Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do Mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências. Sugestões e/ou opiniões para djmarques@tvi.ptrgouveia@tvi.pt ou vemaia@tvi.pt.

Pedro Amaral seguiu os passos de Cristiano Ronaldo e mudou-se para a Arábia Saudita em janeiro. Para trás, o lateral-esquerdo deixou uma experiência de três anos e meio no Rio Ave, clube com o qual viveu um turbilhão de emoções. 

O defesa começou no clube da terra, o Sp. Lourel, e rapidamente chamou a atenção do Benfica. Percorreu os escalões de formação dos encarnados e depois de duas épocas e meia na equipa B, decidiu mudar-se para a Grécia (Panetolikos).

As memórias da formação do Benfica, a mudança para a Arábia Saudita e o impacto de Cristiano Ronaldo na Liga do país. Acompanhe-nos na conversa com Pedro Amaral, jogador do Al Khaleej.

Como é que o futebol entra na vida do Pedro Amaral?
Foi aos 6 anos. Havia um clube [Sporting de Lourel] no sítio onde vivia e os meus pais inscreveram-me lá, longe de saberem que me iria tornar profissional. A ideia era que eu praticasse desporto. As coisas aconteceram naturalmente. Os meus pais nunca exigiram que me tornasse profissional até porque não percebem muito de futebol. Sempre levaram o futebol na desportiva e nunca como se eu tivesse obrigação de ser jogador.

Com que idade foi para o Benfica?
Com 9 anos, o Bruno Maruta falou com o meu pai para eu ir para o Benfica. Fui para o Benfica no ano seguinte, quando tinha dez anos.

Que memórias guarda do período da formação?
Guardo boas memórias. O Benfica teve um papel importante na minha vida. Costumo dizer que tive a educação dos meus pais em casa e a educação que o Benfica me deu. Educou-me muito, não só como jogador. Passámos lá muitas horas todos os dias e teve um papel importante nesse ponto.

Tocou ainda num ponto ao qual é dada cada vez mais importância. Sente que há a preocupação não só de formar jogadores, mas também homens?
Sim, não tenho dúvidas. Com o passar dos anos as coisas vão evoluindo. Quando entrei para o Benfica, as coisas eram de uma forma, mas quando saí, vi como as coisas tinham evoluído. Acho que o Benfica educa, além de formar jogadores. Isso ajuda-nos também na vida fora do futebol. 

Ao longo do percurso, quando é que o futebol se tornou mais sério?
As coisas foram acontecendo naturalmente. De ano para ano, nos infantis e iniciados, havia sempre dispensas no final da época. Fui percebendo que não estava nesse lote. As coisas continuavam a correr-me bem e não fazia parte do lote de dispensas. Vi muitos colegas serem dispensados. Em sub-15, o primeiro ano de campeonato nacional com o mister Luís Nascimento, foi quando começámos a olhar de forma mais séria [para o futebol]. Foi também nesse ano que fui à seleção nacional. Esse ano foi de mudança, no sentido de ver o futebol de forma mais séria.

Como lidaram os seus pais com a evolução do Pedro no futebol?
Os meus pais eram bastantes exigentes. Sabiam que a escola era importante e eu, por vezes, tentava conciliar as duas coisas. O próprio Benfica, lá está a questão da educação… se não tivéssemos boas notas, seríamos castigados por isso. Vi muitos colegas a faltarem a jogos e a não competirem por causa das más notas. Os meus pais sempre tiveram um papel importante, ajudaram-me bastante nessa altura até chegar a um patamar elevado. 

Há algum treinador que o tenha marcado especialmente?
Não gosto muito de individualizar, mas vou ser sincero e responder à pergunta. O escalão de sub-15 foi muito importante para mim e o mister Luís Nascimento teve um papel igualmente importante. Curiosamente, cruzámo-nos há pouco no Rio Ave. Naquela altura era muito novo, mas ele conseguiu tirar o melhor de mim. E por isso, nesse ano ingressei na seleção nacional.

 

Pedro Amaral esteve mais de uma década na formação do Benfica.


Referiu que houve uma mudança. Houve uma mudança na abordagem aos treinos, por exemplo?
Sim, mudou a abordagem que coloquei nos treinos. Nesse ano fomos campeões nacionais e foi o primeiro campeonato conquistado, fui à seleção nacional… comecei a sentir responsabilidade para manter o nível. A mudança começou aí. O que conquistei nesse ano serviu de lição, digamos assim, para manter o registo.

Durante a formação houve algum colega que o tenha impressionado particularmente?
Não. Cada um da minha geração, a de 97, seguiu o seu caminho. Praticamente todos chegaram ao futebol profissional, muitos deles jogam em clubes de Champions. Fico feliz por termos partilhado muitos momentos e por sermos amigos. 

Faz o percurso formativo e salta para a equipa B do Benfica. Como foi a transição para o futebol sénior?
A transição dos juniores para a equipa B foi um processo normal, por assim dizer. Na altura, podíamos agradecer o facto de os clubes terem equipa B e competirem na II Liga, que é bastante exigente. Notei bastantes diferenças. Mas o Benfica, como os outros clubes, dá-nos essa oportunidade. Foi um ano de adaptação, tive menos volume de jogo, mas percebi como funciona a II Liga e o futebol profissional. No primeiro ano não tive assim tanto volume de jogo, mas nos anos seguintes afirmei-me.

Afirma-se na equipa B e cerca de dois anos depois, muda-se para a Grécia.
Não há um motivo para ter acontecido. O processo de formação na equipa B estava a terminar. E não tendo oportunidade de ingressar na equipa principal, tive de seguir o meu caminho. O Benfica não é o fim do mundo. Sou grato pelo que o Benfica me deu. Se não fosse o Benfica, não sabemos se estaria onde estou hoje. O futebol e a vida são oportunidades. Fui para a Grécia, tive oportunidade de jogar numa primeira liga no estrangeiro. Com a idade e com a experiência que tinha, foi muito importante. Agarrei essa oportunidade e cresci. Olho para trás e fico feliz por isso.

Foi a primeira vez que emigrou e logo com 21 anos.
Comecei a época na equipa B, mas em janeiro fui para a Grécia. Adaptei-me bem apesar de ter sido um desafio sair da minha zona de conforto. Como disse, o Benfica dá muita bagagem para encarar esse tipo de desafios. As coisas correram-me bem e retirei boas ilações dessa experiência.

Regressa a Portugal pela porta do Rio Ave, numa época histórica em que batem a melhor pontuação do clube na Liga. No ano seguinte, estiveram perto de eliminar o Milan e acabam por descer. Foi uma montanha-russa de emoções.
Foi muito bom ter a oportunidade de ir para o Rio Ave. Fico grato ao clube por me ter aberto as portas da I Liga. O mister Carvalhal e o mister Luís Nascimento, que fazia parte da equipa técnica, foram muito importantes na minha decisão. Fui para um contexto diferente e para um patamar mais alto. Fizemos uma época incrível. O ano seguinte foi difícil, houve uma grande mistura de sentimentos. Estivemos na Liga Europa e de repente, tivemos de lutar para recolocar o clube na I Liga. É futebol. Acho que serviu de lição para todos e quem passou pelo processo saiu mais forte.

Não é nada fácil ser despromovido e voltar no ano seguinte.
Existiu a possibilidade de sair do clube, mas as coisas acabaram por não acontecer. Tínhamos um grupo muito forte, esse foi o principal fator da subida. O clube reuniu um grupo de homens que formavam um grande balneário e isso refletia-se em campo. O mister Luís Freire teve muito mérito, conseguiu tirar o melhor partido de todos. Descer de divisão e subir no ano seguinte é uma missão muito difícil, são poucas as equipas que o conseguem.
 

Pedro Amaral esteve três anos e meio ao serviço do Rio Ave.


Começa a época no Rio Ave, já este ano, mas decide sair a meio da temporada. Porquê?
As coisas acontecem, muitas vezes não podemos fazer planos. Apareceu a oportunidade e acho que foi bom para ambas as partes. Estou muito feliz por ter tomado esta decisão.

A Arábia Saudita é um país muito diferente de Portugal. Como foi o primeiro impacto?
Contra mim falo, há uma ideia que a Arábia Saudita é isto e aquilo. Só quando se está cá, é que se pode saber. Fiquei surpreendido pela positiva com o país. Se calhar tinha muitas ideias formadas do que era o país e percebi que estava enganado. Claro que ainda estou em fase de adaptação porque a minha vida passou do dia para a noite. Durante toda a minha vida treinei de manhã. Neste momento é tudo ao contrário. Agora com o Ramadão [ainda se cumpria aquando da entrevista] os treinos são ainda mais tarde. É um desafio, mas estou muito feliz por viver esta experiência.

Acaba por ser uma experiência enriquecedora, ainda assim. 
Conhecemos novas culturas, outro tipo de personalidades. Abrimos novos horizontes. A ideia que tinha do Médio Oriente quando estava em Portugal mudou depois de cá chegar. A Arábia Saudita não é o bicho de sete cabeças que imaginamos.

O facto de o Pedro Emanuel e o Fábio Martins estarem no Al Khaleej ajudou-o na adaptação?
O mister Pedro Emanuel foi uma peça-chave para eu ter vindo. Ele fez muita força para me ter aqui e fez-me acreditar que seria importante na ideia de jogo dele. Abriu-me a porta da Arábia Saudita e quero agarrar muito esta oportunidade. O Fábio também foi importante, já tem alguns anos de Médio Oriente e ajudou-me na adaptação.

Como é o dia a dia do Pedro?
Acordo tarde porque me deito tarde. Os treinos são às 22h, 22h30 e chego a casa por volta da 1h da manhã para jantar. Quando acordo, tento ir ao ginásio e fazer trabalho de prevenção ou recuperação. Antigamente fazia tudo ao contrário. 

Há a opinião de que quem vai para a Arábia Saudita privilegia o aspeto financeiro em detrimento do desportivo. Lembro-me, por exemplo, de o Fábio Martins referir, numa entrevista ao Maisfutebol, que aí os jogadores ganham o que ganhariam em dez anos em Portugal.
Concordo com o que o Fábio disse. É uma realidade, ninguém pode ser hipócrita e dizer o contrário. Mas como o Cristiano disse há pouco tempo, o campeonato saudita está numa fase de crescimento. Posso comprovar isso. A competitividade do campeonato surpreendeu-me bastante. Não estava à espera, confesso. Os jogos têm um ritmo muito alto, as equipas têm muita qualidade e aliando isso ao poderio financeiro, acho que o campeonato tem tudo para evoluir.

Como é que o Pedro viu a chegada do Ronaldo à Arábia Saudita?
Foi um assunto muito falado, obviamente. É o melhor jogador do mundo. Por aí vê-se o crescimento da Liga. Conseguir trazer alguém como o Cristiano mostra o quanto os sauditas querem crescer e aumentar a competitividade da Liga. É bom para todos porque dá maior visibilidade à Liga.

Daqui a três jogos vai defrontar o Al Nassr, do Cristiano. 
Sim, dia 8 de maio. 

Já tinha apontado? (risos)
Tenho de saber o calendário (risos). Só de ouvir o nome do Cristiano, já é diferente. Ter a oportunidade de partilhar o campo com ele, será um momento muito alto na minha carreira. Apesar de jogarmos contra o Cristiano, vamos dar o melhor pelo clube que representamos.

Sente que a Arábia Saudita valoriza os estrangeiros e o que estes podem acrescentar em termos de conhecimento do treino e do jogo?
Sim, estão muito abertos a isso. Os colegas sauditas procuram saber como trabalhamos na Europa. Fazem-me muitas perguntas sobre a forma como treinamos e olham para nós de forma diferente. Valorizam-nos. São pessoas humildes e com vontade de aprender.

Já percebi que o Pedro não faz muitos planos para o futuro, mas todos temos sonhos. 
Sim, não faço muitos planos para o futuro. O que controlo é o próximo jogo e portanto, não vale a pena pensar no que vai acontecer em junho. Todos sonhamos com o futuro, mas o que vai acontecer daqui a dois ou três meses, será reflexo do que fizer agora. Cheguei em janeiro, quero dar o meu melhor para ajudar o clube e agradecer tanto a confiança como a oportunidade.