A ‘Euro 2016 Network' reúne órgãos de comunicação social de vários pontos da Europa para lhe apresentar a melhor informação sobre as 24 seleções que vão disputar o Europeu de França. O Maisfutebol representa Portugal nesta iniciativa do prestigiado jornal Guardian. Leia os perfis completos das seleções que participarão no torneio:

Autor dos textos: Philippe Auclair

Parceiro oficial em França: France Football

Revisão: João Tiago Figueiredo

A ausência forçada de Karim Benzema, considerado ‘persona non grata’ pela alegada participação no escândalo de chantagem sexual, e o triste desaparecimento de Mathieu Valbuena, a única verdadeira vítima do caso, significam que Didier Deschamps está obrigado a fazer aquilo que muitos esperavam que fizesse logo de início: confiar na juventude, particularmente no ataque. Não será uma surpresa ver Anthony Martial, Antoine Griezmann e Kingsley Coman a jogar juntos durante o torneio, mesmo que André-Pierre Gignac ou Olivier Giroud tenham lugar quase certo no centro do ataque.

O futebol da França tem-se baseado numa formação de 4-3-3 fluida e de contra-ataque nos últimos 18 meses (nove jogos em doze desde 1 janeiro de 2015) e é pouco provável que mudem para o 4-2-3-1 ou o 4-4-2 losango que Deschamps testou em 2015 contra a Albânia (um desastre absoluto) e Portugal (com Pogba como número 10 e uma vitória de 1-0 que não foi das mais convincentes).

Este esquema 4-3-3 potencia as principais forças da França, que são, primeiramente, o mais dinâmico meio campo da Europa (Pogba e ainda N’Golo Kanté ou Blaise Matuidi, além do lesionado Lassana Diarra) e uma entusiasmante combinação de velocidade e técnica nos flancos, em torno de um só ponta de lança imponente.

Visto assim, é difícil imaginar quem possa resistir a uma equipa francesa que joga em frente ao seu público. Não correu nada mal nas últimas duas vezes em que organizaram uma grande competição, pois não?

Os problemas de Deschamps estão noutro lado, nomeadamente na defesa onde, com Kurt Zouma e Raphael Varane, lesionados, e Mamadou Sakho suspenso, se sentirá a falta de um verdadeiro tampão.ao lado de Laurent Koscielny no eixo da defesa. Patrice Évra (35 anos de idade) e Bacary Sagna (33) estão lançados para serem as escolhas para as alas da defesa, o que diz muito da falta de alternativas nessas posições. Christophe Jallet? Lucas Digne? Não, não pensem nisso.

A França marcou nove golos nos últimos quatro jogos antes do estágio para o Europeu, mas também sofreu seis, mesmo que Deschamps tenha escolhido aquela que parecia ser a mais forte combinação defensiva em cada ocasião. Homem prudente por natureza e educação, o «aguadeiro» de Eric Cantona talvez tenha de adotar uma abordagem mais ousada como treinador do que aquela que mostrou como jogador.

Ele consegue, como mostrou quando levou o Mónaco à final da Liga dos Campeões de 2004; e talvez chegue lá no final de contas. Mas haverá obstáculos no caminho.

Onze provável Lloris (c), Sagna, Mangala, Koscielny, Evra, Kanté, Pogba, Matuidi, Martial, Giroud e Griezmann.

Griezmann pode ser uma das figuras do Europeu

Que jogador pode surpreender no Euro 2016?

Este pode ser o torneio do N’Golo Kanté, desde que Deschamps, um treinador muito leal, esteja disposto a deixar Blaise Matuidi (que teve uma época pouco convincente) no banco. Se tiver uma oportunidade, o médio do Leicester pode dar energia ao miolo francês, mas também às recuperações e interceções, até um ponto em que as fragilidades defensivas da França passem, quase, despercebidas. Isto é mais um desejo do que uma esperança.

Que jogador pode desiludir?

É esperado uma quantidade absurda de coisas de Paul Pogba, «La Pioche»; mas já há muito que é assim; e, independentemente do que dizem os seus fãs, ainda esperamos que os jogos cheguem ao nível dos cortes de cabelo e dos fatos. Pogba é um talento prodigioso, mas a sua tendência para segurar de mais a bola, tentar driblar adversários em demasia, prendendo-se em nós que ele próprio atou, sendo tanta coisa para tanta gente no relvado, terá de ser canalizada de uma forma mais eficiente para que o seu talento floresça convenientemente. Nada disto é garantido.

Até onde pode ir a França e porquê?

Tudo o que não seja uma terceira final do Europeu (depois de 1984 e 2000) será uma desilusão. O sorteio foi simpático para os anfitriões, enquanto os habituais colossos europeus parecem atravessar, no mínimo, uma fase transitória. Mas a equipa francesa ainda parece bem curta em termos de qualidade relativamente às antecessoras de 1984 e 2000; curta no que é preciso para levantar o troféu, do meu ponto de vista.

Perfil de uma figura da seleção: André-Pierre Gignac

Gignac nos tempos do Marselha

Jean-Michel Aulas, presidente do Lyon, chama-lhe ‘exótico’, o que não é para ser lido como um elogio: o chefe do Lyon ainda não digeriu bem a escolha de Didier Deschamps de levar André-Pierre Gignac ao Europeu, em vez dos seus jovens Nabil Fákir e Alexandre Lacazette.

É verdade, contudo, que o ponta de lança do Tigres é uma escolha ‘exótica’. Que ele iria deixar o Marselha após uma temporada de sucesso com Marcelo Bielsa, no último verão, era do senso comum; mas o que surpreendeu toda a gente foi que ‘Dédé’ – que estava a ser seguido por vários clubes Europeus, com Inter e Lyon à cabeça – tenha ignorado todas as propostas em favor de um clube mexicano pouco conhecido. Ele poderia estar num apartamento luxuoso em Milão; em vez disso preferiu Monterrey, uma cidade que é tão perigosa que a própria polícia americana aconselha a não viajar de carro. Sequestros, claro.

Quase um ano depois, Gignac pode rir-se de todos os que disseram que o México seria o seu enterro, no que à carreira diz respeito. Claro que ele sabia o que estava a fazer;  fala fluentemente espanhol; estudou o campeonato mexicano e descobriu que não tem nada a menos do que a Ligue 1 em termos técnicos e competitivos; ele poderia ter ganho mais se tivesse aceite a chamada de um clube de topo da Arábia Saudita, o Al Nasr – mas para ele, também era uma escolha de vida, a oportunidade de descobrir um país que o fascinava, em que ele sabia que poderia crescer.

E cresceu. É um herói para os Ultras do Tigres, com quem costuma sair. Foi escolhido o Jogador do Ano da Liga. Venceu o primeiro campeonato da sua carreira. Tornou-se o primeiro francês a jogar e marcar na final da Taça Libertadores, algo que nem David Trezeguet conseguiu. E é, definitivamente, mais do que uma escolha exótica de Didier Deschamps numa competição em que muitos acreditam que a França possa ganhar.

A ausência de Karim Benzema e a forma titubeante de Oliver Giroud fazem dele um forte candidato ao onze de «Les Bleus», mesmo tendo um pouco de peso a mais (o seu gosto por carnes curadas pode explicar alguma coisa) ou o seu estilo de jogo (nenhum ponta de lança marca uma grande quantidade de golos fora da área).

Deschamps também não foi sempre um fã. Escutas telefónicas ao treinador francês com o seu agente Jean-Pierre Bernès, recentemente saíram na primeira página do L’Équipe, o que se entende, pois Deschamps referiu-se a Gignac como uma bala de canhão, algo que é preciso levar a rasto. Um peso morto. Um halter. «Arranjem-me alguém pelo Gignac», disse Deschamps ao telefone, sem saber que a polícia estava a gravar todas as palavras da conversa. «Gameiro, seja quem for. Só pode ser melhor!».

Mas isso foi há algum tempo, em Dezembro de 2011. A visão de Deschamps mudou desde aí. «Não há animosidade entre nós», disse Gignac à France Football há algumas semanas. «Tirando dez minutos de tensão num balneário [em Marselha], nunca houve problema. Ele [Deschamps] é um homem íntegro, totalmente independente do seu entorno quando tem de fazer escolhas, seja nos Bleus ou no seu clube. Ele mostrou isso quando me convidou para regressar à seleção.»

Gignac não marcava desde 2009 pela seleção nacional. Não interessou: quando a França alinhou a 6 de setembro de 2013 contra a Geórgia, num jogo de apuramento para o Mundial, ele estava de volta.

Gignac sempre foi diferente e aqui está uma prova: ele é um dos cada vez mais raros futebolistas que não têm nenhuma tatuagem, algo que ele diz que o faria sentir ‘sujo’. As suas raízes ciganas, nas quais tem muito orgulho tornaram-no uma bandeira de uma comunidade que produziu vários talentos na Europa do futebol (Andrea Pirlo, Gheorghe Hagi e Hristo Stoichkov, para citar apenas três), mas nunca um internacional francês, antes dele.

Podem apostar que nenhum dos 23 da França iguala a sua paixão pela camisola azul, não que ele seja do tipo que berra isso para agradar a um público para quem este Europeu representa a oportunidade de voltar a apaixonar-se pela sua seleção. E ninguém vai chutar a bola com tanta força como ele, com aquele seu feroz pé direito. A França tem um tigre genuíno nas suas fileiras.

Os segredos dos jogadores

Autor dos textos: Ed Aarons (The Guardian)

Dimitri Payet

Antes de se tornar no especialista em livres diretos que deixou os fãs do West Ham a babar toda a época, Payet começou em ambientes mais humildes. Tendo falhado o acesso à equipa principal do Le Havre, deram-lhe uma nova oportunidade para impressionar com o Nantes, depois de voltar a terra firme desde a ilha da Reunião, no Oceano Índico. Payet teve um contrato de dois anos como amador – o que lhe permitia trabalhar em part-time numa loja de roupa, para aumentar o seu vencimento. Avaliando as suas capacidades para dobrar camisolas, que podem ser vistas neste vídeo que surgiu no Youtube no início deste ano, não se saía nada mal.

Lassana Diarra

«Ele nunca pôs um pé na Síria. É um absurdo. Ele não é jihadista, é futebolista do Lokomotiv Moscovo». O exílio de cinco anos de Diarra dos ‘Bleus’ não deixou de ter controvérsia. Há dois anos, surgiu online um vídeo de um soldado do ISIS, que clamava ser o antigo médio do Chelsea, Arsenal e Portsmouth, o que originou estas negações do advogado de Diarra. Depois de uma discussão com o treinador do Lokomotiv, ele foi despedido e não jogou mais até ao início desta temporada, quando se juntou ao Marselha. Algumas performances de qualidade eventualmente conduziram ao seu regresso no amigável com a Alemanha, mas, numa trágica reviravolta, o primo de Diarra, Asta Diakité, foi assassinado nos ataques terroristas de Paris, nessa mesma noite.

Steve Mandanda

Só havia uma posição em que Mandada iria jogar. O número 1 do Marselha é o mais velho de quatro irmãos nascidos em Kinshasa, todos eles guarda-redes. Parfait trabalha nos belgas do Charleroi e na República Democrática do Congo, enquanto Riffi está no Ajaccio, da Córsega, e Over, de 16 anos, está a dar nas vistas nas camadas jovens do Bordéus. A capacidade de jogar com as mãos claramente é coisa de família. Mandanda, que começou a sua carreira profissional no Le Havre com Payer, mostrou o seu talento natural enquanto participava numa entrevista pós-jogo, quando, casualmente, agarrou com uma mão uma garrafa no ar que tinha sido atirada contra si.

Patrice Evra

Tendo recebido um castigo de cinco jogos internacionais pela sua tomada de posição no motim da equipa francesa contra o treinador Raymond Domenech no Mundial 2010, Evra precisou de quase um ano para forçar o seu regresso. Ainda assim, a solidariedade para com os seus colegas foi natural no antigo defesa do Manchester United, que tem aproveitado um verão Indiano com a Juventus desde que deixou Old Trafford em 2014. Nascido em Dakar, Senegal, filho de um diplomata, Paul Scholes revelou que o seu antigo colega é um de 24 irmãos. «Não são todos da mesma mãe, posso garantir», explicou Evra. «O meu pai não via muita televisão…» Esta história faz lembrar o antigo baixista dos Wailers Aston ‘Family Man’ Barrett que, contudo, teria perfilhado 41 crianças.

N’Golo Kanté

É justo dizer que não se sabia muito de N’Golo Kanté até ele chegar ao Leicester em agosto. Contudo, como as histórias famosas correm, até os treinadores do clube não tinham a certeza quem ele era no primeiro dia no centro de treinos Belvoir Drive. Esperando uma boleia depois da sessão introdutória, um membro do staff, preocupado, terá perguntado a Kanté se ele estava à espera que chegasse a mãe ou o pai. Menos de um ano depois, não poderá haver novamente esta confusão, depois da temporada espetacular que o descendente de malianos, de 25 anos, conseguiu, tendo sido eleito a melhor contratação do último verão e tendo ganho a alcunha de «The Rash» pelo seu colega do meio-campo Danny Drinkwater. Um de nove irmãos, Kanté nem sequer tinha um carro quando se mudou para Inglaterra, mas agora tem, pois comprou um Mini Hatch para se deslocar na cidade.