Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências.

Esta é a história de sucesso de Luís Pimenta na Noruega. O jovem treinador português chegou há dois anos à pequena cidade de Kongsvinger e colocou o pequeno clube, que estava «escondido» na sua fortaleza medieval, sob os holofotes do futebol norueguês. No primeiro ano, com uma tática inovadora, dizimou a concorrência e garantiu a promoção do terceiro para o segundo escalão. Este feito seria, por si só, suficiente para a cidade estar reconhecida ao trabalho do metódico treinador, mas Pimenta levou a sua ambição ainda mais longe. Esta temporada [na Noruega começa em abril e termina em novembro], conduziu a modesta equipa à final do play-off de promoção e, impensável, à final da Taça da Noruega no Estádio Ullevaal que tem capacidade para receber praticamente o dobro da população de Kongsvinger. Perdeu os dois jogos decisivos, mas acabou por receber o reconhecimento dos seus pares e foi eleito como o «melhor treinador jovem da Noruega». Agora tem os clubes não só da Noruega, mas também da Suécia a assediá-lo. O futuro está nas suas mãos.

A temporada terminou há quase duas semanas, mas Luís Pimenta continua em Oslo onde vive com uma companheira norueguesa. A viagem para Portugal, onde tem dois filhos de um casamento anterior, está agora marcada para dia 16 de dezembro, mas o telefone de Luís Pimenta não para de tocar. Tem já entre mãos várias sondagens, convites, manifestações de interesse, até para começar já a trabalhar em janeiro, mas o nosso interlocutor não tem pressa. Prefere conduzir a sua vida, como fez até agora, «passo a passo». «Em dezembro está tudo parado, mas eu estou em campo para analisar. É óbvio que queria um nome forte aqui na região da Escandinávia. É lógico que já foram manifestados alguns interesses, mas tenho de ver qual o projeto mais interessante. Tanto posso ficar aqui na Noruega, como ir para a Suécia ou outro país, está tudo a acontecer, mas ainda não tomei uma decisão. Neste momento, a maior parte dos campeonatos europeus estão a meio da época, também tenho alguns contatos para começar já, mas tenho ainda de ver se este é um bom momento para entrar agora», conta-nos Luís Pimenta desde a capital norueguesa.

Aceitámos a sugestão e quisemos saber que «passos» deu Pimenta para chegar à pequena cidade de Kongsvinger. Uma cidade medieval, com pouco mais de 17 mil habitantes, junto à fronteira com a Suécia. Uma cidade que nasceu em redor da fortaleza [Kongs em norueguês significa mesmo fortaleza], construída para evitar as invasões dos suecos e que tem a fama de nunca ter sido tomada em combate. Um pedaço de terra entre as duas margens do rio Glomma que se destaca também, na parte alta, pelos edifícios históricos, do século XVIII e XIX, construídos em madeira.

Imagem aérea da fortaleza de Kongsvinger

Luís Pimenta nasceu há 35 anos em Lisboa, mas as suas primeiras memórias são do Luxemburgo, para onde foi viver, em 1986, com os pais, com apenas cinco anos. Fez toda a escolaridade básica no Grão-Ducado na Escola Europeia onde aprendeu a falar francês e alemão. Regressou à capital portuguesa, sozinho, já determinado a ser treinador, para se inscrever na Faculdade de Motricidade Humana. A meio do curso, congelou a matrícula e rumou a Liverpool para tirar um curso de psicologia e ciências do futebol, além de aprofundar os seus conhecimentos na lingua inglesa [nesta altura, com o norueguês, já fala sete línguas]. Neste período teve os primeiros os primeiros contatos com a relva e com a Noruega. «Fazia análises e relatórios sobre as equipas de juniores do Liverpool. Também foi nesta altura que travei amizade com vários treinadores noruegueses que também estavam ali a estudar».

Os contatos com a Noruega tiveram sequência e, aos poucos, Pimenta também foi aprendendo norueguês. «A partir de 2008 passei a ir, pelo menos uma vez por ano, à Noruega, convidado por antigos colegas, para participar em seminários sobre futebol». Mas, com apenas 27 anos, era ainda cedo para começar a treinar. Voltou a Portugal para terminar o curso e foi neste momento que conheceu Gonçalo Pereira, o seu atual adjunto e companheiro «inseparável» na aventura norueguesa. Terminado o curso, os dois foram «recrutados» para integrar a equipa técnica de Rui Jorge na formação do Belenenses, que contava ainda com Romeu e Jorge Castelo. «Aprendi muito com o Rui Jorge e com o Jorge Castelo», recorda.

Luís Pimenta no Belenenses com Jorge Castelo

Ao mesmo tempo, Luís Pimenta trabalhava na Academia Carlos Queiroz, em Carnaxide. «Dava para conciliar as duas coisas, eram escalões diferentes, não havia choques». Um projeto que se prolongou por dois anos e meio e que foi subitamente interrompido com a chamada de Rui Jorge para a Seleção de Sub-21. Luís Pimenta ainda ficou no Restelo, com Jorge Castelo, mas os contatos de Liverpool voltaram a atrair o jovem treinador para norte, para a fria Escandinávia. «Dois antigos companheiros do curso de Liverpool assumiram o comado técnico do Honefoss e convidaram-me para integrar a equipa técnica como adjunto. Era um clube pequeno que tinha acabado de chegar ao primeiro escalão e que tinha como único objetivo ficar por lá, pelo menos, por uma temporada». Ficou duas. Depois a história repetiu-se. Tal como tinha acontecido com Rui Jorge, o primeiro treinador do Honefoss também foi chamado para liderar os sub-21 da Noruega.

Estreia fulgurante como treinador principal

Em setembro de 2014, Luís Pimenta estava preparado para começar o seu próprio projeto. O convite do Kongsvinger preenchia na perfeição as ambições do jovem treinador. Um clube com história, mas que vivia amargurado na III Divisão. «Não conseguia sair dali». Um clube tinha chegado a andar na Europa nos anos oitenta e noventa, período em que acumulou 17 presenças consecutivas na I Divisão. «Nessa altura andavam pelo segundo, terceiro lugar e chegaram a ir às competições europeias. Jogaram com a Juventus. É um dos pontos mais altos da história do clube». No entanto, a partir de 2000, na sequência de vários problemas financeiros, o Kongsvinger caiu no terceiro escalão do futebol norueguês e acabou quase esquecido.

Nesta altura abrimos  aqui um parenteses para contar uma história sui generis. O convite para ir treinar o Kongsvinger foi feito por Espen Nystuen, diretor desportivo do clube que acumula funções de jogador. Noutras circunstâncias, uma mistura explosiva que tinha tudo para acabar mal. «Ele é um jogador formado no clube, mas, entretanto, saiu, teve outros clubes de maior relevância na Noruega [jogou no Stabaek, Sandefjord e Lillestrom] e, no final da carreira, em 2013, o dono do clube quis recuperá-lo como diretor desportivo. O clube estava com problemas financeiros e, como ele é licenciado em economia, o clube queria-o como diretor desportivo. Ele aceitou sob a condição de poder continuar a jogar. Dois anos depois contratou-me, mas sabemos dividir os papeis entre os dois». Afinal de contas, têm praticamente a mesma idade. «A relação é boa. No campo eu sou o patrão dele, nas reuniões com o plantel, tudo o que é a parte futebolística, eu sou o patrão dele. Agora quando estamos no escritório, há ouras questões e é ele o meu patrão. Temos dividido esses papéis bastante bem», conta.

Numa entrevista recente à BBC, perguntaram a Espen Nystuen o que aconteceria se o treinador o tirasse da equipa. O diretor desportivo que também joga como central não hesitou e, em jeito de brincadeira, atirou: «Era logo despedido». Luís Pimenta reagiu com uma gargalhada. «Só pode ser brincadeira, porque isso aconteceu mesmo. No verão, a meio da época, ele deixou de ser titular e, que eu saiba, não fui despedido (risos). Ele teve uma lesão e o miúdo que o substituiu entrou muito bem na equipa, tivemos melhores estatísticas em termos defensivos e, quando o Espen voltou, expliquei-lhe que neste momento estava difícil entrar no onze. Tinha de lutar pelo lugar, mas a verdade é que foi o outro que manteve a titularidade até ao final».

Luís Pimenta com o diretor desportivo que também joga

O «outro» é Adrian Ovlien, «um miúdo muito novo para defesa central. Nasceu em 1997, este ano fez 19 anos, mas é um miúdo que já esteve nas camadas jovens da seleção. É um miúdo com imenso potencial. O Espen é o diretor desportivo, tem 34 anos, para o ano tem 35 e não está a ficar mais novo. O corpo já não reage da mesma maneira e o Adrian deu-nos melhores condições para esta fase final do campeonato. O Espen percebeu isso», conta.

A verdade é que a chegada de Luís Pimenta foi como um «furacão» na vida do clube e mesmo na cidade. «No primeiro ano estivemos da primeira à última jornada em primeiro lugar, chegámos a ter vinte pontos de avanço sobre o segundo classificado e subimos de Divisão». Habituados a ver a equipa perder, os adeptos tinham vivido uma época de sonho. Mais importante do que isso, estavam de regresso ao Top-Football, ao futebol profissional que, tal como em Portugal, engloba as duas primeiras divisões. «Foi uma grande festa, mas foi acima de tudo importante para a base económica do clube».

A ambição dos adeptos, agora, era apenas não voltar a cair no terceiro escalão. A própria direção definiu como objetivo a manutenção, pelo menos, por mais uma temporada, mas Luís Pimenta já tinha planos mais ambiciosos, apesar das limitações impostas por um orçamento baixo e um plantel curto e jovem. «Os adeptos queriam, acima de tudo, estabilizar, mas nós internamente tínhamos uma ambição superior. Queríamos chegar aos play-off que significava ficar nos seis primeiros. Ficámos em quinto. Passámos a primeira ronda, fomos à final da II Divisão, mas perdemos», recorda.

Final da Taça: Kongsvinger a caminho do Ullevaal

Mas o ponto mais alto da temporada foi mesmo a final da Taça da Noruega, a competição com maior notoriedade no país. «Foi um feito único, vir da III Divisão e chegar à final da Taça. Este clube já tinha quatro meias-finais na sua história, a última delas em 1996, há vinte anos, mas nunca tinha ganho nenhuma, nunca tinha chegado a uma final», conta. Um percurso que foi empolgando, não só a pequena cidade, mas todo o país. «Foi fantástico. Na meia-final ganhámos ao Sandness que é um clube muito forte aqui na Noruega. Nos últimos anos ganhou o campeonato, ganhou a Taça e, além disso, havia a tradição. O Sandness já tinha jogado sete meias-finais em casa e tinha-as ganho todas. Fomos lá e fomos os primeiros a ganhar lá uma meia-final da Taça».

Música dedicada à final da Taça

Kongsvinger parou em festa. O país estava, finalmente, com os olhos na pequena fortaleza. «A Taça na Noruega chega a ser mais importante do que o próprio campeonato. A nível cultural é diferente. É o jogo com mais audiência, com mais mediatismo, é o momento alto do futebol norueguês». A 20 de novembro, Kongsvinger ficou praticamente vazia. A maior parte da população estava a caminho de Oslo, mesmo sabendo que o adversário era o temível Rosenborg, a mais conceituada equipa norueguesa, presença habitual na fase de grupos da Liga dos Campeões. «A cidade tem pouco mais de 17 mil habitantes, cabiam dois Kongsvinger no estádio. Foi uma grande digressão. Nunca na história do clube tinham estado tantos adeptos do Kongsvinger juntos no mesmo local. Foi impressionante ver. A nossa metade do estádio estava ocupada, tínhamos uma mancha vermelha atrás da nossa baliza. Foi um momento fantástico para os jogadores, para a equipa, para todos nós».

O Kongsvinger foi goleado por 4-0, mas já tinha feito história. «Tendo em conta que viemos da III Divisão e chegámos àquele jogo com o Rosenborg... Só o orçamento do Rosenborg permitiria ao Kongsvinger jogar quinze épocas seguidas, foi muito bom», comentou.

Luís Pimenta acabou por ser reconhecido pelos seus pares e, no final da época, recebeu o prémio de melhor treinador jovem, concedido pela Associação de Treinadores da Noruega. «Foram duas épocas muito boas. Da III Divisão à final da Taça. Esse prémio individual foi consequência do trabalho da equipa», conta.

O segredo do sucesso de Pimenta

E como é que foi possível levar uma «equipa de miúdos» à final da Taça? «Temos um modelo de jogo que não é habitual aqui na Noruega. Jogamos em 4x4x2 losango que aqui não é muito habitual. Jogamos com muita pressão alta e as defesas norueguesas têm alguma dificuldade contra isso. Tínhamos uma reação à perda de bola muito rápida, ou seja, na nossa transição defensiva conseguíamos recuperar a bola rapidamente. Tínhamos um índice de posse de bola muito elevado e um futebol mais apoiado, por isso conseguimos dominar muitos jogos mesmo quando jogámos com equipas da divisão superior ou mesmo da mesma divisão, mas com orçamentos bem mais elevados», conta.

«Por exemplo, contra o Sandefjord, que tinha vindo da I Divisão com um orçamento muito superior ao nosso, conseguimos vencer os dois jogos para o campeonato e eliminámos essa mesma equipa nos quartos de final da Taça. Três jogos com uma equipa teoricamente muito superior a nós e ganhámos os três».

Um feito, tendo em conta a «matéria-prima» que Pimenta teve à disposição: um plantel curto e muito jovem. «A época na Noruega decorre entre abril e novembro. Fazer as trinta jornadas do campeonato, mais o play-off e mais as rondas da Taça, com imensos jogos a meio da semana, com um plantel tão curto, foi impressionante. Foi possível coordenar e, sempre que foi possível, fazermos alguma rotação no plantel, fizemos. Fomos cometendo um erro aqui, outro ali, mas no balanço total, tendo em conta os recursos que tínhamos, foi uma época muito positiva».

Um «joker» chamado Hélio Pinto

Além da tática «inovadora» de Pimenta, houve outro elemento essencial no sucesso do Kongsvinger. A contratação de Hélio Pinto, médio de 32 anos que fez a formação no Benfica e que depois acumulou experiência a jogar no Chipre, onde esteve sete temporadas, mas também na Polónia e no Qatar. «O Hélio foi fundamental para nós, não só pela experiência que trouxe, mas também pela calma que tem. Fiquei muito bem surpreendido pelas características e pela personalidade dele. Deu uma grande ajuda aos mais novos, não chegou com nenhuma tipo de arrogância, veio mesmo com o intuito de ajudar. Foi fantástico o contributo dele».

Um ano inesquecível a que só faltou um título para ficar para a eternidade. A vitória no play-off teria permitido o regresso ao primeiro escalão, enquanto a vitória na Taça também poderia ter aberto a porta das competições europeias. «Um título na final seria fantástico para os adeptos. Ganhar a Taça seria inédito, eles nunca ganharam um título desse nível, mas tendo em conta a proteção do clube a longo prazo, o desenvolvimento, a estabilidade financeira, penso que a subida de divisão seria o mais importante, mas nunca tivemos de optar, os jogos eram em dias diferentes e preparámo-nos para as duas frentes».

Luís Pimenta trabalha em Konsvinger, mas vive em Oslo, a cerca de cem quilómetros de distância. «É uma hora e um quarto de carro. Saio de casa pelas 6h45, estou às 8 no escritório, o treino é às 9h30. Depois, depende dos dias, mas normalmente gosto de ficar até tarde. É uma rotina de casa-trabalho, trabalho-casa», conta. A verdade é que Luís Pimenta adaptou-se com facilidade ao país que trás associado ao seu nome arrepios de frio e temperaturas negativas. «Não senti dificuldade nenhuma, já cá estou há cinco anos. As pessoas adaptam-se em relação à roupa que têm de vestir. Também quando estão menos vinte graus, as pessoas não andam propriamente a passear na rua ou os passeios que fazem são curtos. No verão também é dia até à meia-noite, depois no inverno já é noite às três da tarde, mas isso não me afeta minimamente. Tenho uma capacidade de adaptação forte», conta.

A verdade é que Pimenta está rendido ao nível de vida na Noruega, país que está há uma década no topo do ranking mundial de qualidade de vida. Só para se ter uma ideia, o salário mínimo neste país é de 2,500 euros. «A Noruega é um país fantástico para se viver, é tudo organizado, é tudo bastante limpo, não há problemas burocráticos, é tudo resolvido de forma fácil. Os clubes não têm salários em atraso, oferecem-te uma estabilidade muito forte».

Curiosamente, a qualidade de vida pode ser um problema no futebol. «Acaba por afetar porque o contexto sócio-profissional é muito protegido. Ou seja, um jogador que aos 25 anos esteja com baixa de motivação e decidir parar a sua carreira de jogador, não terá qualquer problema para encontrar um bom trabalho e ter um bom salário. Não há aquela necessidade de vingar no futebol quando se tem talento. Não há essa pressão porque aqui na Noruega as condições serão boas seja em que área for». E como se combate isso? «Tem que ser trabalhada a ambição e motivação. Os jogadores têm os seus desejos e sonhos e, mesmo sabendo que têm um conforto no outro lado, têm que ter esse desejo de vingar mais forte».

E quais as ambições de Luís Pimenta para novos voos? «Tenho uma vida muito curta, mas desde cedo que aprendi que no futebol não vale a pena estar a fazer planos a dez anos, as coisas vão acontecendo. Nunca pensei estar aqui na Noruega, mas felizmente a experiência está a correr muito bem. Neste momento há a possibilidade de ficar na Noruega ou de rumar a outro país e a outra cultura. É passo a passo».

Foi isso que fizemos nesta conversa com o jovem treinador. Percorremos a sua curta carreira, passo a passo, com a certeza que muitos mais virão. Boa sorte Luís!