Estórias Made In é uma nova rubrica do Maisfutebol que olha para os jogadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo e este é o espaço em que relatamos as suas vivências

Foram apenas dez meses, mas foram muito positivos. Foi uma experiência divertida, mesmo no meio dos Estados Unidos, numa cidade que tem um nome de um Estado, mas pertence a outro. Agora está na hora de voltar a Portugal ou, pelo menos, à Europa, por motivos de força maior. O regresso até podia ser já esta semana, mas o Sporting Kansas qualificou-se no último domingo para os «play-off» e, agora, Nuno André Coelho não se importa de esperar «mais um mesito» e voltar com um título nas mãos.

«Estou à espera que acabe o campeonato para saber como é que vai ser a minha vida, porque se tiver alguma proposta da Europa prefiro voltar. Isto aqui é bom, pelo menos o clube onde estou tem umas qualidades fantásticas. O estádio é novo, a academia também é muito boa também. Não tenho razões de queixa nenhumas, mas se tiver alguma proposta da Europa prefiro voltar», começo por nos contar o central formado no FC Porto, mas que também já representou o Sporting e o Sp. Braga.

Então o que leva Nuno André Coelho a deixar estas condições fantásticas e a decidir atravessar novamente o Atlântico? «Isto aqui é muito longe, é uma diferença horária muito grande para a minha família e, além disso, vou ser pai pela segunda vez». Uma razão de peso, um segundo filho no clã André Coelho. «Isso está-me a pesar um bocado. Como sou um jogador livre e fiz bastantes jogos aqui, causei uma boa impressão, acho que estou a um bom nível para continuar a jogar mais perto de casa», contou. Uma aventura que está, assim, a chegar ao fim, mas que foi revista por Nuno André Coelho com entusiasmo.

A liga norte-americana tem vindo a crescer nos últimos anos, ultrapassou as ligas europeias em alguns aspetos relacionados com o profissionalismo, mas continua a sentir falta da cultura dos adeptos. Os fãs do Sporting Kansas não querem propriamente saber se a sua equipa ganha ou perde, querem, acima de tudo assistir a um bom espetáculo e ver golos. E, nesse sentido, Nuno André Coelho não podia ter apresentado melhor «cartão-de-visita». Logo na primeira jornada da fase regular, no início de março, o central português marcou um golaço. Um pontapé do meio da rua que permitiu ao Sporting Kansas, uma equipa sem estrelas, entrar a ganhar na nova edição da MLS. «Fiz um golo e, por acaso, ganhámos 1-0, por isso correu muito bem, foi uma boa estreia. Fazer um golo e dar a vitória à equipa, não podia ter sido melhor. Ainda por cima eu era o que eles chamam um newcomer [estreante]. A partir daqui ficou tudo mais fácil».

Lá está, os adeptos norte-americanos valorizam, acima de tudo, os golos e o espetáculo. Nuno André Coelho não voltou a marcar até ao final da fase regular, mas já tinha caído nas boas graças dos fãs. «Tanto entre os jogadores, como entre o staff, a equipa e os fãs, fiquei muito bem visto», conta Nuno Coelho [na MLS, o defesa teve de deixar cair o André do nome porque só permitem dois nomes na camisola]. Mas a partir deste golo, passou a ser o Nuno Cuélo. «Eles não conseguem ler o LH como nós». Um golo que ainda está bem fresco na memória do defesa. Foi marcado frente aos Seattle Sounders, curiosamente, o primeiro adversário dos play-off, ao minuto 72, quando o resultado estava ainda em branco. «Naquele jogo estávamos a ter muita posse de bola, estávamos a conseguir pressionar, estávamos a encostar a equipa adversária atrás, mas a bola não estava para entrar. Eu, naquele momento, como estava a meio do meio-campo ofensivo, tentei a minha sorte». Correu bem. «É claro que foi com um bocado de sorte, o guarda-redes não esteve nos seus melhores dias e ainda bem que não. O importante foi que a bola entrou».

Confira aqui o golaço de Nuno André Coelho (a partir do 3m18s)

A partir daqui, Nuno André Coelho agarrou o seu lugar na equipa e só não fez mais jogos esta temporada porque, em julho, sofreu uma lesão que o obrigou a parar por quase três meses. «Não consegui recuperar. Até à lesão tinha jogado sempre, fiz dezasseis jogos consecutivos. Voltei agora há pouco tempo, já joguei o último jogo da Liga dos Campeões da Concacaf, ganhámos por 3-1 em casa». No passado domingo, Nuno André Coelho ficou no banco. O Sporting Kansas bateu o San Jose Earthquakes por 2-0 e garantiu o quinto lugar da Conferência Oeste e a sexta qualificação consecutiva para a fase a eliminar [qualificam-se para o play-off os seis primeiros de cada uma das duas conferências].

O Sporting Kansas, apesar de não ter grandes estrelas da Europa, fez uma época regular e, como já vimos, acabou por conseguir a qualificação para a próxima fase. «Esta equipa vale pela equipa em si, não é uma equipa onde se destacam dois ou três jogadores. Pode ter jogadores de muito países, mas não é uma equipa que aposte muito em estrelas, como os New York Red Bulls ou os LA Galaxy, que apostam mais em nomes do que propriamente na equipa. Quando cheguei a equipa estava formada, tinham saído dois jogadores, não saíram mais do que isso».

Na altura, Nuno André Coelho conhecia apenas Diego Rubio, jovem avançado chileno que, tal como Nuno André Coelho, passou pelo Sporting, mas rapidamente construiu amizades entre os latinos do plantel. «Tenho aqui um brasileiro, um americano que fala português, é filho de brasileiros. Depois tenho os que falam espanhol que são muitos: um hondurenho, um chileno, um colombiano, um mexicano. «No balneário falamos inglês e espanhol, são essas duas línguas basicamente. Mas falamos mais inglês, só entre nós, os latinos, é que é mais portunhol», acrescentou.

Os treinos também são diferentes aos que Nuno Coelho estava habituado. «Não depende muito do continente, ou de país para país, é mais de treinador para treinador. Falando do que vejo do campeonato aqui, falta organização, falta aquele treino tático que os treinadores europeus estão habituados a fazer com as suas equipas. Aqui não se vê tanto, aqui o que gostam é de atacar, sempre atacar. Nesse aspeto acho que pecam um pouco, porque precisavam de mais organização do que têm».

Nuno André Coelho considera que acabou por contribuir para o sucesso da equipa com a «experiência» que trouxe [além do FC Porto, Sporting e Sp. Braga, Nuno André Coelho também jogou na Bélgica, no Standard Liège, e na Turquia, no Balikesirspor]. «Penso que sim, porque aqui o campeonato é muito diferente. Está a evoluir, é verdade, mas é um bocado à inglesa de há uns trinta anos atrás». Kick and rush? «Falta a qualidade da atual liga inglesa, é um futebol mais físico, com mais corrida, não existe tanta qualidade como existe na Premier League. Mas agora já falamos em jogadores como David Villa, Pirlo, Lampard ou Drogba, falamos em jogadores experientes, grandes jogadores que atuaram na Europa e que estão a apostar aqui neste novo mercado».

O Sporting Kansas está interessado na continuidade de Nuno André Coelho, mas o central está mesmo determinado a ir embora. «Sim, há sempre essa possibilidade, eles gostam de mim, ainda não sei como vai ser a minha vida, mas prefiro voltar». É que além dos motivos familiares, já referidos, Nuno André Coelho sente falta da pressão. «Aqui não é bem como à Europa, é diferente. Aqui dão-nos muito mais liberdade do que na Europa. Temos os treinos semanais mas, tirando a pré-época, quando o campeonato começou, não me lembro sequer de ter treinado um dia de tarde. Os treinos são só de manhã, temos total liberdade e não existe aquela pressão dos adeptos. Os adeptos vão aos jogos, isso vão, mas gostam mais é de ver o espetáculo, gostam de ver os golos. Não existe aquela pressão dos adeptos que existe aí na Europa onde querem ver os resultados e não o espetáculo», conta.

Depois também batem as saudades. «Por acaso tive a oportunidade de ir duas vezes a Portugal durante a época, mas claro que sinto saudades do nosso país, mas isto já está a acabar». Os contratos nos Estados Unidos são feitos de janeiro a dezembro, mas se o Sporting Kansas não tivesse garantido a qualificação para o play-off, Nuno André Coelho ficava livre já no final de outubro. «Se tiver de ficar aqui mais um mesito para acabar por ser campeão, claro que vai valer a pena», atira.

Dez meses em Kansas City, a cidade mais populosa do Missouri. Sim, Kansas tem nome de um Estado, mas a cidade pertence a outro. Nuno André Coelho explica. «Realmente, Kansas City é uma cidade que está dividida por dois estados. Eu por acaso vivo no Estado do Missouri. A cidade de Kansas é onde passas a fronteira dos dois estados, por isso existe existe Kansas City/Kansas e Kansas City/Missouri».

Apesar de estar bem localizado, mesmo no meio do país, as distâncias de cidade para cidade são enormes e todas as deslocações, sem exceção, são feitas de avião. «Como se anda em autocarro em Portugal para se jogar, aqui é só de avião. Não existe uma equipa onde vamos jogar fora que possamos ir de autocarro. Até porque na nossa conferência temos uma equipa do Canadá, os Vancouver Whitecaps [o Toronto e o Montreal Impact fazem parte da Conferência Este]».

E o que se faz em Kansas City Missouri com tanto tempo livre? «Há sempre alguma coisa para fazer. Temos aqui o que eles chamam um Sports Bar onde conseguem colocar tudo num sítio só. É um bar como se fosse um salão de jogos, mas jogos tipo golfe, bowling, bilhar e todos os jogos tipicamente americanos. É um bom sítio para passar o tempo com os colegas. Também vou ao cinema e no verão há muitos parques aquáticos. Há muita coisa para se fazer». Uma cidade que fica mesmo no meio dos Estados Unidos e que recebe influência de muitos emigrantes e isso nota-se, por exemplo, na alimentação. Nuno André Coelho garante que raramente recorre ao típico fast-food americano. «Isso é igual a Portugal. Só vai ao fast-food quem quer. Existe muito mais porque os EUA são enormes. Encontra-se de tudo, restaurantes típicos italianos, e até restaurantes típicos americanos com boa comida também. Encontras muitos restaurantes da América Central, cubanos, mexicanos, existe um pouco de tudo».

Nos Estados Unidos, nesta altura, não se fala noutra coisas que não as eleições presidenciais que estão marcadas para 8 de novembro. Curiosamente, o Estado do Kansas recusou os dois candidatos, com os democratas a votarem em Bernie Sanders e os republicanos em Ted Cruz. Nuno André Coelho não tem paciência para as campanhas de Hilary Clinton e Donald Trump. «Mudo logo de canal. Aqui consigo ter os canais todos portugueses e nem acompanho isso», desabafa.

Com a aventura norte-americana a chegar ao fim, agora é tempo de olhar para o futuro. «Tive algumas propostas daí sobre o fecho do mercado na Europa, mas como tinha mais de seis meses de contrato aqui não pude aceitar, mas agora estou aberto a convites». Nuno André Coelho nunca escondeu o sonho de um dia voltar ao FC Porto, como já tinha deixado claro numa entrevista ao Maisfutebol em 2008/09. Nesse ano, em que esteve cedido ao Estrela da Amadora, acabou mesmo por voltar, mas depois acabou por ser cedido ao Sporting, envolvido no negócio da transferência de João Moutinho. Agora as coisas são diferentes.

«Sinceramente já não penso nisso». A verdade é que o central está bem por dentro dos atuais problemas da equipa do Dragão. «O FC Porto sempre sobressaiu pela sua defesa, era sempre muito forte a nível europeu, mas este ano, como no anterior, não teve a sorte dos outros anos. Não é só na defesa, mas também noutros setores. Falta ali alguma coisa que não foi bem gerida pelo staff do FC Porto nestes últimos anos. Fizeram uma coisa que estão pouco habituados a fazer, porque o FC Porto, antigamente, nunca gastava o dinheiro que agora anda a gastar a contratar jogadores. Dantes o FC Porto era uma máquina de fazer dinheiro, mas nos últimos anos não conseguiu fazer render o plantel», referiu.

Nuno André Coelho assume que o sonho de voltar desvaneceu-se, mas se houvesse um convite…«nem olhava para trás». «É a minha cidade, tenho lá a minha casa, a minha família, os meus amigos são todos do Porto. Quem sabe? Tudo é possível», atirou ainda.

Mas calma, ainda falta o play-off... O Sporting Kansas, como já dissemos, qualificou-se, pela sexta vez consecutiva, para a fase a eliminar. O primeiro jogo será, já no próximo dia 27, frente ao Seattle Sounders, a tal equipa a quem Nuno André Coelho marcou na primeira jornada da fase regular. Depois seguem-se as meias-finais e a final de conferência, antes do jogo do título frente ao vencedor da Conferência Este, marcado para 10 de dezembro.