A ’Euro 2016 Network’ reúne órgãos de comunicação social de vários pontos da Europa para lhe apresentar a melhor informação sobre as 24 seleções que vão disputar o Europeu de França. O Maisfutebol representa Portugal nesta iniciativa do prestigiado jornal Guardian. Leia os perfis completos das seleções que participarão no torneio:

Autores dos textos: Daniel Taylor (tática e questões chave) e Barry Glendenning (segredos e perfil da figura)

Parceiro oficial em Inglaterra: The Guardian

Longe vão os tempos em que Roy Hodgson montava a sua equipa num rígido 4-4-2, com tão pouca fluidez nas movimentações coletivas que Gary Lineker se questionava se a seleção inglesa jogava futebol «da idade das Trevas».

Após quatro anos do seu reinado, a Inglaterra de Hodgson é agora uma equipa razoavelmente ágil, alternando entre um aventureiro 4-3-3 e um 4-4-2 losango que se mostrou tão eficaz na recente reviravolta de 0-2 para 3-2 diante da Alemanha. Nessa noite a equipa mostrou que pode ser destemida jogando como visitante. E, assumindo o ataque, é provável que uma equipa com Harry Kane, Jamie Vardy e Dele Alli seja capaz de preocupar as defesas adversárias.

E Wayne Rooney, também? Esse é, talvez, o maior dilema para Hodgson, dado que Kane e Vardy terminaram a a época como melhores marcadores da Premier League, conseguindo o mesmo número de golos entre eles – 49 – como os de Rooney e toda a equipa do Manchester United, somados. Kane e Vardy trabalham melhor em conjunto, como pontas de lança a par, e uma opção para Rooney será a de atuar como elemento mais adiantado do losango. Essa é, porém, a posição em que Dele Alli alcança melhor rendimento. Hodgson é extremamente leal a Rooney – capitão da Inglaterra e recordista de golos na seleção – mas não há uma solução óbvia para o manter no onze sem sacrificar os jogadores que se mostraram em melhor forma ao longo da época.

A seleção inglesa parece forte no ataque mas tem, também, uma aparência desequilibrada quando, defensivamente, se mostra muito mais vulnerável. Joe Hart está firme como guarda-redes titular, mas o maior problema de Hodgson tem de ser a dupla de centrais. Chris Smalling melhorou substancialmente, mas ainda é propenso a acidentes- Gary Cahill teve uma temporada irregular e John Stones, como recurso, chega ao torneio na ressaca de uma enorme quebra de forma. Nesse sentido, é intrigante que Hodgson tenha corrido o risco de levar apenas três defesas centrais, embora Eric Dier possa, em caso de emergência, trocar o meio-campo pelo eixo defensivo.

Kyle Walker e Danny Rose são os favoritos para ocupar as laterais numa equipa que terá um distinto travo a Tottenham Hotspur, com até cinco titulares provenientes de White Hart Lane. Dier tem créditos sólidos para ser o médio de contenção, mas Hodgson é firme admirador de Jack Wilshere e o médio do Arsenal pode desempenhar um papel relevante, desde que a condição física corresponda, após uma temporada em que cumpriu apenas um jogo a titular na Liga. A equipa de Hodgson não terá extremos de raiz, mas os homens da frente terão permissão para descair para os flancos, além de que o selecionador contará com laterais ofensivos.

Equipa provável (4-1-2-1-2): Hart; Walker, Smalling, Cahill, Rose; Dier; Henderson, Alli; Rooney; Kane, Vardy

Que jogador da Inglaterra poderá surpreender no Euro?

Eric Dier foi excelente nesta temporada pelo Tottenham num papel de médio defensivo e, se a Inglaterra tem problemas no quarteto defensivo, o seu trabalho de cobertura poderá ser vital.

Quem é o maior candidato a dececionar?

Raheem Sterling vai para a fase final com escassa confiança, depois de ter perdido a forma no Manchester City após a viragem do ano. Sterling ganhou lugar no onze inicial durante o Mundial, mas já não assusta as defesas da mesma forma.

Qual é o objetivo realista para a Inglaterra neste Euro?

A Inglaterra passeou pelo seu grupo de qualificação e a vitória por 3-2 na Alemanha, em março, deve encorajar os seus jogadores ao pensamento positivo. Seguramente estarão confiantes em atingir os quartos de fnal e, depois disso, não será disparatado pensar em ir mais longe. Muito depende da capacidade para defender, que tem sido claramente o ponto fraco, perante opositores de topo.

Os segredos dos jogadores (e treinador) 

Roy Hodgson

O selecionador inglês é conhecido como um homem cosmopolita e culto, com um forte interesse em literatura e que tem tal apreço pelos simples prazeres da vida (e desprezo pela sua pegada ecológica) que costumava conduzir pelo caminho mais longo entre sua casa e o centro de treinos do Blackburn Rovers, porque isso lhe permitia contemplar melhor a paisagem local. Ainda assim, num episódio recente do podcast semanal do Guardian, Football Weekly, admitiu que apesar dos anos passados em Itália, continua a não gostar de queijo parmesão. Sacrilégio!

Nathaniel Clyne

O lateral proveniente de Stockwell cresceu junto a Coldharbour Lane, in Brixton. E tem tão boas memórias dos seus primeiros dias como aprendiz, no Sul de Londres, que tem várias recordações tatuadas no corpo.Uma das tatuagens é a replica de uma foto tirade pela mãe de Clyne, Ann, onde o seu filho aparece a agarrar uma bola, com apenas três anos de idade. Outra é o sinal da estação de metro de Stockwell, de onde partia para os treinos, quando rapaz. Clyne formou-se na Afewee Academy, uma organização sem fins lucrativos, gerida por voluntários do Centro Recreativo de Brixton, onde crianças com idades entre os cinco e os 16 anos afinam os seus dotes futebolísticos, pessoais e sociais.

Eric Dier

Apesar de todo o seu sucesso como jogador do Tottenham, a imagem que acompanhará Eric Dier até ao fim da carreira é a de uma foto que o mostra na linha lateral do estádio de Alvalade, a receber de Jesualdo Ferreira a mãe de todas as broncas, enquanto jovem produto da academia do Sporting, diante do FC Porto, em 2013. Conhecido em Portugal como o Professor, Jesualdo Ferreira era então o treinador do Sporting e decidiu que DIer, um defesa central, podia também atuar à frente do quarteto defensivo. Insatisfeito com a forma como estava a cumprir a missão chamou-o à parte. «Foi porque estava a corer como uma galina sem cabeça nos primeiros dez minutos», confessou Dier mais tarde, ao Guardian. O sermão improvisado teve o efeito pretendido, o jogo acabou 0-0 e a nova carreira de Dier como future médio defensivo da seleção inglesa começou aí.

Tom Heaton

O guarda-redes do Burnley jogou suficientemente bem para ganhar um posto no banco da seleção, mas tornou-se notado aos olhos do público há 11 anos, depois de um falhanço horrível que teve direito a exibição no programa Soccer AM e value-lhe lugar cativo num conjunto de DVD humorísticos com bloopers do futebol. Jogando pelo Swindon Town contra o Port Vale, o jogador, de 19 anos, saiu da área para afastar um passe longo do lateral do Port Vale e ficou horrorizado ao perceber que a bola, depois de bater no chão, le sobrevoou a cabeça, deixando o avançado do Port Vale com um daqueles golos só para encostar. «Claro que tive pontos altos e baixos, mas estes momentos fazem parte. Os adeptos foram fantásticos comigo, talvez por terem percebido que os guarda-redes jovens precisam de um pouco mais de apoio», reconheceu mais tarde.

Perfil de uma figura da seleção: Chris Smalling

O último jogo de Chris Smalling numa longa campanha doméstica foi tudo menos um espelho fiel da sua sexta e mais convincente temporada como jogador do Manchester United. Em 24 dos 55 jogos oficiais que cumpriu pelo clube, saiu de campo com a felicidade de ter integrado uma defesa impermeável, sem golos sofridos. Mas na final da Taça, teve de deixar o jogo mais cedo do que os companheiros, depois de ter visto um segundo cartão amarelo, por um tackle desesperado e digno de râguebi perante Yannick Bolasie. O primeiro amarelo tinha chegado no início do jogo, quando Connor Wickham provou ser demasiado talentoso para o central. Todos temos dias maus, mas Smalling pode, pelo menos, consolar-se com a ideia de que o seu, além de cada vez mais raro, chegou ao fim com a medalha de vencedor à volta do seu pescoço.

A vida poderia ter sido muito diferente para este defesa de 26 anos. Enquanto estudante, em Chatham, Smalling brilhava no clube de judo e tornou-se campeão britânico sub-15, antes de decidir fixar-se no futebol. Já tinha passado pela academia do Milwall, mas as longas viagens para as instalações obrigavam-no a falhar treinos, por isso decidiu juntar-se ao Maidstone United, clube da Ryman League (amadora).

Com 18 anos foi detetado pelo então diretor de futebol do Fulham, Les Reed, e convidado a fazer um teste no campo de treinos de Motspur Park. Foi aí que captou a atenção de Roy Hodgson, também ele um ex-jogador com passagem pelos amadores do Maidstone. Os planos de Smalling no sentido de prosseguir os estudos universitários num curso de gestão foram rapidamente postos de parte quando Hodgson lhe garantiu que tinha future na equipa profissional: «Estava a ver o treino por acaso, chamou-me ao gabinete e tudo começou aí. Não me lembro da conversa, foi tudo um pouco confuso, mas lembro-me de que Roy foi muito encoraja», lembrou Smalling, mais tarde.

O Fulham contratou-o por 12 mil libras, um investimento que teve um lucro superior a 13 milhões apenas dois anos mais tarde, quando Sir Alex Ferguson o levou para o Manchester United em 2010, desviando-o mesmo sob os narizes do Arsenal, como paga pelo facto de o clube londrino ter feito o mesmo quando contratou Aaron Ramsey ao Cardiff City, quando o United já tinha chegado a acordo de verbas com o médio galês. «Tive a minha desforra quando Roy Hodgson foi determinante na ajuda que nos deu a desviar Smalling do Arsenal» escreveu Ferguson acerca do acordo que levou Smalling para Old Trafford.

Um investimento tão avultado num jovem defesa fez erguer algumas sobrancelhas desconfiadas, mas tendo a partir daí evoluído na companhia de Nemanja Vidic e Rio Ferdinand, Smalling venceu as dúvidas acerca de uma alegada estagnação na carreira, e fixou-se, finalmente, como um dos defesas mais completos do futebol inglês. Anteriormente um crítico de Smalling, por não «meter o pé», o antigo defesa e comentador Jamie Carragher aprestou-se a mudar de tom no passado mês de dezembro: «Tornou-se um homem», afirmou aos microfones da Sky Sports. «É um líder do Manchester United e penso que os seus progressos nesta época tornaram-no o melhor defesa central da Premier League. Muito do bom desempenho defensivo do United passou por ele», afirmou.

Presença habitual na seleção com o atual selecionador, a vida dificilmente poderia anunciar-se mais promissora para Smalling à entrada do Euro 2016. Em entrevistas, é frequente referir-se aos seus dias no Maidstone e o seu apreço pelos combates e armadilhas do futebol não-profissional: «Gosto bastante de ser agressivo e assustador, isso dá-te mais confiança para te impores aos avançados e desmoralizá-los, obrigando-os a sair cabisbaixos, após um jogo frustrante», afirmou. Não sendo apenas um central que bate, Smalling foi acrescentando mais recursos ao seu jogo, tornando-se gradualmente mais competente nas ações ofensivas. Na última temporada, fez em media 47 passes por jogo na Premier League, com uma eficácia de 83%. O seu habitual parceiro no eixo defensivo da seleção, Gary Cahill, fez substancialmente menos: 32 com 85% de acerto, no Chelsea.

O reinado de Louis van Gaal no Manchester United pode ter acabado por revelar-se uma fonte de frustração para os adeptos, mas a transformação de Smalling numa voz autoritária e de confiança foi um dos pontos claramente positivos do seu regime. O defesa, a quem o seu treinador por mais de uma vez chamou «Mike», amadureceu e produziu o melhor futebol da carreira sob o comando do holandês de olhar perfurante. Van Gaal deu-se sempre bem com a confiança depositada no defesa que veio do Maidstone – mesmo que dizer corretamente o nome do pobre rapaz fosse, algumas vezes, uma tarefa para lá do seu alcance.