

Nuestro Rayito revolucionario, 

todos los fachas: ¡Fuera de mi barrio!»