Por: Daniel Dantas

Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências.

Estreou-se na I Liga pelo Boavista na temporada 14/15 e, após cumprir duas épocas com um nível exibicional consistente, rumou ao Rennes para rastrear as pisadas de outros portugueses bem-sucedidos no território gaulês. Escassamente utilizado até ao momento, Afonso Figueiredo aguarda ansiosamente por uma oportunidade para atuar com maior regularidade e demonstrar o valor que possui.

Inicialmente, a adaptação à realidade francesa revelou-se mais difícil do que o expectável. «Tinha acabado de ser operado. Acabei a época no Boavista em recuperação e nunca tinha estado dois meses parado. Quando cheguei senti muito isso, porque uma das grandes diferenças de França para Portugal reside no trabalho físico. A língua, quando se muda para outro país, dificulta a comunicação, não só dentro, mas também fora do campo. No entanto, desde logo, o clube [Rennes] arranjou-me uma professora e tive aulas de francês durante dois meses. Consegui ultrapassar essa pequena barreira e, fisicamente, sinto-me melhor do que nunca. A grande mais-valia que posso tirar deste ano e meio foi, sem dúvida, a parte física, porque cresci bastante nesse aspeto», começou por contar.

«O campeonato francês é mais fácil do que o português»

O lateral esquerdo acredita que as boas condições de que usufrui em França propiciam um futebol de qualidade superior, apesar da excessiva valorização do aspeto físico. «Pode parecer um bocado estranho aquilo que vou dizer, mas acho que o campeonato francês é mais fácil do que o português. Aqui ainda não joguei num estádio que não estivesse cheio ou num terreno que não estivesse bom. Todos esses pormenores fazem com que as coisas corram melhor. Achei, sinceramente, que havia muito mais espaço para jogar e pensar do que em Portugal. Também apostam mais no lado físico e no jogo direto. O grande entrave para os meus minutos não serem os desejados tem sido a maneira como veem o futebol. Acho que o cérebro é muito mais importante do que as caraterísticas físicas. Contudo, se não tivermos 1,80m e umas condições físicas monstruosas, somos, logo aí, um pouco postos de lado. Não falo só em França, mas do mundo do futebol em geral», prosseguiu.

A primeira temporada ao serviço do Rennes, na época 16/17, não correspondeu às expectativas em termos de utilização, apesar de ter, ainda assim, rubricado boas exibições, diante de adversários com um grau de exigência acrescido. «Não foi uma temporada como esperava e queria. O Rennes tem uma estrutura fantástica. Para quem não conhece a realidade francesa, vim para um clube que tem o oitavo ‘budget’ mais alto da liga. Tem condições espetaculares, ao nível de um grande clube português. Eu próprio não sabia desta grandeza do Rennes. Julguei que o salto seria muito mais fácil e demorei algum tempo a assimilar as coisas. Lembro-me de que a primeira oportunidade dada foi frente ao Paris Saint-Germain, num jogo da Taça de França, e não jogava há nove meses. Infelizmente, perdemos 4-0, mas fiz um jogo bastante bom e isso deu-me bastante confiança para a parte final da época. Apesar de não ter jogado muito, todos os jogos que fiz foram contra grandes equipas, como o Mónaco, Lyon e Lille, e sempre com boas exibições. Foi esse o ‘feedback’ dado pelo presidente [René Ruello] e o antigo treinador que tive [Christian Gourcuff]. Portanto, em termos de qualidade foi bastante bom, mas em quantidade não foi aquilo que desejava», reconheceu.

No mercado de inverno da temporada transata, o Rio Ave afigurou-se como um destino provável para somar os minutos que não lhe foram concedidos no campeonato francês. Porém, a intransigência do clube e as naturais disparidades salariais inviabilizaram o empréstimo. «Assim que apareceu a proposta do Rio Ave disse imediatamente que sim, porque precisava de jogar e era um clube em ascensão no campeonato português, que praticava um excelente futebol. Tinha todas as condições necessárias para correr bem, mas o Rennes pediu para que o Rio Ave assumisse uma grande parte do salário e tal não foi possível, porque existe uma discrepância muito grande em termos salariais entre Portugal e França. Eu próprio disse que aceitava abdicar do salário que tinha, mas acabou por não acontecer. Tive alguma pena, até porque queria muito trabalhar com o míster Luís Castro. Contudo, acabou por ser bom para mim, já que tive mais oportunidades comparativamente à primeira metade do campeonato», referiu.

No início do mês de novembro, Christian Gourcuff foi surpreendentemente afastado do comando técnico do clube, na sequência das mudanças operadas na estrutura diretiva, e Afonso Figueiredo reconhece a importância dos ensinamentos partilhados pelo francês de 62 anos. «Tento sempre tirar o melhor e o pior de cada treinador que tenho. Em termos de futebol, o mister Gourcuff foi dos melhores que tive até hoje. Aprendi muito com ele e gosto da maneira como vê o futebol. É fantástico quando tens um treinador que pensa o futebol da mesma forma que tu. A nível humano já não posso dizer o mesmo. A nossa relação pessoal não era perfeita, mas, naquilo que considero o mais importante, era excelente», admitiu.

Sabri Lamouchi, sucessor de Gourcuff, trouxe consigo uma proposta de jogo distinta e a proximidade relacional entre os jogadores, que tratou de implementar prontamente no Rennes. «São pessoas e ideias completamente diferentes e, neste momento, estamos a tentar mudar um bocado o ‘chip’. Estávamos há um ano e meio com o míster Gourcuff e é normal que tenhamos muitos hábitos dele. O mister Lamouchi mudou muita coisa aqui. Passamos, por exemplo, a tomar o pequeno-almoço e a almoçar juntos. Veio também mudar um pouco o estilo de jogo, optando por um futebol um pouco mais direto e não tanto apoiado como o de Gourcuff. São mudanças. Não posso dizer que são para melhor ou para pior», afirmou.

Apesar de ter sido utilizado com maior frequência em novembro, o jogador português continua a somar pouco tempo dentro das quatro linhas na presente temporada e não consegue encontrar uma justificação concreta. «Sou da opinião de que nada é por acaso e tudo tem uma razão. A questão é que sou um jogador de jogos. Não que treine mal, apenas sinto que sou mais forte num jogo do que num treino, e há muitos jogadores que são o contrário. Num jogo existe pressão, concentro-me bastante e as coisas saem-me bem. Julgo que as minhas qualidades físicas continuam a ser postas em causa. Se for um jogador inteligente, consigo antecipar as jogadas dos adversários e posicionar-me de forma a que as bolas não lhes cheguem. Sempre foram essas as minhas armas. Os laterais, hoje em dia, já não são altos como antigamente. O Raphael Guerreiro esteve neste campeonato e foi pelas boas prestações dele que tomei a opção de vir para França. Mostrei sempre o meu valor quando joguei e nunca percebi o porquê de não darem continuidade ao que fiz. A concorrência é forte, temos excelentes jogadores, mas, a partir do momento em que te dão uma oportunidade e tu a agarras, acho que têm de dar o benefício da dúvida. Não tenho tido essa sorte. Não posso culpar alguém em específico, porque nós jogadores também temos culpa de alguma coisa, mas não consigo entender o porquê de não ser opção. Tem sido muito boa a minha aventura aqui, gosto imenso do clube e da liga. Não tenho nada a dizer e estou completamente satisfeito, exceto com a falta de minutos. Acredito muito em mim, mas também preciso que acreditem. Não acreditando aqui, preciso que acreditem noutro lugar. Vamos ter de falar com o clube e ver o que será melhor para ambos», garantiu.

Coletivamente falando, apesar de o arranque no campeonato não ter sido positivo, o Rennes inverteu com sucesso o ciclo negativo que atravessou. É, atualmente, o sexto classificado da Ligue 1 e ambiciona fixar-se ligeiramente acima da primeira metade da tabela classificativa. «A época não começou como planeávamos. Acho que nos reforçamos bastante bem. Todos os jogadores que vieram são jovens, têm muita qualidade e acrescentaram qualquer coisa. Acontece, simplesmente, e não há uma justificação verdadeira para aquilo que correu menos bem. São pequenos detalhes. Nos últimos quatro jogos do mister Gourcuff, vínhamos de quatro vitórias e as coisas estavam a correr bastante bem. O clube optou por mudar de técnico e as coisas estão novamente no bom caminho. Temos uma equipa com uma grande qualidade de passe, tentamos praticar um futebol apoiado e possuímos um grupo bastante unido. No entanto, isso nem sempre ganha jogos. Queremos ficar no meio da tabela. Porém, com a estrutura que este clube tem, só podemos ambicionar lugares mais altos. Não digo os três primeiros, mas, pelo menos, para lutar pelos oito primeiros lugares», indicou.

«Não sinto que as pessoas acreditem em mim»

Um empréstimo no próximo mercado de inverno é uma possibilidade que não descarta, dado o evidente desejo de atuar com maior regularidade. «Pretendo jogar mais e vejo que isso não vai passar pelo Rennes, porque não sinto que as pessoas acreditem em mim e acho que o melhor para mim é sair, mas isso tem de ser visto com o clube. Claro que sim, via com bons olhos ser cedido. Não estou numa situação que me permita fechar portas, por isso, vou estudar bem qualquer proposta que surja. Agora, a minha mulher está grávida. Para um jogador é algo que só pode ajudar e dar mais motivação para fazer mais e melhor, porque, neste momento, tenho de pensar mais nos outros do que em mim. Tenho de tentar arranjar as melhores soluções possíveis para continuar a minha carreira.»

O atleta de 24 anos continua a acompanhar atentamente e com relativa pontualidade o campeonato português. «Tenho televisão portuguesa em casa. A minha mulher também gosta bastante de futebol. Sempre que podemos, vemos os jogos do campeonato português, com especial preferência para o Boavista dela, e meu também, e o Sporting, que é o meu clube em Portugal.»

«Dentro de pouco tempo o Boavista voltará a poder lutar com os melhores»

O Boavista que deixou é, nos dias correntes, um Boavista diferente. «É um Boavista em crescimento, tal como esperava. Época após época as classificações têm sido melhores e já não luta pela manutenção como quando estava lá. Acho que é um Boavista com uma estrutura bastante mais organizada e ambicioso, como sempre soube que iria acontecer. Não me surpreende em nada que o clube esteja como está neste momento e tenho a certeza de que, nos próximos anos, vai continuar a crescer e dentro de pouco tempo voltará a poder lutar pelos lugares de cima, com os melhores», assegurou.

Ainda que tenha saudades de Portugal, o defesa está inteiramente ciente de que uma mudança para outro país poderá ser determinante para a estabilidade financeira no pós-carreira. «É uma mistura de sentimentos. Quando vamos para fora damos muito mais valor ao que é nosso e tenho muitas saudades do meu país. No entanto, sinceramente, valorizam pouco o jogador português em Portugal. Além dos três grandes, os salários em Portugal já não são aquilo que eram e cheguei à conclusão de que um jogador de futebol tem uma carreira curta. Há que ter em atenção o nível financeiro, porque, no fim, não são os clubes nem as pessoas que se vão lembrar do que um jogador fez. As pessoas, se calhar, não pensam que um jogador de futebol tem até aos 30 e poucos anos para tentar ter alguma estabilidade para o resto da sua vida. Mas, claro que sim, o campeonato português é um excelente campeonato e, como é óbvio, tenho saudades.»

Chegou a ser chamado por Rui Jorge para disputar os Jogos Olímpicos 2016, mas acabou por não viajar para o Rio de Janeiro por ordem do treinador Christian Gourcuff, que privilegiou a realização da pré-época no emblema francês. Ainda assim, mantém bem viva a ambição de representar a seleção nacional num futuro próximo. «Essa chamada à seleção olímpica mostrou que estava realmente a trabalhar bem no Boavista e senti-me muito orgulhoso quando o Rui Jorge me ligou. Esse sonho, aqui, foi-me cortado. Na altura, tive uma conversa em privado com o treinador [Christian Gourcuff] quando a convocatória chegou ao clube, na qual pedi para me deixar ir. Disse-me que tinha acabado de chegar, precisava de fazer a pré-época para absorver as ideias do treinador e era um jogador importante para o clube. Não fui aos Jogos Olímpicos e acabei por não jogar aqui até dezembro, e isso mexeu bastante comigo psicologicamente.»