Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências.

Há um português a dar cartas no futebol universitário nos Estados Unidos. Chama-se Martim Galvão, tem 21 anos, fez a formação no Sporting com Gelson Martins, Francisco Geraldes e Daniel Podence, mas uma lesão desviou-o do percurso dos companheiros e acabou por levar Martim para o outro lado do Atlântico. No passado sábado somou a sexta vitória consecutiva pela equipa de Sub-23 do Nashville, com mais um golo, desta vez na marcação de uma grande penalidade. Terá sido o menos vistoso dos quatro golos que o jovem médio ofensivo marcou nos últimos cinco jogos e que têm impressionando o «soccer» norte-americano. Golos espetaculares que levam Martim Galvão a pensar seriamente em apostar ao futebol profissional a curto prazo. As portas estão abertas para um jovem que se destaca pela apurada técnica e pela forma espontânea com que coloca a bola nas redes adversárias.

No sábado à tarde, Galvão Martins defrontou o Peachtree City, no Estado da Geórgia, enquanto, sensivelmente à mesma hora, Gelson Martins brilhava na Amoreira na goleada de Portugal ao Chipre. Dois jogadores que fizeram juntos a formação no Sporting, em Alcochete, mas que tiveram percursos bem diferentes na passagem para seniores. O extremo continua em Alvalade, chegou a internacional, está convocado para a Taça das Confederações, e é atualmente um dos jogadores mais cobiçados do mercado deste verão. A outro nível, Martim Galvão, com a mesma idade, tem dado nas vistas, com golos espetaculares nas ligas universitárias dos Estados Unidos e está, agora, a procurar caminhos para chegar à Major Soccer League (MLS).

Encontrámos o nosso protagonista em plena digressão pelos Estados Unidos, depois de ter jogado na Geórgia, numa altura em que se preparava para viajar para Carolina do Sul para novo jogo. Poucas horas antes tinha estado a ver a final da Liga dos Campeões, com os companheiros de equipa, num jogo que voltou a consagrar Cristiano Ronaldo e que também fica marcado pelo espetacular golo de Mandzukic. Como a conversa ia andar à volta dos grandes golos de Martim Galvão, começámos a conversa por aí, pela exibição de Ronaldo e pelo golaço do croata ao serviço da Juventus. «Vimos todos juntos aqui, eu e os meus companheiros de equipa, foi uma emoção enorme para mim, como português, ver o Ronaldo decidir uma final como aquela. Impressionante. E aquele golo do Mandzukic? Espetacular», começa por nos contar o jovem jogador que procura a sua sorte nos «states».

Uma história que começa em Telheiras, bem perto do Estádio de Alvalade, onde o pequeno Martim, vivia com a família. Aos 8 anos estudava no Colégio de São João de Brito e, com o verão à porta, inscreveu-se com um grupo de amigos nas «férias desportivas» do Sporting, uma iniciativa que o clube leonino promove todos os anos que permite aos jovens conviverem de perto com os jogadores em Alcochete. Umas férias que acabariam por mudar definitivamente a vida de Martim.

«Fui para lá com uns amigos e um dos monitores que estava a coordenar essa campo de férias era treinador do Sporting. Chama-se Pedro Gonçalves e acho que ainda lá está até hoje. Ele gostou muito de mim e de outros dois amigos meus e acabámos por ir fazer duas semanas de treino como avaliação. No final dessas duas semanas, disseram que gostaram muito de nós e queriam que ficássemos. Foi uma grande oportunidade para mim porque era ainda muito jovem e quanto mais cedo aparecem estas oportunidades nos clubes grandes, mais fácil se torna depois continuarmos e fazer o nosso percurso. Foi um campo de férias que mudou grande parte da minha vida», começa por contar.

Martim Galvão acabou por fazer praticamente toda a formação em Alcochete, entre 2004 e 2012, ao longo de nove temporadas, até ao último ano de juvenis (sub-17). A última época fica marcada por uma lesão incómoda que afasta Martim da competição de outubro a abril e acaba por ditar o final da experiência no Sporting. «Só consegui jogar um ou dois jogos depois da lesão e no final da época explicaram-me que, como não estava sem ritmo competitivo, seria difícil integrar o plantel júnior no ano seguinte. Mas foram oito ou nove anos muito bons, foi uma aprendizagem brutal», recorda. Para trás ficavam os amigos Francisco Geraldes, Cristian Ponde, Mauro Riquicho, Daniel Podence, Gelson Martins, entre outros.

«Fiquei muito orgulhoso por ver agora o Geraldes e o Podence serem chamados para a fase final do Campeonato da Europa de Sub-21. São dois jogadores com quem mantive contato, são dois amigos que também vão querendo saber como é que me corre a vida aqui. É um orgulho ver os meus amigos a singrar no futebol europeu, como eles têm feito», comenta.

Melhor que os dois «amigos» de Martim, está Gelson Martins que, na véspera tinha somado mais uma internacionalização pela Seleção A e está entre os eleitos de Fernando Santos que, dentro de dias, vão disputar a Taça das Confederações. «O Gelson é uma máquina. Só joguei com ele dois anos, mas notava-se que era especial. Já na altura desequilibrava, quer fosse nos treinos, quer nos jogos, ninguém o parava», conta. O jovem extremo do Sporting é agora cobiçado pelos «grandes» da Europa. «É impressionante. É de facto um exemplo a seguir», acrescenta. Martim deixou o Sporting há cinco anos, em 2012, mas mantém contato com muitos dos antigos companheiros. «Ainda agora em março estive em Portugal e fui lanchar com o Podence. Também me dou muito bem com o Domingos Duarte, um amigo importante para mim e que este ano fez época fantástica no Belenenses. Nunca mais me esqueço quando o Domingos ainda estava no Estoril, nos sub-16, e, num jogo em Alcochete, que estava empatado 1-1, eu ia para fazer um golo, mas ele tirou-me a bola em carrinho. Um ano depois estava a jogar comigo no Sporting, mas ainda hoje comentamos esse lance. É um grande central e já na altura não enganava. É um grande orgulho vê-lo agora jogar na I Liga depois de ter chegado ao Sporting com 17 anos. É outro exemplo a seguir», recorda.

Martim acaba por ser dispensado do Sporting, aos 17 anos, mas não se deixa abalar e vai para o Real Massamá onde acabou por fazer duas épocas nos escalões de juniores. «A primeira época foi muito boa, joguei praticamente todos os jogos e ficámos a escassos pontos de chegar aos play-off. Foi uma época importante para mim porque consegui jogar consistentemente numa realidade completamente diferente. Estava habituado a outro tipo de condições, a outro tipo de liderança por parte dos treinadores do Sporting, mas também tive sorte porque quando fui para Massamá também apanhei um antigo treinador do Sporting, José Gonçalves, que foi muito importante no meu percurso», destaca.

Mas nesta altura Martim Galvão já hesitava entre o futebol e os estudos. Uma questão que o pressionava porque, na passagem para sénior, ia mesmo ter de tomar opções. «Foram dois anos um bocado difíceis para mim porque não sabia o que havia de fazer, se havia de seguir os estudos ou continuar no futebol. No final do primeiro ano de juniores tive oportunidade para sair para outros clubes, mas acabei por não aceitar porque queria continuar a estudar e tinha entrado num curso pós-laboral na Escola Superior de Comunicação Social. Ia treinar e depois tinha aulas a seguir, das 18 horas até quase à meia-noite. Acabou por ser um ano muito cansativo para mim. Quando cheguei ao fim do ano estava naquela situação em que tinha de integrar o futebol sénior, mas queria continuar a estudar ao mesmo tempo».

Tal como tinha acontecido no ingresso no Sporting, Martim voltou a ser surpreendido com uma oportunidade inesperada. «Em meados de janeiro, um amigo falou-me num showcase, um fim de semana de treinos, em Madrid, onde estariam treinadores americanos à procura de talentos no futebol para reforçar as equipas universitárias. Fui mais para fazer companhia ao meu amigo, não estava nos meus planos sair de Portugal, mas no final dessas duas semanas fui abordado por um treinador que me disse que eu tinha qualidades especiais e que podia ser importante para a equipa dele. Quando voltei a Lisboa falei com a minha família e, depois de analisarmos tudo muito bem, acabei por embarcar nesta aventura. Estou cá há três anos e acho que tomei a decisão correta», conta.

Aos 18 anos, Martim Galvão viajou, assim, para a Carolina do Norte, para estudar gestão na Pfeiffer University e integrar a equipa dos Falcons que representava a mesma universidade. O projeto era ambicioso porque o treinador também tinha acabado de chegar e tinha como objetivo tirar a equipa do último lugar do ranking da competitiva liga universitária norte-americana. «O primeiro ano foi difícil, a equipa não era muito boa, tinha tido maus resultados nos anos anteriores, estávamos no 246º lugar do ranking, era a última da nação», conta. No entanto, com a chegada de Martim Galvão e de outros estrangeiros, o novo treinador revolucionou a equipa e os resultados foram surpreendentes. «Em dois anos acabámos por levar a equipa ao topo e ganhámos o campeonato da Carolina do Norte em 2015. Foi um percurso impressionante e o mérito é todo do treinador que trouxe jogadores de toda a parte do mundo. Tínhamos quinze ou dezasseis estrangeiros e o ambiente internacional que se vivia na equipa acabou por ser muito forte», destaca.

Martim Galvão adaptou-se rapidamente e, no final do primeiro ano, sugeriu ao treinador a contratação de um guarda-redes, o amigo Tomás Correa. «A época correu-me bem individualmente, marquei oito golos e fiz dez assistências em 18 jogos. Acabei por ter o à vontade para falar com o treinador e pedir que olhasse para o meu amigo português que tinha jogado no Benfica e no Belenenses. Era um amigo de infância, crescemos juntos e foi muito importante ele ter integrado a nossa equipa em 2015. Não podia ter sido melhor para ele porque na época em que chegou fomos campeões. Foi chegar, ver e vencer», acrescenta.

No final dessa época, Martim Galvão é eleito para a equipa da Conferência e selecionado para o «draft» universitário. Acabou por ser selecionado para fazer a pré-época no Tampa Bay Rowdies e jogar ao lado de profissionais, numa equipa que contava com jogadores credenciados vindos da Europa. «Aprendi muito nessas duas semanas. Foi uma experiência fantástica partilhar o balneário e aprender com jogadores que já jogaram na Premier League, como o Joe Coe, Neill Collins e o Martin Vingaard». Nessa curta experiência em Tampa, Martim Galvão participa na Florida Cup e reencontra o amigo Rafael Ramos, antigo companheiro do Sporting e do Real Massamá que agora joga no Orlando City. «Apesar de terem sido só duas semanas, foi muito interessante porque fiz uma boa performance e tive a oportunidade de estar próximo do meu amigo Rafa. Foi uma experiência muito enriquecedora porque o nível era elevado e consegui corresponder. Foi um fator motivante para mim, para continuar a perseguir o meu sonho», conta.

Já em maio deste ano, Martim Galvão aproveitou a pausa nos campeonatos universitários para tentar a sua sorte numa liga de verão que lhe pode abrir novas portas. «É uma liga que se chama Premier Development League que dá oportunidade para os jogadores sub-23 para se manterem em forma antes da época das faculdades e, ao mesmo tempo, para procurarem vagas nas equipas profissionais. É uma liga que está associada à USL (United Soccer League) que corresponde à II Liga, logo abaixo da Major Soccer League (MLS).

Em 2016 Martim jogou no Ocean City Nor'easters e chegou às meias-finais da liga de verão, enquanto este ano está lançado no Nashville com seis triunfos consecutivos. «É o meu segundo ano nesta liga e aconselho qualquer miúdo que tenha aspirações a vir jogar para aqui. Conheço vários portugueses que jogam cá em algumas faculdades e aconselho-os a aproveitar esta oportunidade, para procurarem ter sucesso», conta.

Martim Galvão deixou, assim, temporariamente, a Carolina do Norte e percorreu 700 quilómetros até ao Tennessee, para representar o Nashville no último mês. «Deram-me todo o tipo de condições, arranjaram-me um apartamento, dão-me comida, tenho tudo para jogar ao melhor nível. É uma liga muito bem estruturada por isso é que há tantos jogadores a procurar a sua oportunidade nesta liga», acrescenta.

Martim Galvão é um deles e pretende agarrar esta oportunidade com as duas mãos, até porque o Nashville prepara-se para integrar a United Soccer League, o tal segundo escalão do futebol norte-americano. «Estas seis vitórias seguidas dão-nos alento e fazem-nos sonhar mais alto». Quatro jogos em casa e agora outros quatro fora de casa, com o objetivo de chegar aos play-off que estão marcados para agosto. «Com este forte arranque da época, estamos a pensar chegar lá, achamos que é possível». Nos primeiros jogos em casa, a equipa de Martim Galvão jogou num campo de futebol americano, com marcações «esquisitas» para os adeptos europeus. «Não estava nada à espera de jogar num campo daqueles, é um pouco estranho, porque às vezes ficamos desorientados dentro de campo. Foi uma experiência diferente, mas quando voltarmos a casa, depois destes jogos fora, vamos jogar noutro campo, já com as marcações normais», conta.

Neste percurso, como já dissemos, Martim Galvão destacou-se com golos de belo efeito que atraíram os olhares das equipas profissionais. «Claro que sim, foram golos importantes para a nossa equipa neste início de época. Tenho quatro golos e quatro assistências em cinco jogos. É um reconhecimento que me deixa feliz, gosto muito de Portugal, gostava de ter notoriedade no meu país mas, não sendo possível, é sempre bom ver que alguém acompanha o meu trabalho e que posso mostrar o meu talento. Espero que continuem a seguir o meu percurso, é importante que Portugal mantenha os olhos nos jogadores que singram lá fora», comenta. Os golos fizeram furor nas redes sociais e atraíram também os portugueses. «Recebi muitas chamadas, muita gente a querer falar comigo e a dar-me os parabéns, é sempre bom perceber que as pessoas ainda querem conhecer o meu percurso nos Estados Unidos, porque não é fácil deixar o país. Estes três anos não foram fáceis, mas ver o meu trabalho reconhecido desta foram deixa-me feliz, motivado e confiante para o futuro», conta.

Há poucos meses, Martim Galvão foi selecionado para o draft e esteve muito perto de conseguir um contrato profissional. «É uma semana em que fazemos três jogos e estão presentes os melhores oitenta jogadores de todas as ligas que se reúnem em Los Angeles. Eu e um colega da minha equipa, que é o nosso melhor marcador, acabámos por sermos os únicos da II Divisão a ser chamados para o draft. Foi uma experiência muito boa, tive todos os treinadores da MLS a olhar para mim. Honestamente, achei que podia ter uma oportunidade numa equipa da MLS. Acabou por não acontecer, mas haverá outros caminhos para lá chegar e vou continuar a trabalhar para que a oportunidade apareça», recorda.

A ambição máxima de Martim era ser chamado pelo Orlando City, onde joga o amigo e antigo companheiro Rafael Ramos. «Estivemos seis anos juntos no Sporting e gostava de voltar a jogar com ele, seria fantástico. Ele ainda jogou comigo no Real e no segundo ano de júnior ainda foi para o Benfica antes de vir para aqui para os Estados Unidos», destaca.

Até agosto, Martim Galvão tenciona continuar a jogar pela equipa de sub-23 do Nashiville, mas depois terá de mudar de universidade para voltar a jogar no mesmo escalão. «Ainda não sei como vai ser o meu futuro, a minha faculdade vai descer de divisão porque teve algumas dificuldades financeiras, portanto já não será tão interessante para mim, terei de procurar outra faculdade se quiser jogar no mesmo escalão, mas o meu objetivo passa mesmo por encontrar uma equipa profissional. Se tudo correr bem espero conseguir esse objetivo até agosto. Já tenho recebido alguns contatos, até para jogar no estrangeiro, mas nada está ainda decidido. Queria fazer este último ano no futebol universitário, tem sido uma experiência muito boa e queria acabar o meu curso. Mas se conseguir integrar o futebol profissional brevemente não digo que não», refere.

Uma lesão aos 17 anos levou Martim Galvão a um percurso bem distinto do habitual e bem diferente do que os antigos companheiros do Sporting continuam a protagonizar. «Eles estão a outro nível, são jogadores de referência e que podem integrar qualquer equipa europeia porque têm um valor brutal. Não tive a oportunidade de passar pelas mesmas experiências que eles tiveram porque integrar o plantel de juniores numa equipa como o Sporting e passar para o plantel sénior, ainda que tenham sido emprestados, é uma experiência muito importante. Eles tiveram essa oportunidade, trabalharam imenso e têm mérito total pelo que têm feito até hoje», comenta.

Martim Galvão teve de procurar caminhos alternativos mas, aos 21 anos, ainda não abdicou do sonho de chegar ao futebol profissional. «Tive de procurar outros caminhos fora do Sporting. Estive oito anos da minha vida a jogar com os melhores do meu país, isso fez-me crescer como jogador, mas depois não ter esse tipo de concorrência e competitividade em treinos e jogos acabou por afetar o meu crescimento como jogador, mas acredito que trabalhando como tenho vindo a fazer e mantendo-me confiante acho que posso vir a integrar equipas profissionais e, quem sabem, jogar em Portugal. Tive de encontrar outros caminhos e aqui nos Estados Unidos posso ter essa oportunidade. Se conseguir assinar um contrato profissional poderei aproximar-me desses jogadores por quem tenho uma grande admiração», contou ainda.

Tal como na passagem para sénior, Martim Galvão volta a estar pressionado para encontrar uma equipa, mas sem descurar os estudos. «Ainda me faltam umas cadeiras para acabar o curso, mas o meu futuro está ainda indefinido, entre o futebol e a gestão. À partida, se tudo correr bem, consigo acabar o meu curso online, já não me faltam muitas aulas», conta o jovem médio que, um dia, gostava de ter uma oportunidade para jogar no seu país. «Claro que gostava de voltar, acho que Portugal é um país fantástico, adoro a cidade de Lisboa e, se tivesse uma oportunidade para jogar a nível profissional, não hesitava», destacou ainda Martim Galvão.

Confira aqui alguns dos momentos da carreira de Galvão nos EUA