A ‘Euro 2016 Network' reúne órgãos de comunicação social de vários pontos da Europa para lhe apresentar a melhor informação sobre as 24 seleções que vão disputar o Europeu de França. O Maisfutebol representa Portugal nesta iniciativa do prestigiado jornal Guardian. Leia os perfis completos das seleções que participarão no torneio:

Autor dos textos: Christoph Biermann (análise tática e figura) e Jens Kirschneck (segredos dos jogadores)

Parceiro oficial em Espanha: 11Freunde

Revisão: João Tiago Figueiredo

Quando a equipa técnica da Alemanha se encontrou, há meses, para preparar o Euro 2014, estavam, como habitualmente, acompanhadas de Urs Siegenthaler. O antigo treinador e jogador suíço viaja por todo o mundo a mando da Federação Alemã e está atento aos últimos desenvolvimentos no futebol internacional. É, também, um bom amigo de Joachim Low. Falaram muito do Leicester City e do Atlético Madrid e do que o seu sucesso significa para o torneio de França. «O jogo está a passar por uma mudança e ainda estamos a tentar perceber para onde vai. Vamos ter de desenvolver estratégias para chegar lá», afirmou Siegenthaler.

O que ele quer dizer é que num torneio com 24 seleções a Alemanha terá de lidar com muitos dos chamados underdogs, que vão tentar fazer o que Leicester e Atlético conseguiram. Não é que seja obrigatório que estas equipas apostem na coesão defensiva apenas, mas certamente ficarão satisfeitos em entregar a posse de bola aos adversários.

A evolução da seleção alemã com Joachim Low, nos últimos anos, tem sido baseada num estilo de jogo que privilegia a posse de bola. Preferem este estilo, com um meio campo forte. Nestes dias, porém, muitas equipas não se incomodam minimamente por não terem a bola. Deixam o estilo de passe para os adversários e focam-se em contra-ataques. Como resultado, o futebol está a assistir ao renascimento do tradicional ponta de lança e com isso o regresso de Mario Gomez, depois de uma ausência de quase dois anos. Várias vezes lesionado e excluído por muitos por ser um ponta de lança limitado tecnicamente, Gomez está de volta depois de uma época muito boa no Besiktas, onde foi o melhor marcador da Liga turca, além de campeão. Gomez é um tradicional número 9 na era dos falsos 9, o homem que leva a marreta quando tudo o resto falha.

Ter Gomez dá a opção a Low de usar o tradicional sistema de três homens na frente, com extremos clássicos. E não se surpreendam se Low tentar outra experiência: a sua vitória sobre Itália por 4-1, em março, mostrou que a Alemanha pode voltar a uma defesa com três homens. Por isso o tradicional 4-2-3-1 pode transformar-se num 4-3-3 ou até num 3-4-3.

«Está mais complicado. Somos campeões do mundo e temos de estar atentos aos pormenores, agora», avisou Siegenthaler.

Mas, acima de tudo, a missão passa por encontrar formas de abrir adversários defensivos sem ser vítima de um Jamie Vardy de ocasião…

Desde 1996 que o título europeu escapa à Alemanha

Onze provável (4-2-3-1): Neuer; Howedes, Boateng, Hummels, Hector; Weigl, Kroos; Özil, Müller, Gotze; Gomez

Que jogador da Alemanha pode surpreender no Euro 2016?

Julan Weigl tem sido uma sensação na sua época de estreia na Bundesliga com o Borussia Dortmund. No Euro poderá ter oportunidade de mostrar a sua impressionante capacidade de passe e perseverança num palco ainda maior.

Que jogador pode desiludir?

Bastian Schweinsteiger raramente desilude – desde que esteja bem fisicamente. Infelizmente, nos últimos anos tem estado mais vezes lesionado do que apto e só o deveremos poder ver limitado em França, se houver sequer essa hipótese.

Até onde pode chegar a Alemanha e porquê?

Mais difícil do que nunca prever. O potencial é imenso, mas as performances desde o Mundial não têm sido grande coisa. Ok, vamos lá: meias-finais.

Os segredos dos jogadores

Jerome Boateng

Boateng é uma das figuras da seleção alemã

Desde que assinou pela editora Roc Nation Sports, de Jay Z, os observadores têm estado intensamente (ou, em alguns casos, apreensivamente) a antecipar uma estreia na música do defesa do Bayern. Em vez disso, Boateng tentou a sorte noutra arte, desenhando a sua primeira linha de óculos. A coleção mostrou ser bastante decente, incluindo até um modelo para crianças. Talvez Boateng tenha sido inspirado pelo próprio trauma de infância: tinha tanta vergonha dos seus óculos que os escondia na caixa do correio quando ia para a escola.

Lukas Podolski

O eterno rapaz sorridente do futebol alemão surpreendeu recentemente os seus seguidores no Twitter com uma mensagem quase política. Quando o presidente da Turquia Recep Ergogan processou o humorista Jan Bohmermann por causa de um poema satírico lido na televisão, o avançado do Galatasaray comentou: «Caro Jan, ele que constantemente ataca às custas dos outros, terá, eventualmente, o boomerang de volta». Terá sido político? Talvez tenha sido apenas uma resposta atrasada a um ridículo programa de rádio chamado «O Diário de Lukas», que colocou o jogador no centro de várias piadas, há dez anos. A frase «o futebol é como o xadrez mas sem dados» que muitos atribuem a Podolski é, na verdade, uma criação do programa de Bohmermann.

Mario Gomez

As memórias de Mario Gomez do último Europeu são pouco agradáveis, em parte por causa de um comentário de Mehmet Scholl, antigo internacional alemão e hoje comentador desportivo, num programa televisivo. Scholl achava que a ética de trabalho de Gomez deixava a desejar e gracejou: «Estava tão parado que temi que estivesse a queimar e fosse preciso virá-lo.» A verdade é que Gomez primeiro perdeu o apoio do público, depois do selecionador e acabou por ficar de fora do Mundial 2014. Agora, recentemente coroado campeão e melhor marcador da Turquia, está de volta. O seu detrator já pediu desculpas há muito, claro: «A carreira do Mario é boa de mais para ser limitada a um simples comentário.»

Leroy Sané

O extremo do Schalke foi uma das estrelas em ascenção da última Bundesliga, sobretudo pela sua excecional agilidade. Sané tem um leque de manobras que não é costume ver num campo de futebol. Contudo, esse talento particular não é um acidente: o seu pai é um antigo internacional senegalês, Souleyman Sané, e a sua mãe uma ginasta rítmica Regina Weber, ainda hoje a única alemã a conquistar uma medalha nesse desporto.

A figura: Jonas Hector

Jonas Hector no treino da Alemanha

Um olhar pelos números da seleção alemã no final do ano passado revelava uma estatística curiosa: 754 minutos. Este era o maior número de minutos que um jogador tinha estado em campo em 2015. O número em si não é nada de extraordinário, mas o nome por trás dele será, certamente, uma surpresa. Muitos comentadores arriscariam, provavelmente, em Mesut Ozil ou Manuel Neuer, talvez Toni Kroos ou Thomas Muller. Mas o jogador em questão, o único em campo nos nove jogos de 2015 e o que mais minutos jogou foi Jonas Hector.

Jonas, quem?

O defesa esquerdo do Colónia é uma das figuras mais notáveis da equipa de Joachim Low, até porque é o tipo de jogador que já não deveria existir. Hector é o único internacional alemão da atualidade que nunca esteve no interior de uma academia de futebol. Jogou no SV Auersmacher, da quinta Divisão, até aos 20 anos. Estreou-se na segunda Divisão aos 22 e na Bundesliga em 2014, no mesmo ano em que teve a primeira internacionalização com apenas 10 jogos efetuados no campeonato. Jonas Hector é a versão alemã de Jamie Vardy…

A história de Hector é mais ou menos assim: podes tirar o rapaz da aldeia, mas não consegues tirar a aldeia do rapaz. Em conversa, Hector é educado e bem-falante, a sua maior ambição, parece, é não mostrar nervosismo.

Vem de Auersmacher, uma cidade de 2800 pessoas em Saarland, perto da fronteira com a França. Enquanto o seu talento não chamou a atenção dos olheiros ele foi jogando em várias equipas regionais de Saarland e ainda rejeitou uma mudança para o FC Saarbrucken, o maior clube local, que o queria levar para a sua Academia. «Estava feliz em Auersmacher e queria continuar a jogar com os meus amigos.» Até parece que ele preferia jogar na rua do que com a Alemanha no Euro: «Naquela altura nem sonhava em jogar na Bundesliga.»

Teve de fazer vinte anos antes de deixar a cidade natal. No verão de 2010 juntou-se ao Colónia para jogar na sua equipa de reservas, na quarta Divisão. O Colónia já o queria levar em janeiro, mas Jonas esta relutante em deixar os amigos a meio da época.

Em Colónia começou a jogar como médio ofensivo, antes de recuar um pouco, mas ainda no meio campo. Dois anos depois estreou-se na primeira equipa – como lateral esquerdo, a posição que agora ocupa na seleção. A saída de Philipp Lahm abriu um buraco ali e muitos dizem que Hector joga porque não há mais opções. Christoger Clemens, analista da equipa técnica de Lahm, contudo, defende Hector: «Ele entende o jogo».

Os treinadores não o dizem abertamente, mas adoram Hector. Não porque ele é o melhor jogador do mundo, mas porque é incrivelmente fiável. Um jogador que nunca perde a noção e continua com vontade de aprender e melhorar. «Nunca conheci ninguém como ele, nem como jogador, nem como treinador», assumiu Peter Stoger, que o treinou no Colónia, onde também o adoram porque ele não tem nada a ver com o lado glamoroso do futebol.

Quando não está a jogar, arranja forma de tirar a sua cabeça do jogo. É dos poucos jogadores que não é ativo nas redes sociais. «Não tenho interesse em mostrar-me na internet. Não é a minha onda», explica. E mesmo que quisesse mostrar algo, não seria nada de muito glomoroso. Questionado sobre a loucura que se permitiria cometer com dinheiro, respondeu: «Uma televisão maior». E, depois de ponderar mais um pouco: «Uma cama maior.»

«Tento viver da mesma forma que vivia em Auersmaher. Tenho poupar dinheiro e não despediçá-lo», diz.

Os seus amigos da cidade natal ainda são seus amigos hoje em dia – e também seus fãs. Normalmente conduzem 300km para Colónia para ver a equipa a jogar em casa e muitas vezes até aos jogos fora vão, desde que o calendário do SV Auersmacher permita.

Este verão, contudo, não haverá conflito de agenda. Quando o Europeu começar, eles vão lá estar.