Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências.

A história de Fábio Ferreira serve de exemplo para os mais jovens. Teve uma formação de sonho entre a Academia do Sporting, em Alcochete, e a Academia do Chelsea, em Cobham. Era apontado como uma das maiores promessas do futebol português, mesmo a nível de seleções, mas quando passou a sénior, o sonho transformou-se num pesadelo. De desilusão em desilusão, mandou o futebol às urtigas e resolveu emigrar para o outro lado do mundo para trabalhar numa pastelaria em Sydney. Mas o «bichinho» do futebol nunca morreu e Fábio Ferreira renasceu na longínqua Gosford, na Central Coast, na Austrália, como «La Flecha». Venha daí conhecer o fabuloso percurso de Fábio Ferreira.

É preciso começar por dizer que Fábio nasceu com futebol no sangue. O pai, Carlos Ferreira, tinha feito a formação no Benfica até chegar a sénior, depois fez carreira no Estoril e no União da Madeira. As referências estavam lá. O menino Fábio seguiu pelo mesmo caminho que tinha aberto as portas do futebol ao pai, no Estádio do Bravo, no Seixal FC. Aos doze anos já estava a ser observado pelos olheiros do Sporting. «Estava a marcar bastantes golos, comecei a ser observado e pediram-me para ir fazer um treino de captação. Fui lá, eles gostaram e fiquei». Passou quatro anos no Sporting, sempre a evoluir, numa equipa que contava, entre outros, com André Santos, Wilson Eduardo e Adrien Silva. Num ápice passou a internacional. Jogou nos escalões de sub-16, sub-17, sub-18 e sub-19 onde chegou a jogar com Pizzi.

Mas nesta altura já estamos a ultrapassar o ponto fulcral da história de Fábio. Recuemos até ao verão de 2005. Fábio integra a seleção de Sub-16, comandada pelo professor Carlos Dinis, que foi a França participar num torneio internacional, em Vale-de-Marne. Nas bancadas está um observador do Chelsea que, nessa altura, já estava sob o comando de José Mourinho. No final do torneio, três jogadores do Sporting são convidados, em segredo, para irem visitar as instalações do clube londrino que, um ano antes, tinha sido comprado pelo magnata russo Roman Abramovich. Além de Fábio Ferreira, viajam também para Londres o avançado Ricardo Fernandes e o médio Adrien Silva, atual capitão dos leões.

As viagens a Londres repetiram-se e acabaram por chegar aos ouvidos do Sporting. De repente, Fábio e os companheiros estavam envolvidos num turbilhão. Os leões avançam com queixas para a UEFA e FIFA. «Chegou ao conhecimento da Sporting, SAD que os jogadores Adrien Silva, Fábio Ferreira e Ricardo Fernandes têm vindo a treinar no Chelsea FC sem autorização desta sociedade», lia-se num comunicado em que o clube de Alvalade acusava o Chelsea de pretender «recrutar os jogadores em causa sem olhar a meios». Adrien, pressionado pelos pais, é o único que volta a Alcochete, a tempo de participar no jogo decisivo da conquista do título de juvenis, frente ao Leixões. Fábio Ferreira e Ricardo Fernandes ficam em Cobham. «Não liguei muito na altura, era um miúdo. Sabia o que se passava, mas não tinha nada a ver comigo, era uma coisa entre clubes. Eu não podia fazer nada, não havia nada que pudesse fazer».

A polémica ainda arrastou-se por uns meses, mas Fábio e Ricardo Fernandes ficam mesmo no Chelsea. «Na altura ouvi dizer que o Mourinho tinha gostado de nós, mas o nosso treinador era o Brendan Rodgers (ex-Liverpool, atualmente no Celtic), tínhamos uma boa relação, davamo-nos bem». O Chelsea acabou por compensar o Sporting e as relações entre os clubes ficaram normalizadas, como comprova, dois anos mais tarde, o empréstimo de Fábio Paim, outra promessa do futebol leonino, aos Blues de Stamford Bridge. «Foi no último ano em que estive lá, ele chegou por empréstimo, ainda joguei com ele algumas vezes na mesma equipa. Como pessoa era espetacular». Fábio Ferreira chega aos sub-19, joga com frequência pela equipa de reservas do Chelsea e chega a treinar com os craques da equipa principal, mas, em 2009, quando chega a sénior, o sonho começou a desmoronar-se.

«Decidi que não ia jogar mais à bola»

«Fui emprestado ao Oldham por um mês, em Inglaterra é normal isso acontecer, mas estive lesionado e quase que não joguei. Quando voltei ao Chelsea, informaram-me que o meu contrato tinha acabado». Era o princípio do fim. Um empresário ficou de encontrar um novo clube para Fábio prosseguir a carreira, ou na liga portuguesa ou no Championship, o segundo escalão do futebol inglês. Sem propostas e com a época a começar, Fábio aceita um convite de última hora do Esmoriz para jogar na III divisão. Um choque. Aos 22 anos a carreira da jovem promessa estava em acelerado declínio. «Foram dois anos da minha vida perdidos. Foi um choque. Quando fui para o Esmoriz ainda tentei relançar a minha carreira, ainda tinha esperanças de voltar a cima». Não voltou a cima e ainda fez mais uma época no Sertanense no mesmo escalão. «Foi uma grande desilusão. Depois desses dois anos decidi que não ia jogar mais à bola».

O sonho tinha acabado aos 22 anos. Fábio Ferreira tinha chutado o futebol para um canto e estava determinado a ganhar a vida de outra forma. Portugal estava em plena crise económica e Fábio decidiu rumar à Austrália onde tinha familiares. «Tinha uns tios com uma pastelaria portuguesa em Sydney e vim para trabalhar, para procurar uma vida nova, sem pensar no futebol. Não queria mais nada com o futebol».

Mas não foi assim tão fácil largar a bola. Já em Sydney, poucos meses depois, Fábio começou «a dar uns toques» num clube amador, o Dulwich Hill, «só para manter a forma», sem intenções de voltar a jogar ao mais alto nível. A verdade é que voltou a dar nas vistas. «O treinador do Dulwich era amigo do treinador do Adelaide United [clube da A-League] e disse-me para ir lá, que tinha qualidade para jogar lá». Fábio estava de volta. «Fui lá, assinei por uma época, correu bem e, depois, assinei por mais duas». Sem saber como, Fábio Ferreira já era um ídolo no Adelaide United e, em 2014, conquistou a Taça da Austrália. Foi nesta altura que Fábio, de golo em golo, passou a ser o «Flecha». «Foi um colega argentino que me começou a chamar La Flecha por eu ser rápido. Passei a comemorar os golos como se tivesse a disparar um arco. Ficou, é engraçado e agora é sempre assim».

Mas era o momento de Flecha mudar mais uma vez de ares. «Tinha uma relação tranquila com o treinador, mas sabia que ele não estava a fazer planos comigo. Nunca me disse isso na cara, mas eu sabia, quando somos jogadores sabemos a relação que temos com o treinador».

Agora que tinha voltado a jogar, Fábio queria jogar com regularidade. Um acordo de cavalheiros permitiu a saída para o Central Coast Mariners, clube de Gosford. «O acordo era que eu não podia defrontar a minha antiga equipa, mas só foi cumprido no primeiro jogo. Depois a minha equipa mudou de treinador e já joguei no segundo jogo e até marquei. Eles ficaram todos chateados, mas é a vida». E agora, na segunda temporada, voltou a marcar, por duas vezes, ao Adelaide. «Desde que saí de lá já lhes marquei três golos», recorda sorridente.

Mas a presente época não começou bem para Fábio, nem para o Central Coast Mariners, com muitas derrotas a empurrar a equipa para o fundo da classificação. Um arranque negativo atenuado nas últimas três jornadas, com três triunfos consecutivos e outros tantos golos do La Flecha, contando com os tais dois ao Adelaide. «Ainda é possível, ainda faltam oito jogos, até ao final, vamos tentar chegar aos play-offs. Começámos mal, mas agora encarrilhámos e ainda acreditamos. Vai ser renhido, mas é possível».

Fábio Ferreira voltou a encontrar a felicidade em Gosford, uma pequena cidade na Central Coast, na Austrália. «Isto aqui é um espetáculo, é muito bom. Gosto muito de estar aqui».

A finalizar a conversa, convidámos Fábio, agora com 27 anos, a voltar ao momento em que, aos 16, trocou o Sporting pelo Chelsea. Adrien Silva, o único que resistiu ao tentador convite, é o atual capitão dos leões e, no último verão, foi campeão da Europa. Ricardo Fernandes, o avançado que acompanhou Fábio para Londres, também caiu nos escalões secundários do futebol português e, atualmente joga no Marrazes, nos distritais de Leiria, enquanto Fábio, como acabámos de contar, renasceu no outro lado do Mundo, na Austrália. «Não me arrependo de nada. Nunca se sabe o que teria acontecido se tivesse ficado no Sporting, mas agora estou bem, estou feliz e isso é que interessa».

Fábio Ferreira, apesar de tudo, faz um balanço positivo da carreira. «Foi bom. Aprendi muito no Sporting, a experiência no Chelsea foi muito boa, o que aconteceu a seguir não foi tão bom, mas serviu para crescer», atirou o La Flecha a finalizar.