Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências

Há doze anos era apontado como uma das maiores promessas do futebol português e chegou mesmo a treinar duas semanas à experiência no Real Madrid e, mais tarde, a integrar o plantel do Valencia. A vida de João Moreira acabou por dar muitas voltas e, dez anos depois, o promissor avançado está agora no outro lado do planeta, em Auckland, na Nova Zelândia a preparar-se para o Mundial de Clubes. Uma carreira de sobressaltos que encontrou agora estabilidade num país que, curiosamente, no último mês não tem parado de tremer.

Começámos a nossa conversa precisamente por aí, pelo violento sismo, de magnitude 7,8, que fez tremer toda a zona sul do país, com epicentro em Kaikoura, a 180 quilómetros de Christchurch. Um terramoto tão poderoso que chegou a levantar o leito do oceano até dois metros acima do nível do mar. João Moreira estava na ilha norte, a quase 700 quilómetros de distância e…não sentiu nada. «Para ser sincero, não dei por nada aqui em Auckland. Muita gente diz que abanou um pouco, mas eu não senti nada. Esses fenómenos acontecem mais na parte sul do país onde existem vários vulcões ativos e é, segundo eles dizem, uma zona mais propensa a tremores de terra», contou-nos

João Moreira ao início da tarde em Auckland, já madrugada alta em Lisboa. O João não sentiu nada no tremor mais forte, nem nas 400 réplicas que se seguiram. Chegou mesmo a haver um alerta de tsunami, mas as notícias chegaram ao nosso interlocutor vindas de Lisboa. «Soube dos tremores de terra através de parentes que nem estão cá. É estranho, mas é verdade», confidencia. A verdade é que, apesar das impressionantes imagens, que mostram danos severos em autoestradas, pontes e edifícios, o campeonato da Nova Zelândia não foi interrompido. «Não foi porque não existem equipas do sul do país na I Divisão», explica ainda João Moreira desde a intacta e pacata Auckland.

«Aqui é comum as pessoas passearem desclaças no centro da cidade»

É a maior cidade da Nova Zelândia e centro financeiro do país, apesar da capital ser Wellington, com um milhão e meio de habitantes, quase um terço do total da população da Nova Zelândia. Ainda assim, João Moreira, quando chegou, em 2013, encontrou uma cidade «verde» com um clima «ameno» e um ambiente «extremamente familiar». «Adaptei-me muito bem na verdade a esta cidade e até fiquei de alguma forma surpreendido, pois é um país espetacular para se viver», contou. «Eles gostam de estar quase sempre em família. Adoram café, também se viram muito para o mar, para os barcos e para a pesca, mas tudo sem stress. Sendo uma cidade grande, como Lisboa ou o Porto, é raro haver trânsito, quase toda a gente opta pelos transportes públicos». Foi nesta «simpática» cidade que João Moreira encontrou um povo «evoluído» que prima, acima de tudo, pela descontração e que o surpreendeu com um pormenor curioso. «O mais estranho é ver pessoas descalças na rua. Mesmo no centro da cidade a passearem descalças. É muito comum aqui. São muito descontraídos, aqui não existe stress, existe tempo para tudo», contou.

Apenas um pormenor incomoda João Moreira. A distância entre Auckland e a sua Lisboa natal. São quase vinte mil quilómetros em linha reta, treze horas de diferença entre os fusos horários. Uma dificuldade para os contatos com a família, mas João Moreira, há sete anos a jogar longe de casa, também já lida bem com essa situação. «É sempre triste quando estás longe dos familiares, mas já levo uns anos assim e penso que já consigo superar essa situação, mas repito não é fácil», conta.

A pacatez da cidade estende-se ao futebol que, neste país, é apenas a terceira modalidade mais popular, atrás do râguebi, que continua a dar maior visibilidade ao país, através dos «All Blacks», e ainda do críquete, uma modalidade que os ingleses deixaram bem implementada naquelas ilhas. A Premier League da Nova Zelândia conta apenas com dez equipas, todas da ilha norte, pelo que João Moreira, já na quarta temporada na Nova Zelândia, fez um máximo de doze jogos, entre finais de outubro e início de março. «Depois fico de férias», conta. O dia-a-dia também é pacato. Alguns dos jogadores do Auckland City são amadores e têm uma segunda profissão, mas João Moreira, como é antigo internacional Sub-21, tem direito a um estatuto especial. Os treinos da equipa são apenas na parte da tarde e, como tem as manhãs livres, o clube inseriu o avançado português no programa Community Coaching. E o que é afinal a Comunity Coaching?  «É basicamente convertermo-nos em professores-treinadores de futebol. Vamos a várias escolas e tentamos introduzir o futebol de uma forma apelativa, pois aqui não é o principal desporto», conta. João Moreira passa, assim, as manhãs com crianças. De escola em escola, vai divulgando a modalidade entre os mais jovens. João Moreira, com três golos em cinco jogos, esta época, é um dos rostos mais visíveis do Auckland e, apesar da pouca notoriedade da modalidade, já vai sendo reconhecido nas ruas por alguns adeptos. «Acontece mais com a gente jovem que ultimamente segue o Auckland City. Mas, de vez em quando, sou surpreendido por um pedido de autógrafos no supermercado ou no centro comercial», conta.

A nível desportivo, a equipa de Auckland também é à imagem da cidade. O clube é recente, foi fundado há doze anos, mas rapidamente impôs-se, não só no país, com a conquista de seis títulos de campeão, mas também na Oceânia onde, sem a competição dos clubes australianos [estão integrados nas competições da Ásia], a equipa de Auckland já soma oito Champions da Oceânia [2006, 2009, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016]. «É a equipa principal do futebol neozelandês e desde a chegada do treinador Ramón Tribulietx acentuou-se esse domínio», destaca Moreira.

«O Auckland nesta zona é como o Barcelona ou o Real Madrid»

Em quatro temporadas na Nova Zelândia, João Moreira foi três vezes campeão. Só não foi na última temporada, apesar do Auckland City ter terminado a fase regular com uma vantagem confortável de oito pontos sobre o segundo classificado. É que o campeonato da Nova Zelândia conta com um play-off final entre os quatro primeiros classificados. O Auckland chegou mais uma vez à final do quadrangular, mas, dessa vez, acabou por perder o título para o rival da capital, com uma derrota por 2-4 no prolongamento, depois de um empate 2-2 nos 90 minutos. «É algo que não é normal num campeonato europeu, mas sim aqui na Oceânia. Para mim foi muito estranho ter feito um ano perfeito e perder na final para uma equipa que não foi regular o ano inteiro», lamentou.

Na Liga dos Campeões da Oceânia, o Auckland voltou a cobrir-se de glória com mais uma conquista em abril deste ano com o contributo decisivo de João Moreira. «O Auckland City aqui, nesta zona, é como um Barcelona ou Real Madrid, é sempre o principal candidato a vencer qualquer competição», assume João Moreira. Uma campanha que contou com quatro golos do avançado português e com triunfos sobre o Salomon Warriors (Ilhas Salomão), por 4-0; sobre o Lae City Dwellers (Nova Guiné), por 2-1; sobre o Amicale FC (Vanuatu), por 3-1; e sobre o AS Tefania (Taiti), por 4-2. A final acabou por juntou os dois maiores clubes da Nova Zelândia e o Auckland City bateu o Team Wellington por 3-0, arrecadando o oitavo troféu e, talvez mais importante, abrindo caminho para a oitava presença no Mundial de Clubes.

Os neozelandeses garantiram, assim, a primeira vaga na competição da FIFA, ainda antes do Real Madrid garantir o título europeu. A equipa da Nova Zelândia aguarda agora pelo vencedor da J-League, a liga japonesa, para saber quem vai defrontar no play-off do Mundial de Clubes, partindo com a ambição de repetir o feito de 2013, ano em que se destacou no terceiro lugar da maior prova mundial que, nessa época, jogou-se em Marrocos. «Para o clube e para os atletas é o momento mais alto da temporada. Para mim também, claro, gostava de voltar a encontrar o Fábio [Coentrão] como aconteceu em 2014. Fiquei com a camisola dele», contou.

Uma aventura que começou na Reboleira, com passagem pelo Mestalla

O possível reencontro com Fábio Coentrão levou a nossa conversa a recuar doze anos, quando João Moreira, então com 18, estava no final da formação no Estrela da Amadora e já se destacava nos escalões de formação da Seleção Nacional, ao lado de figuras como, além do lateral do Real Madrid, João Moutinho, Miguel Veloso, Nani, Silvestre Varela, Vieirinha, Vaz Tê, Yannick Djaló, Paulo Machado e Manuel Fernandes. Foi nessa altura que esteve à experiência no Real Madrid e esteve muito perto de ficar. «O Estrela pediu mais dinheiro e acabou por não se fazer», recorda. Não ficou no Bernabéu, mas não foi para muito longe, acabou cedido ao Rayo Vallecano antes do Valencia garantir a sua contratação a título definitivo em 2006/07. Ainda com dezanove anos, Moreira estava deslumbrado no Mestalla ao lado dos consagrados David Villa, Morientes, Patrick Kluivetrt, além de referências do clube «Che» como Mista e Angulo. «Sem dúvida que foi único treinar cada dia com eles. O meu sonho era ser como eles. Qualquer jogador, aos 17/18 anos, ambiciona estar junto a esse tipo de atletas a que estamos habituado a ver na televisão», lembrou.

Sem espaço no Valencia, João Moreira acabou por rodar no Nacional, Leixões, Beira-Mar... rodou tanto que, em 2009/10, voltou à casa de partida, ao Estrela. Um regresso simbólico ao clube que o formou no último ano em que o clube da Reboleira teve uma equipa profissional. Coincidências? «Voltei porque tive a infelicidade de não chegar a acordo com o Hearts da Escócia e com o fecho do mercado não tive outra opção senão voltar ao Estrela. Mas fui com a mesma alegria de quando lá tinha estado. Foi uma casa que me deu muita educação e cultura futebolística», contou.

A caminho do Índico com um jogo de quatro horas à espera

Uma época que não correu bem a Moreira e muito menos ao Estela que acabou por fechar portas no final da época afundado em dívidas. «Ficou mais difícil pois não consegui ter muitos minutos de jogo devido a algumas lesões. Tive de encarar a situação de maneira normal, sabia que voltando ao Estrela poderia suceder isso», acrescenta. A verdade é que o fim do Estrela resultou em novo empurrão na carreira de Moreira. Voltou a Espanha para jogar nos escalões secundários, vestindo sucessivamente as camisolas do Lleida, Real Linense e Almansa. Em 2012, o telefone de Moreira voltou a tocar com uma abordagem surpreendente. «Recebi uma proposta através e um representante português para ir jogar para o Brunei». João Moreira nem sabia onde era, mas não hesitou. «Tinha a curiosidade de experimentar outro tipo de futebol, outras culturas e acabou por correr bem». O avançado adaptou-se bem ao clima tropical do Brunei, conheceu o sultão e viveu uma situação caricata.

«Foi um jogo que durou mais de quatro horas. Estava uma noite de chuva, lá acontece muito durante a noite, daquelas chuvas tropicais em que há muitos raios. Eles respeitam muito isso. Choveu um pouco e quando se começou a ouvir a trovoada, disparou uma sirene na bancada e tivemos de nos abrigar. Nós e os adeptos. Quando toca aquele alarme, as pessoas têm de procurar abrigo. Lá fomos para os balneários e esperámos quase uma hora para essa tormenta passar. Nenhum delegado ou dirigente quis anular o jogo. Voltámos ao jogo, mas quinze minutos depois, começaram outra vez os raios e tivemos de voltar a parar. Foi uma noite muita estranha na minha vida futebolística e, ainda por cima, acabou zero a zero».

Um novo telefonema no final da época, ditou novo salto. «Foi um empresário espanhol que me contactou a dizer que o Ramón, o meu atual treinador, tinha interesse que eu fosse para Auckland. Eu estava muito próximo de assinar pelo PTT Rayong da Tailândia, mas preferi a nova proposta. Foi mais fácil vir para cá», destacou.

Em Auckland desde 2013/14, João Moreira, agora com 30 anos, parece ter finalmente estabilizado. «Não tenho razões de queixa e acho que só tenho que estar feliz por poder fazer o que mais gosto. É óbvio que queria estar num patamar mais elevado, mas não foi possível. Tenho tido estabilidade nestes últimos anos, só é pena estar tão longe de casa». E um regresso à Liga portuguesa, ainda é possível? «No futebol nunca se sabe. Hoje estás aqui, amanhã estás ali». Nesta altura, João Moreira está além, no outro lado do Mundo, na terra que treme, mas que João não sente.

Golo de moreira aos 12m15s